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Terça-feira, Março 19, 2024

Afeganistão possui vasta riqueza mineral, mas desafios para explorá-la

Estudos sugerem que o Afeganistão poderia estar entre os cinco maiores países em reservas de cobre do mundo, um dos dez em ferro, mas com condições difíceis de extração.

por Scott L. Montgomery, em The Conversation | Tradução de Cezar Xavier

O fim oficial da guerra liderada pelos EUA no Afeganistão deixa uma série de questões de longo prazo, incluindo como o país pode construir uma economia funcional. Agora que a presença dos EUA evaporou e a ajuda internacional está praticamente desativada, que opções o Afeganistão tem?

Uma possibilidade reside nos recursos naturais. O Afeganistão possui uma riqueza de minerais não combustíveis, cujo valor foi estimado em mais de US$ 1 trilhão. Por milênios, o país foi conhecido por suas pedras preciosas – rubis, esmeraldas, turmalinas e lápis-lazúli. Esses minerais continuam a ser extraídos localmente, tanto legalmente quanto ilegalmente, na maioria das pequenas minas artesanais. Muito mais valor, no entanto, está nas dotações de ferro, cobre, lítio, elementos de terras raras, cobalto, bauxita, mercúrio, urânio e cromo.

Embora a abundância total de minerais seja certamente vasta, a compreensão científica desses recursos ainda está em um estágio exploratório. Mesmo com uma melhor compreensão de como sua extração pode ser compensadora, a presença desses recursos não proporcionará um salto para uma nova economia. Como geólogo que estudou a extensão de seus recursos, estimo que um mínimo de sete a dez anos serão necessários para que a mineração em grande escala se torne uma nova e importante fonte de receita.

USGS segue os soviéticos

Geólogos britânicos e alemães conduziram as primeiras pesquisas modernas dos minerais do Afeganistão no século 19 e no início do século 20. Mas foram os soviéticos nas décadas de 1960 e 1970 que realizaram o trabalho exploratório mais sistemático em todo o país, produzindo um grande corpo de informações detalhadas que serviram de base para estudos mais recentes.

De 2004 a 2011, o US Geological Survey conduziu uma análise detalhada dos dados disponíveis, adicionando novas informações de seu próprio levantamento aéreo, verificações de campo limitadas e do Afghanistan Geological Survey. Este trabalho identificou melhor os sítios minerais, sua riqueza e abundância.

Ninguém que examine este trabalho, como eu, pode ignorar o esforço exploratório em grande escala dos cientistas soviéticos. Mapeamento de campo detalhado e amostragem massiva, incluindo dezenas de milhares de metros de perfuração de poços e análises de laboratório foram realizados. Dado o tempo e o dinheiro investidos, parecia que planos de alto nível estavam em andamento para desenvolver os minerais do Afeganistão assim que o país estivesse sob a influência soviética.

Baseando-se principalmente nessas informações, o USGS delineou 24 áreas no país e estimou sua abundância mineral. Pacotes de dados foram preparados em todas as 24 áreas para as empresas usarem como base para fazer propostas para explorar quaisquer recursos.

As empresas chinesas e indianas expressaram grande interesse e as concessões reais foram feitas. As discussões sobre os termos do contrato e as preocupações com a segurança, no entanto, paralisaram as atividades desde o final dos anos 2010.

Abundância mineral

Quanta abundância mineral o Afeganistão realmente possui? Tentarei responder a isso com um breve resumo das estimativas do USGS para metais de interesse especial: cobre, ferro, lítio e metais de terras raras. Geocientistas que fizeram parte do esforço do USGS notaram que seus números são “conservadores”, mas também “preliminares”.

Independentemente disso, é seguro dizer que os recursos no total são enormes. Os recursos totais de cobre para todos os depósitos conhecidos somam cerca de 57,7 milhões de toneladas métricas. A preços atuais, o valor do recurso é de US$ 516 bilhões. Esses são recursos “não descobertos” – identificados, mas não totalmente explorados e avaliados. Se um estudo mais aprofundado fosse julgá-los recuperáveis ​​com lucro, eles classificariam o Afeganistão entre os cinco maiores países em reservas de cobre do mundo.

Um mapa de recursos minerais publicado pelo United States Geological Survey em 2007. United States Geological Survey

O maior depósito de cobre, que também contém quantidades significativas de cobalto, é o corpo de minério de Aynak, localizado a cerca de 18 milhas (30 quilômetros) a sudeste de Cabul. Depois que a União Soviética ocupou o Afeganistão em 1979, os soviéticos começaram a desenvolver a mina, mas ela foi suspensa em 1989 após a retirada soviética do país. A porção de alto teor do depósito total da Aynak é estimada em 11,3 milhões de toneladas métricas de cobre, no valor de $102 bilhões a preços de mercado atuais.

O Afeganistão também possui recursos de minério de ferro de classe mundial, concentrados no depósito Haji Gak da província de Bamiyan. Haji Gak tem uma estimativa de 2.100 milhões de toneladas métricas de minério de alto teor que é 61% -69% de ferro por peso. Nos níveis de preço atuais, isso representa um valor de US$ 336,8 bilhões, colocando o Afeganistão entre as dez maiores nações do mundo em ferro extraível.

