Parece cada vez mais evidente que a situação epidemiológica que o Mundo vive tem revelado as óbvias fragilidades de um modo de vida pouco orientado para as pessoas e o seu bem-estar, ou como o expressou Muhammad Yunus: a pandemia revelou a divisão do mundo!
Agora que parece começar a vislumbrar-se a hipótese de uma luz ao fundo do túnel (para os países mais ricos, porque não se tendo conseguido a consagração da vacina como bem universal, livre de direitos e patentes, os outros estão a ser abandonados à sua sorte), devemos analisar os acontecimentos e começar a extrair as primeiras conclusões para a formulação de um novo modelo de abordagem do futuro.
A primeira e inevitável conclusão é a do fracasso do Ocidente, ultrapassado em toda a linha pela Ásia, mas pior ainda é o facto dos dois últimos faróis do ocidente (Reino Unido e EUA ostentarem dos piores resultados, com 912 e 877 mortos por cem mil habitantes, respectivamente), do pior resultado ser o da Bélgica (outro país dito desenvolvido, com 1.497 mortos por cem mil habitantes) e de entre os dez piores se contarem sete países europeus, dois sul americanos e um norte americano.
A segunda é a confirmação do desastre social que acarreta a inexistência de serviços de saúde adequados, no caso específico dos EUA, ou da sua falência, no caso europeu. Agravada no caso deste último por décadas de desinvestimento, decidido umas vezes em nome da poupança de recursos públicos outras em defesa dos princípios do livre funcionamento do mercado.
A terceira é a situação de crise económica em que fomos obrigados a mergulhar por via das limitações impostas à movimentação de pessoas e bens e à actividade económica, que em economias dependentes do comércio internacional como são as ocidentais se traduziu numa propagação dos efeitos tão rápida como a da infecção.
A quarta é a representada pelos riscos para o sistema democrático que resultarão do aproveitamento populista da natural insatisfação e da desorientação provocadas pela pandemia e pelas medidas com as quais os governos a tentam combater, pelo que além das manifestação anti-confinamento também se já começaram a registar manifestações negacionistas.
Outras situações, delas derivadas e não menos preocupantes, como o desemprego – situação que em Abril já tinha levado quase 11% da população norte-americana a recorrer a sistemas de assistência, 397.000 europeus a perderem o seu emprego no mês de Maio e entre nós, depois de uns anos a vermos a taxa de desemprego a descer passámos para uma situação onde no início de Novembro já se contabilizavam mais de 400 mil desempregados e as previsões apontam para que a taxa de desemprego atinja os 8% em 2020 – ou o agravamento das conhecidas desigualdades na distribuição do rendimento, quando se sabe que, em Portugal, os trabalhadores com salários baixos foram os que mais perderam empregos na pandemia.
Os problemas do emprego e da distribuição do rendimento são apenas uma parte das dificuldades originadas pela Covid-19, havendo já quem assegure que a crise que está a provocar será mais grave que Grande Depressão da década de 1930, tanto mais que às quebras já registadas na produção e no emprego é preciso acrescentar ainda o elevado nível de incerteza relativamente à evolução próxima, que a retoma das economias não será homogénea (além de as economias mais fortes deverem recuperar mais cedo e mais depressa que as mais fracas, acresce que entre estas nem todas terão acesso simultâneo às novas vacinas) e que o histórico recente das últimas crises revela que estas contribuíram para o agravamento da divergência na distribuição do rendimento.
As políticas de pendor monetarista e neoliberal que levaram ao extremo a desregulamentação e a financeirização das economias e têm conduzido ao agravamento da desigualdade na distribuição da riqueza e do rendimento, têm igualmente provocado a erosão da chamada classe média (aquela que no pós-Guerra foi responsável pelo sucesso do modelo ocidental das economias de consumo) e, no caso de economias periféricas como a portuguesa, o aumento da emigração das camadas mais jovens e instruídas que assim agravam a crise demográfica e as dificuldades de financiamento da segurança social.
Se a crónica escassez nacional de meios de investimento levanta sérias dúvidas sobre a possibilidade de assistirmos a uma recuperação sustentada da economia que rapidamente reponha os níveis de produção e emprego, para mais quando a ajuda do Plano de Recuperação da União Europeia continua a ser uma miragem, que dizer da hipótese de conseguirmos transformar este num momento de viragem na tendência de concentração de riqueza. E era importante, a nível económico e talvez se venha a revelar determinante a nível político, ou não fosse bem evidente a emergência de correntes políticas de cariz populista que exploram a tensão social e as frustrações (reais ou fomentadas) de uma vasta maioria da população que não só vê o seu rendimento em queda como já não alimenta grandes expectativas de melhoria.
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