Cabe a nós defendermos o acesso ao livro e defender, a cada dia mais, sua democratização.
Livrarias, sebos e editoras do País têm sofrido nos últimos anos. Além pouco acesso à leitura e da falta de hábito de ler da sociedade brasileira, nosso mercado editorial – o mais bem avaliado e expandido da América do Sul – enfrenta os efeitos da crise econômica e da pandemia de Covid-19. Lojas importantes que conhecíamos há anos fecharam as portas. Grandes livrarias também ameaçam fechar.
Para sobreviver, o mercado editorial tenta até cobrar apoio de diversos escritores que têm o sonho de publicar seus livros. Se esses escritores ajudarem com uma quantia considerável, as editoras talvez possam vender seus livros a um preço mais justo, pagar seus funcionários, arcar com as despesas e ter lucro.
Como escritor, entendo que, antes da crise, algumas editoras podiam correr mais o risco de publicar livros com potencial de mercado, sem cobrar nada do escritor. Tais livros podiam ser bem vendidos, ajudando a editora a ter o retorno necessário. Mas, com a crise, isto não é mais uma realidade. As editoras, cada vez mais, exigem que o escritor ao menos pague por uma quantidade considerável de exemplares para o lançamento de um livro.
Como se não bastasse esse contexto de crise, o governo Jair Bolsonaro quer destruir uma conquista que remonta à Constituição de 1946 e cobrar impostos sobre o livro. A isenção, fruto de uma emenda do então deputado Jorge Amado, do Partido Comunista do Brasil, ajudou a tornar o acesso aos livros mais amplo e popular, consolidando seu reconhecimento no País como um bem cultural, artístico e intelectual.
A reforma tributária do ministro Paulo Guedes (Economia) quer ir contra os 74 anos dessa proteção constitucional. Sua proposta é cobrar até 12% na venda dos livros, encarecendo-os ainda mais e agravando a crise do mercado editorial. Ao justificar o imposto, Guedes deu a entender de que o livro não é um bem para todos – mas para uma pequena elite.
A visão do ministro lembra muito A Cidade das Letras (La Ciudad Letrada), do uruguaio Angel Rama (1926–1983). Na trama, as obras intelectuais são bens de uma pequena elite dominante, que assim justificam suas ações junto à população e a organização social estabelecida. Mas a ciudad ordenada só podia existir se a ciudad letrada realizar suas ações na ciudad real (das massas). É como no Brasil do século 19, em que apenas os latifundiários e seus filhos podiam ter acesso ao estudo, viajando à Europa.
Guedes, em seu discurso, apenas reafirmou o fato de que a oferta de bens intelectuais é algo para uma pequena parcela da sociedade – a grande parcela deve apenas segui-la. Ignorando a Constituição e seguindo fielmente a análise que Angel Rama faz das cidades, o ministro pode tornar o acesso à leitura um bem escasso e para poucos, além de pôr em xeque o futuro do mercado editorial.
Cabe a nós defendermos o acesso ao livro e defender, a cada dia mais, sua democratização, como um bem para todos, indo contra essa medida segregadora e elitista.
por Danilo Catalano, Cientista social, escritor e membro associado colaborador do Centro Latino-Americano de Estudos em Cultura | Texto original em português do Brasil
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