Os recursos de lítio na província de Nuristão, que ocorrem como veios, impressionaram os geocientistas soviéticos com a quantidade de minério de rocha dura (o lítio também é extraído da salmoura). Com base nas estimativas do USGS, é um recurso significativo, mas modesto em termos atuais, já que a exploração de tais depósitos aumentou em todo o mundo na última década.

Finalmente, existem elementos de terras raras no sul da província de Helmand. Esses depósitos contêm principalmente cério, com quantidades menores de lantânio, praseodímio e neodímio mais valiosos, totalizando talvez 1,4 milhão de toneladas métricas. Dois deles, praseodímio e neodímio, estão em níveis de preços elevados – mais de US$ 45.000 por tonelada métrica – e fazem ímãs excepcionais usados ​​em motores de carros híbridos e elétricos, mas a abundância desses elementos não é grande em comparação com o que outros países têm.

Fatores de superfície e geopolítica

A sabedoria da mineração afirma que o que está no solo é menos importante do que o que está acima do solo. A realidade do mercado, a segurança, os termos do contrato, a infraestrutura e as preocupações ambientais são mais importantes do que a simples abundância para saber se os recursos podem ser desenvolvidos.

Entre esses fatores, talvez o mais relevante atualmente seja a forte demanda global por metais, particularmente cobre, lítio e elementos de terras raras, que são essenciais para os mercados em crescimento de energia renovável e veículos elétricos.

Uma empresa chinesa construiu este campo de mineração em Mes Aynak, no Afeganistão, há cerca de 10 anos para abrigar os trabalhadores de uma mina de cobre planejada que nunca iniciou a produção. As pessoas na frente estavam participando de uma escavação arqueológica. Jerome Starkey / flicrk , CC BY-SA

Se o Afeganistão pode ou não começar a minerar esses elementos vai depender do que o novo governo do Talibã fizer. Sob o antigo Ministério de Minas, um contrato de US$ 2,9 bilhões para uma parte do depósito de cobre da Aynak foi concedido a duas empresas chinesas estatais. O contrato de 30 anos assinado em 2007 tinha uma alta taxa de royalties para os padrões globais e exigia que a fundição e o processamento do minério fossem feitos localmente. Outras condições incluíram a construção de uma usina a carvão de 400 megawatts e uma ferrovia até a fronteira com o Paquistão. Também foi estipulado que 85% -100% dos funcionários, desde mão-de-obra qualificada até pessoal administrativo, sejam cidadãos afegãos dentro de oito anos a partir da data de início do trabalho. Embora originalmente acordados, esses termos foram posteriormente declarados onerosos pelas empresas, interrompendo o desenvolvimento.

Embora existam estradas para muitas áreas de depósito de minério, o Afeganistão carece de estradas, ferrovias e eletricidade de boa qualidade. As empresas de mineração não são estranhas a esses desafios, mas a situação é agravada neste caso pelo terreno acidentado e pela natureza sem litoral do país. As ferrovias, em particular, seriam essenciais para o transporte de minério, bruto ou refinado, para o mercado externo.

Existem também preocupações ambientais e culturais. A mineração pode resultar em grandes impactos na qualidade do solo e do ar, bem como nas bacias hidrográficas – uma preocupação particular no Afeganistão, pobre em água – se não for regulamentada pelas melhores práticas. Não menos, a aplicação de tais padrões é necessária e tem sido um problema em muitos países de baixa renda.

Perto do depósito de cobre de Aynak há um grande local de relíquias, estátuas, templos e estupas budistas. Existem também locais de mineração da Idade do Bronze que constituem importantes recursos arqueológicos. Também aqui não existe clareza sobre como os líderes do Talibã, que ordenaram a destruição das grandes estátuas budistas em Bamiyan em 2001, podem ver esses locais.

Para o Afeganistão, seus recursos podem significar uma fonte de investimento estrangeiro de longo prazo, construção de habilidades e expansão da infraestrutura, todos essenciais para uma economia sustentável. Mas uma grande questão é quais empresas estariam envolvidas. O Afeganistão também está no centro das lutas geopolíticas, envolvendo Índia e Paquistão, bem como China, Irã e os EUA. O fato de o Talibã agora estar no controle não torna os minerais do país menos investidos com grande significado.

 

Nota do autor: Em 2015, fui instrutor de uma turma de força-tarefa na Escola de Estudos Internacionais Henry M. Jackson da Universidade de Washington que produziu um relatório sobre os recursos naturais do Afeganistão e a possibilidade de atuarem como base para o desenvolvimento econômico. Este artigo é dedicado ao excelente trabalho realizado pelos alunos dessa força-tarefa.


por Scott L. Montgomery, Professor da Jackson School of International Studies, University of Washington  |  Texto original em português do Brasil, com tradução de Cezar Xavier

Exclusivo Editorial PV / Tornado

The Conversation

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