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Quinta-feira, Março 28, 2024

The Beatles: os primeiros 50 anos do «Álbum Branco»

Pode soar estranho, mas é isso mesmo: os primeiros 50 anos. Falar no aniversário dessa obra de arte talvez traga um pouco do ranço da idade… e é isso que “The Beatles”, ou “Álbum Branco”, ou “White Album” não representa: apenas uma data.

É o primeiro meio século de um legado musical que ainda será muito discutido e reverenciado.

Entre os fãs do quarteto de Liverpool sempre há aquela pergunta de “qual é o álbum favorito”. E já adianto que ninguém está errado. Há quem prefira a inocência à flor da pele de “Please Please Me” ou “With The Beatles”; outros afirmam que o divisor de águas “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” é definitivo; e mais alguns sugerem o fim da referida inocência em “Rubber Soul” e “Revolver”. Sem esquecer do canto dos cisnes conhecido como “Abbey Road”. Pra quem ainda não sabe, “Let It Be” não é o último registro da banda, pois foi gravado antes da foto dos quatro atravessando a mais famosa faixa de pedestres do planeta.

Lançado em 22 de novembro de 1968, a maioria das canções foi composta durante o período em que os músicos permaneceram em Rishikesh, na Índia, para uma espécie de retiro espiritual. John Lennon chegou a dizer: “Escrevi minhas melhores músicas lá”.

Embora o repertório seja bem extenso, o que dá a ideia de sessões de gravação produtivas, cada vez se tornava maior a tensão entre eles, revelando a individualidade de John, Paul, George e Ringo.

Vale lembrar o contraste da capa do “Álbum Branco” com as cores de “Sgt. Pepper’s” e “Magical Mystery Tour”, os discos anteriores. Agora era apenas uma capa branca, com o nome da banda em relevo, principalmente na versão em vinil.

Mas o que interessa mesmo são as faixas, certo?

Começando com “Back in the U.S.S.R.”, de Paul – e com ele sentado à bateria – e no estilo próximo ao praticado pelos californianos do Beach Boys. Um rock clássico, que emenda na delicadeza de John presente em “Dear Prudence”, que também cuidou de “Glass Onion”, com referências irônicas aos fãs que insistiam na tese de que o verdadeiro Paul havia morrido.

“Ob-La-Di, Ob-La-Da”, música que já foi eleita como a pior da banda, é divertida e com um ritmo impossível de se ignorar. Paul acerta até quando (quase) se equivoca. “Wild Honey Pie”, também de autoria de Paul e gravada apenas por ele, é quase uma vinheta, que prepara terreno para “The Continuing Story Of Bungalow Bill”, de John, uma faixa meio estranha que traz as participações desnecessárias das esposas dele próprio, de George e de Ringo.

E eis o momento de George Harrison brilhar no disco. Com participação do mestre Eric Clapton no soberbo solo de guitarra, “While My Guitar Gently Weeps” é uma das coisas mais lindas que o mais tímido dos Beatles compôs. “Hapiness Is a Warm Gun”, de John, tem letra de duplo sentido e uma melodia de arrepiar.

Abrindo o lado 2 do primeiro LP, “Martha My Dear” é uma homenagem de Paul à sua cachorra. Arranjos mais uma vez inspirados e um falsete sensacional do velho Macca. “I’m So Tired” vem logo depois, um momento de descanso e cansaço imortalizados na voz de John. E chega a vez de “Blackbird”, uma peça – sim, não é apenas uma canção – que só comprova a genialidade de McCartney, que se inspirou em Bach para concebê-la. George volta a aparecer em “Piggies”, com letra bem ácida e um marcante cravo. Em “Rocky Raccoon”, Paul criou algo no estilo do velho oeste americano. Letra criativa e com um sequência final abrilhantada pelos vocais do seu criador.

E Ringo demora, mas aparece. Com “Don’t Pass Me By”, o baterista apresenta sua primeira composição para a banda, com um acento country bem interessante. “Why Don’t We Do It in the Road?” traz Paul repetindo à exaustão o título, em um rock pesado, que contrasta com a sutileza de “I Will”. E é acompanhada à perfeição por “Julia”, uma arrastada e triste homenagem de John à sua mãe.

Pra começar o segundo LP, “Birthday” chega arrebentando tudo. Feita em parceria por John e Paul, traz um riff espetacular, com peso e ritmo incomparáveis. John vem logo depois com “Yer Blues”, que o título entrega, é um blues de fazer chorar. E gritado por John, o que faz ficar mais legal. Paul novamente brinda o ouvinte com a tranquila “Mother Nature’s Son”. É fechar os olhos e ser transportado para o meio da natureza. “Everybody’s Got Something to Hide Except Me and My Monkey” tem a cara do que John viria a compor em sua carreira solo, bem agitada. O contrário do que “Sexy Sadie”, também de John e com referências nada simpáticas ao guru-charlatão Maharishi. Os vocais dele no verso “You made a fool of everyone” até hoje me emocionam.

E é o momento de “Helter Skelter” dar as caras. A ideia de Paul era gravar algo muito barulhento… e ele conseguiu fazer isso sem deixar de entregar uma preciosidade. Há várias discussões se esta é a pioneira do heavy metal. Podem falar o que for, mas pra mim sempre vai ser. Na verdade, quero que ela seja. Pesada e dissonante, mais uma vez eles inovavam. “Long, Long, Long” é uma faixa menor de George, que não chega a empolgar.

E o último lado do último LP começa com “Revolution 1”, que ficou bem diferente de “Revolution”, que saiu como lado b do single de “Hey Jude”. Ainda prefiro a versão do single, mais rock’n’roll. Na sequência, Paul volta a flertar com a sonoridade das músicas de vaudeville na deliciosa “Honey Pie”. George ainda contribui com “Savoy Truffle”, com boas ideias de andamento e arranjos de metais. Quase terminando o álbum, John criou “Cry Baby Cry”, magistral, com rimas e jogo de palavras encantadores. “Revolution 9” é apenas uma colagem das coisas doidas que eles falavam durante as gravações e nem configura uma canção de verdade. Era pra preencher espaço mesmo. Só que, mais uma vez, eles anteciparam a lisergia eletrônica que dominaria a década seguinte.

Por fim, “Good Night”. Emocionante, era o que faltava para os Fab Four: uma canção de ninar. Escrita por John para Julian, seu filho, foi entregue a Ringo que, acompanhado por uma orquestra, interpretou de maneira serena o que a canção pedia.

Ah, antes que eu me esqueça: estou na lista daqueles que veem no “White Album” o melhor disco da melhor banda de todos os tempos.

Atemporal e moderno; coletivo e individual; triste e engraçado; introspectivo e extrovertido; irônico e inocente. O antagonismo está presente há 50 anos e continuará por muito tempo. Se eu pudesse conversar com este disco, usaria os versos de Paul: “Love you forever and forever, Love you with all my heart”.

 

 

Por Daniel de Paiva Cazzoli |  Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV (Wiplash) / Tornado

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