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Domingo, Setembro 15, 2024

Acordo de cooperação entre os Emiratos Árabes Unidos e Israel

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

O acordo de paz e cooperação entre os Emiratos Árabes Unidos e Israel é um passo histórico para a paz, liberdade e progresso na Ásia Ocidental, mas necessita de ser acompanhado no Ocidente por uma compreensão do mundo árabe e da sua dinâmica

  1. A afirmação de Israel

O nacionalismo moderno que surgiu no século XVIII pode ter sido literariamente romântico mas foi na maioria dos casos politicamente intolerante e xenófobo e correspondeu a um significativo aumento da perseguição étnica e religiosa.

Não é que esse nacionalismo tenha direitos de autor nesta matéria, basta olharmos para as guerras de religião que em França regularmente levaram a massacres, séculos a fio, ou na perseguição religiosa na Península Ibérica, para disso nos apercebermos, mas a verdade é que, por quase toda a Europa – especialmente a Leste – se desenvolveu a partir dessa época uma perseguição a minorias que teve nos pogrom antijudaicos dos finais do século passado o seu ponto alto, e que o nacionalismo teve aí um peso dominante.

Data também da mesma época o desenvolvimento do movimento sionista que preconiza o retorno dos judeus às terras de Israel – de onde tinham sido perseguidos, massacrados e ou expulsos várias vezes, as mais célebres das quais pelo Império Romano – entre outras coisas para possibilitar a sua sobrevivência.

Na altura em que o projecto sionista se forma, Jerusalém e a região envolvente era das mais atrasadas e despovoadas da Síria, estimando-se que a cidade contasse com oito mil habitantes, para além de judeus, também cristãos de várias e muçulmanos de várias proveniências.

O movimento sionista vai traduzir-se num progressivo aumento da população não só judaica, mas de outras etnias e confissões de outras partes do Império turco, atraídos pelo desenvolvimento trazido pela emigração judaica, que se vai revelar tão ou mais empreendedora que nas terras de onde tinha emigrado.

Com a primeira guerra mundial, desfaz-se o Império turco e assiste-se a uma recrudescência do movimento nacionalista, como por exemplo de populações cristãs de várias etnias (que irá resultar na criação do Líbano, mas esmagada em sangue em Nínive no Iraque) ou das populações curdas, enquanto várias minorias tentam sobreviver pela integração e, a maioria (mais linguística e religiosa do que étnica) árabe vai dar origem a outro movimento nacionalista.

Os choques de nacionalismos na Ásia Ocidental no século XX têm naturalmente as suas particularidades, mas não são essencialmente diversos dos que se vão observar um pouco por todo o planeta, mais no século XIX na Europa, mais em África na segunda metade do século XX.

Na Síria, formou-se a Jordânia, e o Líbano, sendo que a Jordânia virá a ser cindida de novo em Transjordânia e Palestina (a Ocidente do Jordão), esta última vindo a ser cindida de novo em Palestina e Israel.

Da mesma forma que o nacionalismo turco esmagou de forma impiedosa minorias como a arménia e a curda, o nacionalismo árabe irá tentar fazer o mesmo com a pequena minoria judaica (como o fez, com assírios, curdos, ou quaisquer outra minoria que se arrogasse a reclamar a identidade) nos minúsculos territórios que lhe tinham sido atribuídos.

Israel – que qualquer análise objectiva e desapaixonada terá necessariamente de considerar como um dos mais ou mesmo o mais bem-sucedido, mais tolerante, democrático e progressista dos nacionalismos contemporâneos – vai conseguir escapar à regra do esmagamento e, contra todos os cálculos e previsões, afirmar-se como um dos mais bem-sucedidos países do mundo.

  1. O colapso do nacionalismo árabe e o desafio da modernidade

A manipulação do nacionalismo árabe tem sido uma constante da sua história, como tem sido frequente com vários movimentos nacionalistas. Se na primeira guerra mundial, são os aliados que utilizam a carta do nacionalismo árabe contra o império turco, e os alemães manipulam o nacionalismo turco e o Islão indistintamente contra os judeus da Síria, nos anos trinta, Hitler torna-se o seu principal patrono, apontando baterias não só contra os imperialismos aliados mas também contra a minoria judaica a que ele pretende eliminar dentro de portas, fechando também a porta de saída de Israel para que a sua solução final seja completa.

Se nada há que se possa comparar à solução final de Hitler pela sua desumanidade, extensão e horror, manda a verdade dizer que o racismo antissemita, mesmo que de forma menos virulenta, prolifera também no Ocidente, mesmo nos EUA. Só assim se compreende a continuada indiferença perante o holocausto e a forma como a generalidade do Ocidente se recusou a dar asilo aos que fugiam do holocausto (dificultando mesmo a sua fuga para o mandato britânico na parte Síria sob o seu controlo).

A União Soviética – apesar do virulento antissemitismo que acompanhou a decapitação por Estaline dos bolcheviques primeiro e da celebração do pacto germano-soviético depois – mais em função do xadrez político do que como resultado do apoio ao nacionalismo progressista judaico – acabou por ser o principal apoio de Israel. Israel dificilmente teria conseguido sobreviver à tentativa de aniquilamento árabe levada a cabo em 1948 sem o apoio soviético.

