Qual o lugar do humanismo e das humanidades na sociedade da tecnociência? Basta-nos hoje uma formação científica e técnica? Pode a economia prescindir da ética? Pode a criança e o jovem prescindir da música e da literatura na sua formação? Podemos deitar para o caixote do lixo da história o riquíssimo património cultural que a nossa espécie criou e ficarmos, agora, reduzidos ao mundo financeiro, tendo como meta de vida apenas o lucro e o acumular de riqueza material? Podemos, todos nós, continuar a viver assim, com um “cancro silencioso” que vai, lentamente, alastrando sob a forma da indiferença, da violência, da desigualdade e da exclusão?
A filósofa norte americana Martha Nussbaum[1] desde há vários anos que tem chamado a atenção para este tipo de problemas e é hoje uma das referências na discussão sobre a crise das humanidades que é, consensualmente, considerada como a crise da democracia. O alcance desta crise e os seus riscos são superiores aos da crise financeira pois é uma crise que toca naquilo que é essencial a qualquer ser humano: o sentido da vida.
Na verdade, sem educação, sem a capacidade de pensar de forma rigorosa e sem espírito crítico, facilmente nos tornamos escravos, submetidos a novos totalitarismos, aqueles que foram temidos de um lado (comunismo) e que agora se tornaram reais do outro lado (o capitalismo). É cada vez maior o número de pessoas que fica sem habitação, sem comida, sem segurança. Crescem os ataques à liberdade de expressão, floresce o pensamento único e o “grande irmão” que controla, amedronta e submete, está aí, com vários nomes. Há um novo totalitarismo que se impõe, embora de formas mais subtis! Há, também, uma nova escravatura que lhe está associada.
Ora, o desenvolvimento humano não existe sem educação, sem o cultivo da literatura e das outras artes, sem memória e sem informação histórica. Alimenta-se da liberdade, ou seja, do espaço público, da discussão, do contraponto de razões. Requer sempre cidadãos informados, críticos, atentos e capazes de se colocar no lugar do outro. Esta capacidade, que todos possuem, precisa de ser educada, desenvolvida, tarefa para a qual são fundamentais as artes e as humanidades. É precisamente “isto” que está em crise.
A “humanidade desumanizada” ainda tem salvação?
[1] Esta filósofa estende o campo dos seus interesses também às questões do desenvolvimento humanos, do feminismo, dos direitos dos animais e à relação entre emoções e racionalidade. A reformulação do conceito de compaixão é um dos seus contributos para o pensamento filosófico contemporâneo.