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Sábado, Outubro 12, 2024

Cavaco, o 19º passageiro de Belém

cavaco
Cabo Verde 2010

Na hora da despedida, O TORNADO recorda cinco episódios que marcaram o filme da vida política do Presidente. O enredo envolve escutas, cofres vazios, bancos bons e demais intrigas

Aníbal António Cavaco Silva, 77 anos.

Depois de candidato às eleições de 1996, quando foi derrotado por Jorge Sampaio, regressa para ganhar o cargo em Janeiro de 2006. Reeleito em 2011, perde meio milhão de votos e regista o pior resultado nas presidências pós-25 de Abril. O 19º Presidente da República Portuguesa deixa a cadeira de Belém na próxima quarta-feira.

Nas últimas eleições legislativas, a 24 de Janeiro, questionado pelos jornalistas se fez tudo bem e como quis durante os seus mandatos, o Presidente da República (PR) respondeu, entre risos: “tudo, tudo, tudo”. De consciência tranquila, portanto, informou: “Saio no dia 9 de março, depois de ter desempenhado as minhas funções nos termos da Constituição e da lei, e já tenho direito a descanso”.

O chefe de Estado que quis ser «o Presidente do inconformismo e da esperança», também foi o mensageiro da “importância de consensos políticos alargados”. Ao longo dos dois mandatos, Cavaco Silva foi ainda o alvo certeiro para aqueles que lhe criticavam os silêncios e a falta de actuação em momentos chaves da vida política.

Chegou a hora do adeus. A partir de Março, Cavaco Silva vai ter direito a um escritório no número 49 do Convento do Sacramento, em Alcântara. Parte do Convento albergará o Ministério dos Negócios Estrangeiros, outra parte o gabinete do ex-Chefe de Estado. As obras gerais de reabilitação do edifício foram inicialmente orçadas em 1,4 milhões.

Como ex-Presidente da República, terá direito a “kit” completo: gabinete, assessor, secretário da sua confiança e carro com motorista e combustível. Por direito também lhe será concedido livre-trânsito, passaporte diplomático, ajudas de custos para as missões oficiais e uso e porte de arma de defesa.

Aos antigos chefes de Estado é ainda atribuída uma subvenção mensal equivalente a 80% do vencimento do Presidente da República em exercício. Um “salário” que ronda os 6 mil euros por mês, que é cumulável, sem limitações, com as pensões que estejam a receber.

Os últimos dias do inquilino de Belém têm sido uma azáfama de despedidas, para condecorar e agraciar exemplos de bom comportamento.

O TORNADO recorda agora cinco episódios que marcaram a vida política do Presidente, na hora do adeus.

 

Episódio I

Caso das alegadas escutas a Belém

Agosto de 2009. Dia 18. Uma manchete do “Público”, na altura dirigido por José Manuel Fernandes, incendeia a “silly season”: “Presidência da República teme estar a ser vigiada”. E a “estória” volta para a ribalta como arma de arremesso sempre que existe um contra-ataque entre socráticos e cavaquistas.

Vive-se a pré-campanha eleitoral. Cavaco suspeita estar a ser espiado pelo Governo liderado por José Sócrates; Consultores de Belém andam a ajudar na campanha de Manuela Ferreira Leite. São estas algumas notícias que animam os dias de Agosto, com o País a banhos.

O “Diário de Notícias” avançava um mês depois da primeira manchete sobre o tema, que teria sido o próprio Fernando Lima a fonte do jornal “Público”. Dias depois, Cavaco acaba por fazer uma declaração a confirmar a existência de “vulnerabilidades” no sistema informático da Presidência da República, mas lembra que nunca fez qualquer referência a escutas.
As declarações de Cavaco estão longe de serem esclarecedores e o enredo adensa-se com a abertura de inquéritos internos, sanção de advertências a jornalistas por parte da Comissão da Carteira, recursos das advertências para os tribunais… e outras recomendações e puxões de orelhas.

