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Quinta-feira, Abril 25, 2024

As presidenciais americanas

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

Hillary e Trump

E não só nos Estados Unidos, vista a centralidade que este país tem na política internacional.

Campanhas negativas

A personalização extrema do processo político leva a isto: a competição acaba por deslizar sempre para o carácter dos candidatos. Inevitavelmente.  As “campanhas negativas” são o resultado disso, mas não são novas, todavia. Até no interior dos próprios partidos elas aconteceram: Jimmy Carter contra Edward Kennedy, por exemplo. Ou, entre partidos, George Bush contra Michael Dukakis e, depois, contra Bill Clinton. Ou George W. Bush contra John Kerry. John McCain contra Barack Obama.

Do que se tratou, nestes casos, foi de pôr na agenda pública elementos de tal ordem negativos que afectassem irremediavelmente a performance presidencial dos candidatos. Essas campanhas são conhecidas e os seus promotores também. Um deles deu uma mão a Trump, Roger Ailes, o velho e aguerrido Spin Doctor e ex-Presidente da Fox (além do senhor Manafort). Um outro dera-a a George W. Bush, Karl Rove, o homem de quem se diz tê-lo inventado. Nada de novo, afinal. A não ser a virulência e a vulgaridade desta campanha.

Populismo ou establishment?

Bernie Sanders

A coisa foi de tal modo grave que muitos disseram que o ideal era perderem os dois. Mas para quem? Saudades de Bernie Sanders, no campo democrático? O que se espera é que ele esteja presente na acção política de Hillary Clinton se ela vencer as eleições, nos termos do acordo negociado: aumento do salário mínimo; não aos tratados de livre comércio “iníquos”; universidade gratuita para os estudantes mais pobres; maior carga fiscal para os ricos; punição fiscal das multinacionais que deslocalizem; contenção e controlo de Wall Street; fim da “Citizen United” (que alargou excessivamente a possibilidade de financiar as campanhas eleitorais); separação entre bancos comerciais e bancos de investimento; desmembramento dos colossos financeiros de risco sistémico; plano gigantesco de relançamento do emprego (F. Rampini, “La Repubblica”, 29.07).

Mas não! Colou-se à imagem de Hillary a ideia de que um mau candidato se torna um péssimo Presidente, esquecendo a sua sólida carreira política e as provas dadas. E ainda por cima nem sequer está provado que um bom candidato se torne necessariamente um óptimo presidente. Mas nem uma coisa nem a outra. Por uma simples razão: as qualidades verificam-se “post factum”. Até lá deveriam contar muito as “provas dadas”. E estas estão do lado da Senhora Clinton. Indubitavelmente.

Mas Vittorio Zucconi, o correspondente do jornal “La Repubblica”, carregando de negro as tintas, referia-se assim aos candidatos:

“se o mítico marciano (…) caísse na Terra e quisesse seguir a corrida final para a Casa Branca ficaria espantado ao ver que a mais importante e poderosa República do planeta se encontra perante a escolha entre uma criminosa, corrupta e desonesta e um maluco, falido, provocador de mulheres e tentado a usar as armas nucleares, segundo as opostas caricaturas dos spots eleitorais” (06.11.16).

É impossível, por isso, que a imagem do futuro Presidente (seja quem for) não fique afectada por esta campanha, diminuindo-lhe a legitimidade e, por consequência, a margem de manobra. Alguém chegou mesmo a afirmar que a entrada em cena de Obama em defesa de Clinton estaria a prejudicar a candidata porque evidenciaria ainda mais a diferença entre ambos, em desfavor de Hillary. Sim, tudo isto poderá ser verdade. Ela não é um Bill Clinton nem um Barack Obama em campanha. Estes foram excepcionais quer como candidatos quer como Presidentes. Mas todos reconhecem que Hillary será melhor Presidente do que candidata, sendo certo que o mesmo já não se poderá dizer de Trump, ainda que também seja certo que o establishment político tem sempre uma enorme capacidade de enquadramento do poder presidencial. A começar pelo Congresso.

Obama - eleições EUA

Quem ler a entrevista de Obama a Jonathan Chait, publicada pelo Expresso (05.11), pode dar-se bem conta do esforço que o Presidente tem de fazer para negociar com o Congresso as medidas mais importantes. Mas, seja como for, a margem de manobra do Presidente é sempre muito grande, até pela aura que envolve a sua figura, equivalente à de um monarca. E Hillary terá por isso a possibilidade de recuperar das feridas dos combates (e já foram muitos, sendo certo que eles também temperam), conseguindo uma boa Presidência, designadamente na difícil situação internacional: problemas no Médio Oriente, relações da Rússia com a Europa oriental, guerra, terrorismo, pressões da globalização, graves problemas internos. Ou seja, ela poderá, a partir da Presidência, construir uma liderança que até agora não foi capaz de delinear.

Das XV e XIX Emendas à Presidência

É claro que para a direita americana esta sequência de Presidentes democratas, se Clinton vencer, é difícil de digerir, especialmente pela ala mais radical. Primeiro, um Presidente negro. Depois, um Presidente mulher. Ambos, pela primeira vez na história dos Estados Unidos. É de lembrar que as emendas que viriam a permitir o voto aos negros e às mulheres são respectivamente de 1870 (XV Emenda) e de 1920 (XIX Emenda).  Mas como se sabe os entraves ao voto dos negros e, em geral, a efectiva discriminação eleitoral (centrada, no essencial, no processo de registo dos eleitores) continuou por muito tempo, até aos anos sessenta, designadamente ao Voting Rights Act, de 1965, aprovado sob o efeito das lutas dos negros americanos, e designadamente da liderança de Martin Luther King.

Parece ser excessiva, para os republicanos, esta sequência, tal como a sequência de políticas que virá a ocorrer se Hillary prosseguir as políticas de Obama (designadamente o ObamaCare/ACA, que Trump prometeu desmantelar) e se cumprir os acordos estabelecidos com Bernie Sanders. Daqui a compactação dos republicanos na fase final da campanha.

 Algo se move na política mundial

As próprias dificuldades de Clinton estão muito centradas na sua identificação com o establishment político e financeiro. E o relativo caos da política internacional também contribui para o fechamento nacionalista

Não há dúvida de que a posição alcançada por Donald Trump é inesperada. E o seu, à semelhança dos discursos que se começa a ver um pouco por todo o lado, foi um discurso cada vez mais anti-sistema, de tal forma que se viu alienar os apoios de uma parte consistente da elite republicana, pelas suas posições populistas e politicamente disruptivas.

A política convencional entrou em crise e já se abriram brechas profundas na clássica geometria política. Depressa esquecemos o sucesso de Bernie Sanders nas primárias, mas a verdade é que as suas posições à esquerda conseguiram afirmar-se numa parte consistente do eleitorado democrata, ao ponto de Clinton ter de incorporar no seu programa uma parte consistente das suas propostas. As próprias dificuldades de Clinton estão muito centradas na sua identificação com o establishment político e financeiro. E o relativo caos da política internacional também contribui para o fechamento nacionalista e para o reforço de propostas do tipo das que Trump fez.

Brexit ensina. Trump também. E não menos o que tem vindo a acontecer na nossa Europa continental, na França e na Alemanha, por exemplo, com a extrema direita a crescer significativamente. Mas a pergunta legítima é esta: a resposta eficaz às dificuldades notórias da política contemporânea pode ser dada por lideranças como a de Donald Trump? É claro que não! Se os problemas já são muitos, com ele cresceriam exponencialmente!

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