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João de Sousa

Domingo, Abril 28, 2024

Subfinanciamento do Ensino Superior

João de Sousa
João de Sousa
Jornalista, Director do Jornal Tornado

Reitoria da Universidade de Lisboa

Publicamos na integra um documento posto a circular nos meios universitários da autoria de Gonçalo Leite Velho – presidente da direcção do SNESup (Sindicato Nacional do Ensino Superior).

Recordei-me das imagens de Araki Nobuyoshi ao tomar contacto com as propostas do governo para o Orçamento de Estado de 2017 para o Ensino Superior. Trata-se de um orçamento violento na sua proposta de investigadores em “qualquer vínculo”, que amarra as instituições (e com isso todo o sistema) ao subfinanciamento e que no fundo transmite uma mensagem: esquecer o financiamento público ao ensino superior e ciência públicos. Em termos geoestratégicos, a sobrevivência do Ensino Superior e Ciência em Portugal depende dos outros. Uma sanção e reduz-se a nada.

Recentemente, foi publicado pela OCDE o relatório Education at a Glance, que traça um quadro verdadeiramente negro. Temos o pior registo de toda os países da organização em matéria de investimento público no ensino superior excluído o investimento em I&D (0,8% da despesa pública). É esclarecedor e confrangedor. Possuímos um subfinanciamento crónico, baseado em erros políticos passados, que se repetem no presente. Para que se possa ter uma relação de escala, a média da OCDE é 2,3% e a da União Europeia 1,9%, sendo que aqui ao lado em Espanha o valor é de 1,5% (valores do antepenúltimo lugar, mas que significam quase o dobro do nosso investimento).

Nada disto tem a ver com número de alunos, ou demografia. Se analisarmos o investimento por aluno a realidade é igualmente confrangedora, 22º lugar, mantendo-nos na parte de baixo da tabela. Quando daqui a dois anos se comparar 2010 e 2015, vamos verificar o corte de 30% ao financiamento das instituições.

O Ensino Superior público foi atirado para um subfinanciamento crónico. Perante este recuo do investimento do Estado, preponderaram as taxas através das propinas. Portugal é o país da Europa em que as famílias mais têm de contribuir diretamente para o ensino superior. A propina é uma das taxas de maior retorno ao Estado, representando 32% do financiamento do Ensino Superior. Trata-se de um peso que recai no orçamento familiar que não tem paralelo na União Europeia. Na muito liberal Holanda o valor é de 15,9%, ou seja, metade do nosso. É inconcebível o peso sobre as famílias num país marcado profundamente pelas desigualdades como o nosso.

A maioria dos reitores e presidentes dos politécnicos amarraram-se ao fundo num contrato para a legislatura em que se consagra permanentemente este sub-orçamento. Para a comunidade é a verificação da sua incapacidade política. É a indigência que resulta dos desequilíbrios institucionais que promovem a falta de contraditório.

Entretanto, num momento de campanha para os Conselhos Gerais de diversas universidades (as coincidências não são por acaso), anuncia-se a abertura de 520 concursos, 200 dos quais para início da carreira. É um valor que não permite sequer compensar as saídas por reforma. Existem mais de 2.000 docentes com idade superior a 60 anos só no universitário (e a idade média dos docentes contínua a aumentar). São também concursos que se mantêm muito aquém da ordem de milhares necessária para alcançar os rácios estabelecidos para os lugares de associado e catedrático. Mais, em média e por ano saem 1.400 docentes do sistema.

O sentimento geral é a de que o mérito não conta. Os docentes que obtêm sucesso prova académica mais difícil (agregação) não vêm reconhecido o seu valor. Há cada vez mais situações de docentes a receberem vencimentos na categoria inferior.  Não há retribuição pelo desempenho, mesmo que excelente.

A iniciação à carreira académica possui laivos de sadismo. A medida emblemática de contratação de 2.000 “jovens” doutorados para “reforçar o emprego científico” e “facilitar a entrada nas carreiras” demonstra as suas falácias. Os atrasos na concretização do diploma engrossam os indicadores do ano seguinte. Ninguém o implementa (nem a própria FCT). Reina a confusão e reproduzem-se os esclarecimentos. Mas, sobretudo, não se introduzem investigadores nas carreiras. Convertem-se bolsas em contratos precários a prazo, ou a termo incerto, procurando-se implementar contratos individuais ao abrigo do Código do Trabalho. Recorde-se: um governo de esquerda assente num acordo contra a precariedade.

O texto acima foi originalmente publicado como artigo de opinião no jornal Público.

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