O assessor acaba por ser afastado da área da comunicação social mas continua na Casa Civil. A 16 de Janeiro de 2010, Fernando Lima comenta pela primeira vez o caso das alegadas escutas. Num artigo de opinião publicado pelo “Expresso”, refere que tudo não passou de “uma intriga política com o objectivo de envolver o Presidente da República no palco da luta eleitoral”.

Os partidos da oposição quiseram levar as alegadas escutas ao Parlamento, mas o assunto nunca chegou a ser discutido na Comissão de Ética, porque os jornalistas do “Público” envolvidos na notícia (Luciano Alvarez e Tolentino de Nóbrega) mostraram-se indisponíveis para depor.

 

Episódio II

Sociedade Lusa de Negócios e BPN

Dezembro de 2010. Campanha para as presidências de 23 de Janeiro de 2011. “Para serem mais honestos do que eu, têm que nascer duas vezes”. Esta foi a frase marcante que o PR disse num debate feroz com Defensor Moura, relativamente às mais-valias na venda das ações do BPN.

O ex-autarca de Viana do Castelo e então candidato a Belém acusava Cavaco de ter beneficiado das acções do BPN, banco fundado por Oliveira e Costa. Cavaco dizia-se vítima de “campanha desonesta”. Defensor Moura pedia explicações sobre o lucro de 145 mil euros na venda das acções da Sociedade Lusa de Negócios dona do BPN. Cavavo foi acionista da SLN entre 2001 e 2003, quando ainda não era PR. Comprou por um euro, vendeu por 2,4.
Cavaco acabou por ganhar as presidenciais. Mas fica para a história como o presidente menos votado de sempre, com 2,23 milhões de votos.

Episódio III

Cavaco sem dinheiro para as despesas

Janeiro de 2012. A troika já aterrou em Portugal e a austeridade chega em força. Esta é e data que marca outro episódio que os portugueses dificilmente vão esquecer – a polémica declaração sobre as reformas do Banco de Portugal.

“Eu descontei, quase 40 anos, uma parte do meu salário como professor universitário e também descontei alguns anos como investigador da Fundação Calouste Gulbenkian. Irei receber 1 300 euros por mês. Não sei se ouviu bem: 1 300 euros por mês. Quanto ao fundo de pensões do BP, para o qual descontei durante quase 30 anos parte do meu salário, ainda não sei quanto irei receber, mas os senhores não terão dificuldade, fui um funcionário de nível 18 (…) Tudo somado, quase de certeza que não vai chegar para pagar as minhas despesas porque, como sabe, eu também não recebo salário como PR”, disse Cavaco, em plena crise financeira, quando se anunciavam cortes nos subsídios de Natal e de férias dos funcionários públicos.

“Nos termos da legislação aprovada pela Assembleia da República, o Presidente da República decidiu prescindir, a partir de 1 de Janeiro de 2011, do seu vencimento, no montante ilíquido de 6.523,93 euros”, lê-se num comunicado divulgado no “site” da PR.

Poucos dias depois noticia-se que o Presidente Cavaco acumula duas pensões: a de professor catedrático na Universidade Nova de Lisboa e a de reformado do Banco de Portugal, que totalizam cerca de dez mil euros por mês. Não sei se leram bem: dez mil euros por mês.

A lei diz ainda que o Chefe de Estado e a sua esposa têm direito a “a veículo para uso pessoal”, mas não estabelece qualquer limite no número máximo de viaturas. Sabe-se que no final de 2014, a Presidência tinha no seu parque automóvel 49 carros.

A proibição de acumular salário de PR com as pensões de reforma muda já a partir de 9 de Março, quando Cavaco deixar Belém. Assim, os ex-titulares do cargo podem acumular a subvenção de 5.799 euros com qualquer tipo de pensões.

https://www.youtube.com/watch?v=wvGTjA594E8

Episódio IV

Cidadão detido por mandar Cavaco trabalhar

“Não se podem ignorar vozes que se fazem ouvir na rua”, diz o PR, a 7 de Março de 2014, quando questionado sobre uma manifestação que juntou milhares de elementos das forças de segurança, em Lisboa. E é isso mesmo que Cavaco Silva faz a 4 de Setembro de 2013. Não ignora as palavras proferidas por um cidadão na véspera do Dia de Portugal, em Elvas.

