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João de Sousa

Domingo, Maio 25, 2025

Americanamente

Das tantas cenas do Capitólio ocupado que vimos as mais impressionantes eram as de confronto entre os guardas do prédio e os invasores, muito mais numerosos.

Não foi, assim, uma queda da Bastilha, muito menos a invasão do Palácio de Inverno do tzar pelos bolcheviques. Mas foi histórico, americanamente histórico. A maioria dos que entraram à força no Capitólio, onde o poder legislativo se reunia para oficializar a vitória do Biden e a derrota do Trump, era formada por uma mistura de trumpistas iludidos, trumpistas inocentes carregando os filhos, garotada a fim de quebrar tudo e o que lá eles chamam de “red necks”, pescoços vermelhos, uma categoria de caipiras de bunda grande. Trump tinha instruído seus seguidores a marchar pela Avenida Pennsylvania, que vai da Casa Branca até o Capitólio, mas não se lembrara de avisar a multidão a não entrar no Capitólio, o que a multidão fez com grande facilidade.

O Capitólio era surpreendentemente aberto e vulnerável. Qualquer um podia entrar, qualquer um podia assistir a sessões do senado e da câmara ou andar pelos seus corredores. História pessoal: eu cursava um “high school” em Washington e (crianças, tapem os ouvidos) odiava estudar. Decidi, por minha conta, que aprenderia mais fora da escola do que na escola. Passei a frequentar o Congresso, principalmente seu departamento de revistas estrangeiras, e muito andei pelo seu interior sem que me interpelassem. Também frequentava o centro de Washington, onde um dia, por fatalidade, encontrei minha mãe e a Clarice Lispector. Até hoje não sei como expliquei o que eu estava fazendo tão longe da escola.

Das tantas cenas do Capitólio ocupado que vimos as mais impressionantes eram as de confronto entre os guardas do prédio e os invasores, muito mais numerosos. A Segurança do Capitólio por certo mudou desde a minha adolescência, quando a nação temia um ataque nuclear da União Soviética, mas ninguém sonhava com uma cena como a de uma multidão americana acuando guardas americanos. O que o episódio tem de histórico, além do ineditismo – mas as tomadas da Bastilha e do Palácio de Inverno também foram inéditas – é essa reversão de civilidade, a volta de uma incivilidade, ausente desde a guerra da secessão.


por Luis Fernando Verissimo, Escritor e cartunista, é autor de O Analista de Bagé, Ed Mort e Comédias da Vida Privada  |   Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


 

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