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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Congresso não engolirá na bucha pacotaço de Guedes

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

O pacote neoliberal de Paulo Guedes, se for ou fosse aprovado na íntegra, seria a mais ampla alteração da Constituição de 1988 e de seu espírito cidadão. Em condições normais, tamanha reforma exigiria a convocação de nova assembleia constituinte.

Dificilmente, porém, o Congresso, apesar de seu pendor reformista-conservador,  engolirá o pacote a seco, devendo regurgitar os pontos politicamente mais sensíveis, que não são poucos. O futuro de Guedes, e do governo Bolsonaro, dependem muito de quando e quais pontos serão aprovados.

A rigor, podemos dizer que as três propostas de emendas constitucionais atacam os problemas fiscais mais urgentes (PEC emergencial) da União, Estados e Municípios,  as regras fiscais disciplinares de longo prazo e o destino dos fundos constitucionais e seus recursos hoje represados.

Assim falando, parece bem e bonito. O Brasil precisa mesmo de enfrentar seu problema fiscal mas como fazer isso, produzindo crescimento econômico, é que são elas. Guedes propõe um “ato institucional”, uma reforma constitucional profunda da qual resultará o sonhado Estado mínimo dos neoliberais e a radicalização da austeridade, ignorando os problemas sociais, a pobreza e a desigualdade que, no Brasil, ainda exige atenção do Estado (inclusive para ampliar o mercado de consumo, e por tabela o crescimento).

Numa ditadura, ia bem. Mas passando pelo Congresso, o pacote será desembrulhado por partidos e congressistas levando em conta seus interesses regionais, políticos e eleitorais.

Começando esta avaliação pelo tempo de aprovação, dificilmente o pacote, ainda que mutilado, sai do Congresso antes das eleições municipais do ano que vem. Aprovar alguns pontos antes delas é briga certa com os prefeitos e candidatos a prefeito, dos quais dependem os parlamentes, clientes eleitorais.

Outra dificuldade virá do fato de terem sido propostas três distintas PECs: serão três comissões especiais em cada casa, três passagens pela CCJ e três relatores, exigindo uma articulação política e uma base parlamentar orgânica que o atual governo não tem.

O momento pré-eleitoral conspira fortemente contra a proposta que é politicamente mais bizarra e inconveniente, a de supressão dos municípios que não gerem mais de 10% dos recursos que consomem. É verdade que houve uma grande proliferação de municípios, criados após aprovação do desmembramento em plebiscito. Noves fora a banana para a vontade popular, cada novo município criou uma elite política local que negocia votos com parlamentares federais e não aceitará o retrocesso. Isso dificilmente passa.

Mas é na PEC emergencial que o pacote endurece mais, estabelecendo uma série de proibições  em situações de desajuste fiscal da União ou dos entes federados.  E quem vive com superávit no Brasil de hoje?   Esta PEC o governo quer aprovar este ano: para não desrespeitar a regra, além do crédito suplementar orçamentário antes previsto, serão agora impostas agora várias medidas de austeridade. Será proibido reajustar salários de servidores, realizar concursos, criar cargos e funções que gerem despesa nova, criar novas vantagens e penduricalhos,  criar novas despesas obrigatórias e conceder incentivos fiscais. A garantia de reajuste anual dos servidores sairá da Constituição. O BNDES também terá reduzidos os recursos oriundos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Ou seja, seca-se a principal fonte de financiamento de investimentos de longo prazo. Isso não ajuda o crescimento, pelo contrário.

O teto dos gastos, aprovado no governo Temer, para a União, passa a valer também para estados e municípios. É a aposta total na austeridade, fundamento do neoliberalismo. O pacote tem muito da receita chilena, que está dando no que se passa por lá. O problema desta concepção é que tanta austeridade deprime o consumo, não havendo renda nem folga salarial para ninguém. E não havendo consumo, nada de crescimento. Na vertente oposta estão as políticas anti-cíclicas, pelas quais nestas horas de estagnação ou recessão o Estado tem que atuar para dinamizar o ambiente econômico, garantindo crédito e realizando investimentos.

O Congresso, naturalmente, tem uma maioria alinhada ao pensamento de Guedes mas tem também suas conveniências políticas. Aceitará, por exemplo, o fim do socorro da União a estados endividados e falidos? Se não há socorro, vão simplesmente quebrar?

Aceitará o Congresso o fim das operações de crédito entre a União e os outros entes, vale dizer, o fim dos empréstimos para a realização de obras que jamais poderiam ser feitas sem ajuda federal, ainda que o empréstimo tenha de ser pago? Duvido.

Aceitará o Congresso, entre as medidas emergenciais, o corte de 25% da carga horária e dos salários dos servidores? E se o assunto bater no STF, será considerado constitucional?

Outra PEC, a do pacto federativo, promete mais recursos para estados e municípios. Verbalmente, Guedes falou em R$ 400 bilhões oriundos do leilão do pré-sal, que hoje já não foi o sucesso prometido. Só dois blocos foram arrematados, e por R$ 70 bilhões, não pelos esperados R$ 100 bilhões. Aqui tem coisas que também não serão bem digeridas pelo Congresso. Por exemplo, a fusão dos pisos para saúde (15% das receitas) e para educação (25%) numa só rubrica, podendo o governante decidir como aplicar. E se houver um surto de uma doença infeciosa, o prefeito vai fechar escolas para atender aos doentes?

Por fim, a teceira PEC acaba com boa parte dos fundos públicos, criados com finalidades específicas. É verdade que eles são muitos e captam recursos que ficam em muitos casos parados.  Existiriam mais de R$ 200 bilhões represados, que agora iriam para o pagamento da dívida pública. Quase todos foram criados por iniciativa do Congresso. Os governos é que dificultaram a aplicação dos recursos na destinação prevista. Por alguns, o Congresso vai brigar.

Enfim, são muitos os espinhos que o Congresso vai cuspir fora. E, sobretudo, dificilmente aprovará o que aceitar no tempo esperado por Guedes.

O que ele fará se a tramitação se alongar demais, e ele não colher os bons resultados econômicos prometidos, tão essenciais para garantir dividendos políticos a um presidente que deseja a reeleição, está com a popularidade em queda, enfrenta fogo alto em várias frentes e levou o pais ao isolamento internacional?

Pode pegar o boné, acusando o Congresso de sabotagem. E de Bolsonaro sem Guedes, o que será?

Como está claríssimo, a elite nacional só atura Bolsonaro por causa de Guedes e seu projeto bastante condensado neste pacote.


Texto original em português do Brasil



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