Diário
Director

Independente
João de Sousa

Sexta-feira, Setembro 13, 2024

“A língua portuguesa como bandeira económica”

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

“Os dentes não devem brigar com a língua.”

Provérbio africano

Para reflectirmos sobre a temática proposta, propomo-nos convocar Confúcio que disse:

“O sábio ama todos os homens e não tem parcialidade por ninguém. O homem comum é parcial e não ama todos os homens”.

Convocamos ainda e igualmente Heraclito que disse:

“Para falar com inteligência é preciso tirar partido do que é universal, tal como a cidade se apoia sobre a lei, e ainda com mais energia”.

Finalmente , por considerar não menos importante, partilho a singela reflexão de Jacob Boehme que disse: “Há flores de todas as espécies que na terra crescem e são vizinhas. Entre elas não há disputas a propósito das cores, do aroma e do gosto. Deixam que sobre elas livremente actuem o sol, a chuva, o vento, o calor, o frio. E cada uma cresce consoante a sua essência e consoante as qualidades que lhe são próprias”.

Que lições tiramos daqui? Será que aprendemos com a história? Será que aprendemos com os erros que cometemos? Isto é má gestão da língua, não é? Será que interpretamos mal o mundo?

Quando neste momento se vive na República de Moçambique a tensão político-militar e escutamos vozes que atiçam o ódio e o clima belicista, também é má gestão da língua, certo? Há irresponsabilidade ou não?

A linguagem mais económica é a linguagem da reconciliação, a linguagem conciliadora que nos consegue congregar na diferença. E é disso que esta jovem nação de 43 anos precisa, de vozes de paz que nos poupem ao sofrimento.

Obviamente, é preciso que se crie uma grande corrente de opinião, com visibilidade que pressione ambas as partes para o compromisso, um compromisso sério, para o respeito recíproco, para a reconciliação e a paz, tão necessários ao verdadeiro desenvolvimento, um desenvolvimento sustentável.

Na diáspora, nós temos vivido tempos complicados, pois quando criticamos a Frelimo por actos considerados negativos para a democracia (abuso de poder, fraudes e assassinatos não esclarecidos), somos considerados da Renamo, da oposição e anti-patriotas e quando criticamos a Renamo ou genericamente a oposição por acções ou actos negativos para a democracia, somos acusados de sermos da Frelimo.

Por outro lado, relativamente ao uso comum da língua portuguesa, nunca será demais recordarmos um antigo ministro moçambicano da cooperação internacional, exímio diplomata, que embora destacando as virtudes e vantagens de falarmos a mesma língua porque nos entendemos facilmente, não se esqueceu de nos alertar que também mais facilmente nos insultamos. Sem dúvida relevante este reparo, basta que olhemos o que se passa no Brasil actual e estejamos atentos ao que dizem e como o fazem alguns fazedores de opinião da televisão e jornais do espaço linguístico comum.

Outro aspecto importante que gostaríamos de referir como de impacto negativo, é a frequência com que muitos dirigentes da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), com Portugal à cabeça (Durão Barroso, Cavaco Silva, António Guterres, Jorge Sampaio, Passos Coelho, António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa, António Vitorino, entre outros) se exibem com os seus dotes de poliglotas nos grandes forúns internacionais, desvalorizando assim a língua portuguesa, de que tanto se gabam internamente. Isso é também má gestão linguística. Se falassem português, isso implicaria a contratação de tradutores bilingues e mais formação na língua portuguesa, não é? Isso contribuiria para uma maior taxa de empregabilidade em Portugal e na comunidade, certo?

Na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) precisamos do uso permanente de uma linguagem congregadora e motivadora. Teremos de nos sentir mais comunidade e mais povos irmãos.

Por isso, recordamos o presidente Samora Moisés Machel, o “saudoso” e malogrado primeiro presidente da então República Popular de Moçambique que quase obrigava os dignitários estrangeiros a aprenderem a língua portuguesa, pois falava nessa língua quando os recebia. Não tenho dúvidas em afirmar que foi ele e o seu governo que mais fizeram pela língua portuguesa em Moçambique, em África e talvez no mundo.

No actual estágio, é indiscutível que seria vantajoso que a língua portuguesa pudesse ser objecto de um maior investimento a par com outras línguas nacionais moçambicanas. E a alfabetização nacional deveria ser sempre bilingue. Seria um investimento com retorno, portanto mais económico.

Nesse sentido, a instabilidade político-militar e a incerteza instaladas ainda persistente em Moçambique, a debilidade relativa em termos de infraestruturas básicas e fundamentais e a inexistência de estatísticas fiáveis com utilidade prática, o fraco investimento nas línguas nacionais, para além da língua portuguesa (língua oficial e de unidade nacional), podem agravar o atraso do país no quadro da União Africana (UA) e no âmbito global, especialmente, tendo em conta o quadro da actual crise económica e social internacional.

Só será possível falar de desenvolvimento em Moçambique, e mesmo em África, dos ambiciosos objectivos do milénio e dos objectivos do NEPAD, quando estiver devidamente consolidado o pressuposto da estabilidade político-militar, a paz definitiva e a segurança, a integração e o desenvolvimento, a ampla partilha de valores e recursos e o reforço da capacidade institucional e sua credibilização.

São, do nosso ponto de vista, estes os eixos do plano estratégico de desenvolvimento de Moçambique e de África em geral que coincidem com a estratégia definida, que obrigam e responsabilizam os países a pautar as suas acções com essas linhas de orientação.

Por outro lado, pensamos ser urgente repensarmos a refundação e a implementação de códigos de ética, assim como a definição de novos papéis para o estado moçambicano, principalmente quanto à procura de um equilíbrio adequado entre direitos políticos e cívicos e direitos económicos, sociais e culturais.

O regime político actual, numa concertação e compromisso nacionalista conjunto envolvendo todas as forças políticas, tem de se demarcar definitivamente dos modelos de “ditadura” das elites partidárias.

Não temos dúvidas que o liberalismo nunca poderá sobreviver sem alterar de alto a baixo o seu paradigma económico e as relações promiscuas que promove entre política e economia e que mexem e remexem com todas as outras áreas, incluindo a prática ou ausência da liberdade de consciência, de opinião e de expressão. Exige-se a mudança de paradigma!
Só assim poderemos almejar uma mudança real.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante  subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -