Diário
Director

Independente
João de Sousa

Terça-feira, Setembro 17, 2024

Um novo paradigma de governação

Carlos Narciso
Carlos Narciso
Jornalista

António Costa novo paradigma de governação a esquerda

Portugal vive em contraciclo, graças ao atrevimento político do actual primeiro-ministro e à tomada de consciência das esquerdas partidárias de que a alternativa seria aquilo que está a acontecer no resto da Europa e no Mundo. Com a globalização em estertor e os governos de esquerda a serem substituídos, paulatinamente, por governos da direita populista em quase todo o Mundo, seria socialmente interessante se, em Portugal, o governo se dedicasse a regular a actividade económica sob a perspectiva de quem trabalha. Acredito que está aqui a chave para o PS cimentar a liderança política e sustentar um governo de esquerda.

Até aqui, basicamente os governos têm criado atractivos para o investimento estrangeiro, isenções fiscais para empresas, privatizações dos monopólios do Estado, apoios públicos a alguns sectores da actividade privada, perdões de dívidas à Segurança Social, isto só para mencionar algumas das medidas mais utilizadas em benefício das empresas e grupos económicos. O resultado não é famoso: o desemprego é alto, o investimento privado é baixo, a evasão fiscal é notória. A ingratidão do capital privado é uma evidência.

Sendo assim, talvez fosse aconselhável mudar o paradigma da acção governamental e olhar mais para a produção agrícola, para a indústria exportadora, para a investigação tecnológica, para os serviços, incentivando a criação de pequenas empresas nacionais capazes de produzir de modo a substituir importações e a satisfazer o mercado nacional. Com a introdução de novas tecnologias é hoje possível produzir a custos competitivos sem necessidade de o fazer em grande escala.

Tensões sociais

Hoje, as tensões sociais provocadas pela desregulação persistente da actividade económica têm origem nas multinacionais e grupos económicos que tentam nivelar por baixo os rendimentos dos trabalhadores, ao mesmo tempo que se livram das maçadas de terem de pagar impostos. Essa é a razão de surgirem, ciclicamente, campanhas de difamação em determinadas áreas profissionais, onde se tentam denegrir os trabalhadores e colocar neles todo o ónus dos conflitos laborais. Foi assim com os estivadores, foi assim com os professores, foi assim com os taxistas agora mais recentemente. Estas campanhas negras surgiram sempre a par de tentativas de desregulação do trabalho sob o pretexto de aumentar a capacidade concorrencial das empresas ou de uma hipotética inovação tecnológica.

Com os media sob controlo absoluto dos interesses empresariais e políticos, a população acredita que os taxistas são uns brutos malcheirosos e que só a UBER cheira a rosas, que os estivadores não têm que ter direitos laborais, que os professores do ensino público são dispensáveis e podem emigrar. Em simultâneo, insinuam-se no mercado novos prestadores de serviço que não pagam salários, apenas comissões ou que contratam outsourcings, evitando tanto quanto possível vínculos quer com trabalhadores quer com obrigações fiscais.

O caso da UBER é paradigmático: a empresa apenas disponibiliza uma plataforma electrónica que serve de interface entre o motorista e o cliente, dispensando-se de qualquer responsabilidade civil pelo serviço prestado. Não paga seguros, não paga salários, não se responsabiliza por nada, não aceita reclamações. Depois disto, nada impede que o mesmo esquema passe a ser seguido noutras áreas de actividade profissional, seja elas quais forem, da medicina à reparação de meias-solas. O trabalhador é uma espécie em vias de extinção, dizimado pelo prestador de serviços ou empreendedor, chamem-lhe o que quiserem… mas vai ser a loucura, a selvajaria absoluta nas relações laborais. É para este “paraíso” capitalista que nos andam a guiar e quando lá chegarmos todos seremos “empreendedores”, que é como quem diz vendedores ambulantes, biscateiros, eventuais e, evidentemente, proscritos fiscais. É este caminho que temos de arrepiar.

A geringonça política que nos governa tem, portanto, uma oportunidade de ouro para fazer História, para ser exemplo e farol dos partidos de esquerda em todo o Mundo. Não sabemos se as ambições de António Costa voam assim tão alto, mas este pode ser o momento.

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -
76748 76128 45638 45639