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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Ainda é possível uma esquerda a três?

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Sem perder de vista o significado muito positivo da legislatura 2015-2019 em que PS, PCP, Verdes e BE convergiram no sentido de dar uma maioria parlamentar a soluções que impediram a recondução do Governo anterior e favoreceram a constituição e manutenção em funções de um novo Governo, bem como a aprovação em conjunto de vária legislação, cabe ter presentes algumas das razões que dificultaram e continuam a dificultar uma colaboração multilateral entre estes partidos e em particular entre o PCP e o BE.

Rivalidade eleitoral

Por um lado, existe, como é normal, uma situação de concorrência eleitoral entre as três forças, num sistema eleitoral em que a proporcionalidade é distorcida pela manutenção de círculos distritais, sendo, ao contrário dos partidos de direita, os partidos de esquerda adversos à realização de coligações pré-eleitorais que prejudicam as suas “marcas” e, acreditam, a sua coerência de argumentação. Ainda me recordo de Mário Soares explicar que recusava um sistema maioritário de duas voltas, como o francês, por favorecer a “disciplina republicana”, isto é a desistência na segunda volta a favor do candidato mais votado na primeira. Quanto ao PCP a experiência do Município de Lisboa sugere que juntar votos em coligações pré-eleitorais com o PS pode significar que na altura da separação não se reencontram os votos.

O BE que desde o início comparou os seus resultados eleitorais com os do PCP, não deixou de celebrar os momentos de ultrapassagem. Hoje em dia não só é a terceira maior força, como gosta de enfatizar, mas teve a inteligência de valorizar o contributo de gerações anteriores, fazendo candidatar ou entrevistando para memória no esquerda.net, antigos militantes comunistas ligados aos tempos de clandestinidade ou participantes nas candidaturas da oposição democrática. Apesar do rejuvenescimento que Jerónimo de Sousa impôs no grupo parlamentar e da desdramatização que o tem levado a recordar que cada um corre na sua bicicleta, o PCP tem sofrido desde as presidenciais humilhações eleitorais sucessivas.

O eleitor de esquerda para o qual é indiferente votar PCP ou BE esperará em vão a apresentação de listas conjuntas nos círculos eleitorais de menor dimensão ou nas Câmaras e Juntas de Freguesia onde as críticas ao poder instituído são semelhantes e seria possível até estabelecer uma base programática comum. Também parece excluído o alargamento ao BE da base eleitoral das candidaturas que visam reconduzir câmaras presididas pelo PC, alargamento que poderia ser ocasião da introdução de correcções de rumo muito necessárias. Não se tem ido por essa via e o PCP, de cada vez que perde mais uma destas câmaras, prefere lamentar a inexistência de voto útil.

Frente parlamentar

No PS o Grupo Parlamentar tem tido, como é compreensível, a função de apoiar o Governo e, em particular, o que é menos compreensível, os Ministros de serviço em algumas pastas, mesmo que estes façam borradas. Na situação que se viveu durante a legislatura precedente, a existência de uma negociação quase permanente à esquerda minorou os inconvenientes desta inflexibilidade, que agora se estão a tornar de novo patentes, apesar da mudança de presidente do grupo. No BE o grupo parlamentar tem sido e continua a ser o grande instrumento de acção política do partido, através de uma surpreendente capacidade de ouvir toda a gente sobre todos os assuntos e de apadrinhar praticamente todas as causas, por vezes com grande irritação do Governo… e do PCP, que dá a entender que o BE se apropria de causas lançadas pelo próprio PCP ou por estruturas influenciadas por este. Contudo, nas últimas eleições legislativas percebeu-se que o Bloco planeia as suas candidaturas não apenas em função em função das sensibilidades dos eleitores de cada círculo mas também da necessidade de cobrir diferentes áreas temáticas de intervenção.

