Uma rapariga nova, talvez vinda das aulas universitárias, de mochila às costas, roupa de adolescente com aqueles rasgões nos joelhos e nas coxas, fui direitinha à casa de banho e de lá saíu outra mulher.
Impecavelmente vestida de negro e sapato alto. Pronta para a dança, pronta a acolher parceiro à altura.
Que transfiguração!
Enquanto admirava aquela «mulher» cheia de corpo, lembrei-me da namorada que não tenho, que um dia destes também deve ter escovado a alma com Colgate a criou novas babilónias a erguerem-se do pó.
Aí deve ter considerado que a música é para tristes, sobretudo para homens tristes, e enviou-me um tema do Daniel Melingo, um tipo com voz de garrafão, mas que agarra a voz e os dizeres como tenazes. Não sei se foi ela que as escreveu no seu mundo de cetim e no do meu vinho marado.
A namorada que eu não tenho, sempre me disse que gostaria de viver dentro de um romance, ou de uma canção, que, pelo menos lá, passaria por coisas emocionantes.
Nesse dia a namorada que eu não tenho acordou para me deitar de um enorme tango abaixo.
Então, quando se sente só, atira-se a compor poemas de cabeça.
Eu amo a namorada que não tenho.
Ela dá-me a harmonia e o caos.
Mas desta vez fez-me apertar as partes vitais da minha anatomia, coitada, que não tinha culpa de nada.
Há letras e músicas que têm esse condão.
São umas doidas e eu gosto.
Até parece que gosto de divergir de mim mesmo, e gosto.
E aqui me vejo a olhar para o meio do salão de onde foram retiradas quase todas as mesas procurando avidamente a moçoila universitária, em vão.
Sinto um toque no ombro. Era a gaja.
– Vem dançar comigo.
Levantei-me e vi-me ao nível dos ombros dela.
– Não posso, como afocinho no teu pescoço? Como alegro essas orelhinhas? Esta dança é tão sensual, tu és tão sensual, e com este desnível acabaria mordido por ti, quando deveria ser o inverso.
Ela agarrou-me e com força colou-me a si.
O resto, meus caros, digamos que foram conversas de papel que ficam no papel para o papel conversar com outros papeis.