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Quarta-feira, Março 27, 2024

Como transformar uma Marcha em um Movimento

Christiane Brito, em São Paulo
Christiane Brito, em São Paulo
Jornalista, escritora e eterna militante pelos direitos humanos; criou a “Biografia do Idoso” contra o ageísmo.  É adepta do Hip-Hop (Rap) como legítima e uma das mais belas expressões culturais da resistência dos povos.

A “Marcha das Mulheres” contra Trump e pela igualdade de gênero foi o maior ato, em um dia de protesto, da história norte-americana. Reuniu entre 3,3 e 4,6 milhões de pessoas nas ruas.

A estimativa é de dois professores — Jeremy Pressman da Universidade de Connecticut e Erica Chenoweth da Universidade de Denver — que confrontaram os números divulgados na imprensa e em relatórios de comícios de mais de 500 cidades em todo o país.

Com base na extensiva pesquisa, podem afirmar que entre 3,3 e 4,6 milhões de norte-americanos saíram às ruas.
Estimam 750.000 pessoas em Washington, D.C. e Los Angeles; 250.000 em Chicago; 60.000 em Atlanta; 26.000 em Des Moines e 271 em Morris, Minnesota (cidade que tem uma população de apenas 3.000 habitantes).

Não só os manifestantes tomaram as ruas no segundo dia do mandato presidencial de Donald Trump como também tomaram as primeiras páginas da maioria dos jornais, nos Estados Unidos da América e no mundo (que, aliás, reproduziu a marcha em seus territórios).

A Marcha

O gigantesco evento fez “ponte” com outros países, cruzando fronteiras e alinhando protestos/demandas/convicções, mas precisa de muito mais esforço para se constituir como verdadeira “resistência”.

A organização do ato, para dar um exemplo, foi improvisada. Não havia uma palavra de ordem central ou um tema predominante.

Na maioria das cidades, os voluntários que lideraram a massa encontraram-se um ao outro através de mídias sociais ou círculos de amizade. Uniram-se informalmente para obter autorização policial, recrutar músicos e alto-falantes, o que viabilizou a marcha.

Uma organização não-governamental (Common Dreams) mapeou e divulgou o perfil dos manifestantes em Los Angeles: dois terços eram homens (apesar de a marcha ser feminina) e 25% seriam latinos (o que não correspondeu a essa fatia de população local, que é de 48%). Os afro-americanos compareceram em grande número, mas não alcançaram o total de 9% correspondente à sua representação na cidade.

Um dos aspectos mais notáveis da participação popular, segundo o Common Dreams, foi a diversidade geracional. Havia desde idosos em cadeiras de rodas até bebês de berço, mas a grande maioria tinha entre 20 e 40 anos, faixa etária que votou pesadamente em Bernie Sanders nas primárias e, em novembro, apoiou Hillary Clinton. Algumas das pessoas entrevistadas pela ONG declararam que a campanha do Sanders foi sua primeira experiência com o ativismo e a Marcha, no sábado, havia sido sido a primeira participação em um evento político em grande escala.

Apesar do noticiário internacional ter chamado a atenção para a luta da mulher, os manifestantes levavam outras bandeiras, focadas na crescente desigualdade econômica e racial, na violência contra o migrante. Daí surgiram as palavras de ordem:

“Unidos contra o ódio”
“Apatia não é uma opção”
“Queremos pontes e não muros”
“Opiniões não são fatos”

Nenhuma delas parece ter a força magnética de “Ocupar Wall Street” e, mesmo que uma delas tivesse, sabe-se que um slogan poderoso pode mudar narrativas — como a mobilização de Wall Street mudou — mas não muda realidades.

Wall Street continua no centro do poder político norte-americano e a prova maior desse fato é a eleição de um presidente praticamente “apolítico”, sonegador orgulhoso de impostos, racista e perseguidor assumido de migrantes.

Os manifestantes da Marcha das Mulheres demonstraram satisfação com o ato, declararam que isso é democracia. Equivocaram-se. Democracia não é apenas população mobilizada, mas “organização e estratégia”, o que demanda maior envolvimento e mais trabalho de bastidor. Os participantes da Marcha, ainda segundo a Common Dreams, disseram que se informavam, politicamente, no Facebook; nenhum deles militava de fato.

Sindicatos

Os sindicatos, que tradicionalmente organizavam as campanhas do Partido Democrata, estão em declínio. A Marcha das Mulheres em Detroit, reduto sindical, atraiu apenas 4 mil pessoas, o que ajuda a explicar por que Hillary Clinton perdeu Michigan em novembro.

Alguns especialistas acreditam que o declínio nas afiliações organizacionais dos norte-americanos não é um problema sério, porque a internet e mídias sociais têm criado novas maneiras de recrutar pessoas para a ação política. A enorme afluência às urnas nas cidades com grande número de jovens universitários — 175.000 em Boston, 100.000 em Madison, 50.000 em Austin, 11.000 em Ann Arbor, 10.000 em Eugene, Oregon e 2.500 em Charlottesville, Virginia — refletiria o poder desta tecnologia.

Com certeza, as redes sociais recrutam para ações na rua, mas não formam consciência crítica. Nesse sentido, os negros, que nunca abandonaram a mobilização e que influenciam cada vez mais fortemente com a sua arte (música e literatura, principalmente), podem se tornar os grandes agentes da resistência contra Trump nos Estados Unidos da América.

King e os movimentos sociais

Igrejas e instituições de ensino voltadas para os negros formaram a espinha dorsal dos movimentos populares que reivindicaram direitos civis, notadamente no final da década de 1960, quando brancos, negros, pobres e intelectuais se uniram, inclusive, contra a Guerra no Vietnã (que vitimava principalmente os soldados pobres e negros).

Apesar do assassinato de muitos líderes, como Martin Luther King, a luta foi bem-sucedida. A segregação racial foi abolida (ainda que o racismo persista), a guerra no Vietnã acabou e as organizações terroristas que assassinavam os negros impunemente foram intimidadas pela lei e pela sociedade (embora ainda existam e atuem).

A autora escreve em português do Brasil

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