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Sexta-feira, Março 29, 2024

Tensão no sopé dos Himalaias

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Foi no final de 1950 que o recém-vitorioso regime comunista chinês conquistou o Tibete e integrou este país na sua ‘República Popular’. Tratou-se porventura da maior conquista territorial da segunda metade do século XX. Tendo sido a primeira e a maior conquista chinesa não viria a ser a última. À excepção do Paquistão, a China mantém disputas de soberania com todos os seus vizinhos terrestres e marítimos, tendo travado com boa parte deles guerras – Rússia, Burma, Vietname, Índia – ou escaramuças armadas ao longo das últimas décadas. Mesmo a excepção do Paquistão precisa aqui de ser situada. Na verdade trata-se da disputa entre a Índia e o Paquistão sobre o antigo principado do Jamu e Cachemira cuja administração é hoje dividida entre os dois países. Da parte sob administração paquistanesa, uma parte foi cedida à China, que assim viu as suas reclamações atendidas. O Paquistão só faz fronteira com a China no território do antigo principado do Cachemira sob sua administração cuja soberania é disputada pela Índia.

Domínio chinês


A vitória sobre o Tibete levou a China a reacender disputas com os países que tinham fronteiras com este outrora Estado independente, na lógica geralmente proclamada por Pequim de que se alguma vez na história existiu algum território sob o seu domínio, então ele pertence-lhe historicamente, lógica que foi também adaptada à história do Tibete.

A disputa que opõe os exércitos indiano e chinês desenrola-se no Butão, país que tem uma longa e disputada fronteira com a China. O primeiro embate deu-se em 2012 quando as autoridades butanesas protestaram contra a construção pelas autoridades chinesas de uma estrada no seu território, próxima do enclave indiano de Sikkim, entre o Nepal, o Butão e a China, e que a ser completada ligaria o território chinês a um ponto estratégico na fronteira com a Índia.

O Butão pediu o auxílio diplomático da Índia, tendo a disputa então ficado congelada até hoje, data em que recomeçaram os trabalhos na dita estrada, tendo agora as forças indianas enviado um contingente militar para o Butão que impede pela força a continuação da sua construção. A China enviou pelo seu lado um contingente militar que está agora frente a frente com a força indiana.

Confrontos na fronteira indo-chinesa

O confronto que dura já há meses tem-se prolongado noutros pontos ao longo da fronteira indo-chinesa, tendo recentemente as autoridades chinesas protestado pela construção de uma estrada na parte do antigo principado de Cachemira sob administração indiana, a província de Ladakh, próxima da fronteira com o Tibete.

A construção de um ‘corredor económico’ através da província do Gilgit Baltistão, no Cachemira administrado pelo Paquistão, tinha sido vista pela Índia como uma provocação maior e integra-se nas muitas outras iniciativas chinesas de expansão no domínio militar ou económico, particularmente no Índico. A base de Guadar no Baloquistão paquistanês, as pretendidas bases militares no Sri Lanka, as manobras diplomáticas nas Maldivas ou mesmo a mais recente base chinesa no Djibouti são os exemplos mais claros.

A Índia tentou enfrentar o mundo bipolar no post-segunda guerra com o ‘movimento dos não-alinhados’, movimento em que se juntava uma tradição liberal britânica, um funcionamento político democrático americano, um socialismo burocrático e alguma tradição indiana. A queda da União Soviética e a conversão da China ao capitalismo comunista levaram a Índia a reorientar a sua estratégia, com um plano de reformas económicas em 1990 e com um progressivo maior alinhamento com os EUA.

China: tudo na mesma, mas nada permanece igual

A China tem até agora conseguido uma proeza rara na história que é a de conseguir fazer uma verdadeira revolução económica e social no seu funcionamento sem alterar nada do que é essencial no seu sistema político totalitário e na sua lógica imperial. Todos os que previram a inevitável democratização da China não viram até agora confirmadas as suas previsões.

A tensão no sopé dos Himalaias é mais um elemento num quadro político global pleno de crescente instabilidade, mas não é provável que por si só resulte numa conflagração ilimitada. Ela mostra como é cada vez mais necessário que as fronteiras internacionais e o direito internacional sejam aplicados de forma inequívoca em todo o lado.

A impunidade com que a China violou o direito marítimo internacional no mar do Sul da China e ignorou as sentenças arbitrais a esse propósito é um péssimo sinal para todos os que estimam necessária a paz no mundo, e deve ser visto como uma das maiores preocupações contemporâneas.

 

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