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João de Sousa

Segunda-feira, Março 18, 2024

Viver no passado

Há pessoas que vivem – literalmente – no e do passado. As recordações que guardam dentro de si, boas ou más, acompanham-nas de tal modo que o presente é como se não existisse e o futuro inatingível.

Guardam as fotografias de quando eram jovens como se de relíquias se tratassem, e são mostradas e passadas de mão em mão, para que todos vejam o quão era bela, e todos, com maior ou menor sinceridade afirmam que na verdade era bela mesmo, incomparável seja com quem for, uma beldade só vista. No seu tempo ela era a mais pretendida, a que mais paixões despertava, a mais invejada, aquela por quem todos suspiravam e todos desejavam. Só por isso já a faz viver nesse tempo, período áureo da sua vida, como se mais vida não tivesse existido e mais vida não tivesse vivido. Fala desse tempo passado como se ele em nada tivesse mudado, e com o coração de uma adolescente, (re)vive-o como se ele tivesse parado no tempo. Dá-me sempre pena essas pessoas que vivem da beleza que muitas delas apenas julgavam possuir, e de um tempo que já passou, para muitas delas há muito, e esquecidas de viver, pararam no tempo. Não há brilho no olhar, não há esperança de uma vida, de, quem sabe, encontrar um amor, de acreditar que coisas boas podem ainda acontecer, e elas lá, paradas naquele tempo só delas e que teimam dele não sair.

Já envelhecidas pelo passar do tempo, quando se deparam com algum dos seus antigos namorados ou pretendentes, se comparadas, sempre se acham em muito melhor forma, com aspeto mais jovem, incapazes de ver que a vida passou por ambos, e o tempo, implacável, acabou fazendo estragos num e noutro. Neles, é a proeminente barriga, o cabelo ralo ou praticamente nenhum, um tanto caídos, as mazelas que já se vão refletindo no corpo. Nelas, são as rugas, é a gordura em sítios que outrora inexistiam, os cabelos brancos, a esbeltez e a elegância que agora fazem mossa e não mais existem. Se se tivesse cuidado, vivendo o presente e pensando no futuro, com mais lucidez, haveria de ter envelhecido diferente. As rugas não se teriam acentuado, a gordura não se teria instalado, e os cabelos brancos estariam cobertos de uma cor muito semelhante à sua.

Sobretudo se não tivesse vivido no tal do passado, haveria de encontrar a alegria, que julgou perdida no tempo, e tê-la-ia vivido com a mesma intensidade, mesmo que de diferentes formas e diferentes feições. Interroga-se se ainda vai a tempo de a recuperar, pese embora todo o tempo desperdiçado. E algo lhe diz que sim, que sempre se vai a tempo de se ser feliz.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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