O sucesso de Israel, a par do poderoso movimento americano dos direitos cívicos que condena o racismo e defende, entre outros, os judeus, vai levar a que os EUA se tornem nos principais aliados de Israel, ao mesmo tempo que a União Soviética, por razões várias, se vai tornar no principal patrono de todos os nacionalismos que possam ser manipulados contra o Ocidente, a começar pelo nacionalismo árabe.

O nacionalismo árabe vai encontrar no petróleo um formidável motor económico e no Islão um importante complemento ideológico, de uma forma particularmente obsessiva e negativa, centrando no pequeno Estado de Israel todo o seu ódio.

O antissemitismo compulsivo no Ocidente, e nomeadamente na Europa, vai ver nesse movimento nacionalista árabe uma forma ideal para exprimir o seu racismo não só prestando apoio mas fundamentalmente distorcendo de forma sistemática e brutal a realidade, produzindo desinformação em massa e entregando-se a uma permanente diabolização do Estado de Israel, seguindo aqui os passos da propaganda de Hitler.

No interior do mundo árabe, aqueles que habitam os territórios a Ocidente do Jordão, e que vão ser apelidados de ‘palestinianos’, são duplamente manipulados, não só pelo antissemitismo global mas também pelos vários regimes autocráticos árabes que os utilizam como carne para canhão.

O nacionalismo árabe vai implodir por razões internas mas também por razões externas, na medida em que o Islão lhe vai escapar ao controlo e se vai tornar cada vez mais um instrumentos de novas potências imperiais que o procuram utilizar para dominar o mundo árabe, e isto é assim com o Irão primeiro como com a Turquia mais recentemente.

Para lá do mundo árabe magrebino – o mais excêntrico e o menos árabe de todos – a Líbia desfez-se, e está militarmente ocupada pelo imperialismo turco por um lado e dependente de uma heteróclita coligação pelo outro. O Egipto, o maior dos países árabes, tenta erguer-se como líder da resistência aos imperialismos iraniano e turco, enquanto o Líbano, Síria, Iraque e Iémen estão sob o domínio dos corpos expedicionários do islamo-fascismo iraniano.

Entre todos os países árabes, aquele que de longe é o mais liberal, ou seja, que apesar de não ser submetido a regras democráticas, mais respeita o indivíduo, é os Emiratos Árabes Unidos. Em toda a região é o país mais avançado económica, social e politicamente e tem também tentado enfrentar a ideologia islamo-fascista professada em versões diversas pela teocracia iraniana e pela Irmandade Muçulmana.

Posto isto, não há que ter demasiadas ilusões quanto à capacidade dos Emiratos de fazer face ao fascismo por eles mesmos, e isso tem sido óbvio na sua diplomacia dos últimos anos onde se têm repetido os recuos e os gestos de apaziguamento. Os Emiratos, dispondo de uma estrutura descentralizada, continuam essencialmente a ser governados numa lógica de despotismo iluminado, que pode cair a qualquer momento.

O Egipto, líder natural do mundo árabe, é o país onde a elite militar que o domina melhor entende o perigo que representa o expansionismo islamo-fascista, mas essa elite tem-se mostrado incapaz de levar a cabo a necessária democratização e liberalização do regime, e aqui com Sisi, provavelmente ainda menos do que com Mubarak.

  1. A ameaça totalitária sobre o mundo árabe

Cada vez mais o mundo árabe entende que deixou de controlar o Islão com que se expandiu e que é o totalitarismo que fala em seu nome que ameaça submeter o mundo árabe ao seu controlo.

Isso é particularmente óbvio com o Irão, a mais agressiva e expansionista das potências mundiais, que mantém um exército de pregadores fanáticos e terroristas um pouco por todo o mundo, mas especialmente no mundo árabe.

A conclusão do acordo de paz e cooperação dos Emiratos com Israel foi simultâneo à tomada de posição do país – e aqui acompanhado de todos os seus vizinhos do Golfo – solicitando às Nações Unidas para estender o embargo de armas à República Islâmica do Irão, pedido que foi recusado por umas Nações Unidas cada vez mais longe dos valores com os quais a organização se formou.

Na verdade, o mundo árabe, de forma diversa, mesmo quando não tem coragem para o assumir, entende que a destruição de Israel declarada como objectivo central pelo Irão e pela Turquia, e propiciado tanto pelas potências totalitárias como pelo apaziguamento ocidental, não pretende apenas destruir a nação judaica, mas também submeter o mundo árabe ao seu jugo: o caminho para o Cairo passa por Jerusalém!

A situação evoluiu de tal forma que o centro da guerra ideológica contra o fascismo deixou de se centrar no mundo árabe, mas no Ocidente: o fascismo antissemita é tanto ou mais acarinhado no Ocidente quanto o é no mundo árabe.

E também por isso, o acordo de paz e cooperação entre os Emiratos Árabes Unidos e Israel é um passo histórico para a paz, liberdade e progresso na Ásia Ocidental, mas necessita de ser acompanhado no Ocidente por uma compreensão do mundo árabe e da sua dinâmica, não o confundindo com as ideologias islamo-fascistas que não o representam mas que querem antes manipulá-lo para os seus fins imperiais.


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