Num caso, pelo menos, terá o PCP razão. Em 2016, apetrechado com uma reflexão dinamizada a partir da Área Metropolitana de Lisboa que então liderava, o PCP apresentou dois projectos de lei visando garantir a extensão e o aprofundamento da intermodalidade dos passes sociais de transportes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Ambos foram rejeitados por maiorias do “arco de governação” PS-PSD-CDS, com abstenção do BE. Não se ia dar um trunfo eleitoral ao PCP… Este perde no ano seguinte câmaras decisivas na margem sul e a maioria na Área Metropolitana de Lisboa. Contudo, com Fernando Medina como Presidente e Carlos Humberto Carvalho, antigo presidente da câmara do Barreiro, como Primeiro Secretário, avança-se para o Programa de Apoio à Redução Tarifária nos moldes debatidos na AML. António Costa é fotografado com o passe e o PS embolsa por todo o País votos nas legislativas, Jerónimo de Sousa apoia publicamente – mas perde um deputado em Setúbal – e Catarina Martins aparece fotografada com a estação de barcos do Terreiro do Paço ao fundo, proclamando que sempre esteve com a causa…

É este tipo de episódios que explica o circo mediático que se vai estabelecendo em torno da votação de cada Orçamento do Estado anual, como sucedeu no de 2020. “Quem dá mais”, sob a forma “Quem faz o PS dar mais”? Ninguém sai credibilizado.

Movimentos laborais

O PS e, pelo menos inicialmente, o BE, organizam a sua militância numa base de local de residência, o que corresponde às necessidades de disputa eleitoral, e tem como resultado, no caso do PS, uma certa insensibilidade do grupo parlamentar aos efeitos das políticas laborais ou das faltas de política, dos seus governos. O PCP, pelo menos em teoria, está mais ligado na sua organização ao mundo laboral, mas não deveria prescindir de uma visão política das questões em vez de se limitar por vezes a fazer eco de preconceitos dos militantes mais destacados nos vários sectores.

Durante vários anos – mais concretamente de 2000 a 2008 – o que o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) procurou que fosse generalizada a toda a Administração Pública a instituição do subsídio de desemprego, que, na sequência de declaração pelo Tribunal Constitucional de uma situação de inconstitucionalidade por omissão, havia sido unicamente legislada para os Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário. Nesse contexto, apoiou a proposta de um diploma geral, formulada pelo PS enquanto esteve na oposição e reeditada num projecto de proposta de lei aprovado em Junho de 2005 pelo primeiro governo de José Sócrates e publicado no site do Governo… que não chegou a seguir para a Assembleia. A instâncias do SNESup, o BE formulou uma proposta neste mesmo sentido para inclusão no OE para 2006 que foi rejeitada. Durou dois anos este processo de fazer passar a proposta do PS junto da maioria absoluta que este detinha. A CGTP considerou esta medida um ataque à função pública e o PCP reagiu mal. O que é menos conhecido, mas que milita a favor do BE dessa altura, foi o ter apoiado desde logo a proposta mesmo que depois – isto não é muito conhecido – tenha atravessado uns momentos de dúvidas.

Mais recentemente o BE procurou virar-se para o movimento sindical com plataformas semelhantes às do PCP, o que na altura da greve geral do início de 2012 suscitou reacções pouco cordatas por parte deste, e parece estar a procurar criar uma base de influência em termos de associações sindicais e de comissões de trabalhadores, o que se traduzirá possivelmente em mais rivalidades.

A legislatura que se iniciou há meses arrisca-se a deteriorar ainda mais o clima na esquerda. E pior ficaremos se até no domínio dos movimentos de opinião consubstanciados na assinatura de petições on line e de iniciativas legislativas de cidadãos vierem / continuarem a surgir iniciativas que claramente – pela redacção adoptada ou pelo elenco de primeiros subscritores – sejam claramente conotáveis com forças específicas e se insiram não numa procura de resultados – que exigirá concertação – mas sim na procura de publicidade para os promotores.

Por muito que concorde com os textos concretamente em causa, não assinarei nenhuma.

 

 

Projectos de Lei nº 250/2016 (Confirma o Passe Social Intermodal como título em todos os transportes coletivos de passageiros e atualiza o âmbito geográfico das respetivas coroas na Área Metropolitana de Lisboa) e nº 286/2016 (Consagra o “Andante”, passe social intermodal da Área Metropolitana do Porto, como título em todos os transportes coletivos de passageiros e atualiza o âmbito geográfico do respetivo zonamento).

No Relatório de Actividades de 2007. Os sindicatos da função pública influenciados pelo PCP, ancorados no pessoal do quadro, não queriam saber da situação das carreiras que se desenvolviam em larga medida através de contrato administrativo de provimento, para além de possivelmente acreditarem que legislar sobre subsídio de desemprego dava azar.

É impossível desenvolver aqui toda a história deste processo que mostra que mesmo em situações de maioria de esquerda e de exigência de cumprimento de imperativos constitucionais é muito difícil ao movimento sindical obter resultados.


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