O presidente envia uma declaração ao Ministério Público, pedindo que “se mantenha o procedimento criminal” contra Carlos Costal, acusado de “ofender a honra” do Chefe de Estado. Na notificação pode ler-se: “o arguido encontrava-se a três metros do Presidente da República, dirigiu-se-lhe, apontando-lhe a mão direita, e proferiu, em voz alta, as seguintes palavras: “és um chulo, gatuno ladrão”, tendo, de seguida, dito ainda “vai trabalhar, malandro”.

Carlos Costal desmente a acusação de que é alvo. Diz-se vítima de uma cabala. E recorda como tudo começou: abrigado da chuva numas tendas dos hospitais militares começa a ouvir o alvoroço. Sirenes, confusão e grande agitação. Sentiu que algo iria acontecer. Eis que, de repente, vê uma comitiva enorme composta por diversas personalidades, onde estava também o Presidente da República. Confessa que não achou piada “àquele festim”, “numa altura em que havia/há fome em Portugal”.

Sentiu-se revoltado e proferiu a expressão “Vai trabalhar mas é”. “Não me dirigi a ninguém em concreto. Não pronunciei o nome de ninguém, apenas aponto na direcção de uma enorme comitiva, e para minha surpresa sou abordado de imediato por um PSP à civil”, recorda. Na esquadra é informado que está acusado por ofensas à honra do PR e que incorria numa pena até 3 anos de prisão.

Depois do julgamento no Tribunal de Elvas, Carlos é condenado a pagar 1300 euros de multa. Dias depois, a Procuradoria-Geral da República (PGR) comunica que o julgamento terá de ser anulado: por tratar-se de um crime público não pode ser julgado em processo sumário. O inquérito de averiguações é reaberto.

E a 30 de Setembro, um dia a seguir às autárquicas, o arguido comparece novamente em tribunal. Foram ouvidos todos os intervenientes.

Carlos diz que “por instinto” apenas exerceu um direito: a liberdade de expressão. Este direito valeu-lhe um processo e aguardou julgamento durante meses. Sente que o processo “serviu para chamar a atenção de todos aqueles que se queiram manifestar”. Só em Dezembro de 2014, Cavaco pede à PGR para “não prosseguir” com o processo criminal.

Episódio V

Presidente “nunca” falou sobre o BES

Em Julho de 2014, os receios em torno da solidez do Grupo Espírito Santo (GES) ganham força. Mesmo assim, de visita à Coreia do Sul, o PR fala pela primeira vez sobre a situação do grupo liderado por Ricardo Salgado, entretanto substituído por Vítor Bento, presidente da SIBS. Cavaco nunca se refere a uma eventual intervenção do Estado e faz questão de elogiar a actuação do Banco de Portugal (BP).

“O Banco de Portugal tem sido perentório e categórico a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”, afirma Cavaco Silva, na Coreia do Sul, três dias antes de Ricardo Salgado ser detido e constituído arguido no caso Monte Branco. E duas semanas antes da resolução aplicada ao BES a 3 de Agosto.

As declarações do PR levam o advogado dos pequenos accionistas do BES a afirmar que houve clientes que foram convencidos a investir no banco por causa daquelas palavras. Mais de um mês depois, a Presidência recupera na página oficial, as mesmas frases para sublinhar que nunca fez qualquer declaração sobre o BES, mas sim sobre o BP.

“O PR assegurou a estabilidade do BES semanas antes da queda do banco”. A afirmação é mais tarde inscrita na versão final do relatório da comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, mas não constava na versão inicial, noticia o “Jornal de Negócios”.
O pedido de audição a Cavaco, ou esclarecimentos por escrito, é rejeitado pela maioria do PSD e pelo próprio Chefe de Estado.

https://www.youtube.com/watch?v=51R4pkihXv0

 

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