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Segunda-feira, Setembro 16, 2024

ECA 30 anos: “O futuro está no sorriso de uma criança”

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Sob os ventos da luta pela democracia, culminando com o fim da ditadura em 1985, e no embalo da Constituição Federal, promulgada em 1988, garantindo educação, saúde e respeito às crianças e jovens, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no dia 13 de julho de 1990, Lei 8.069/1990. O que mudou na vida das crianças e adolescentes nesses 30 anos?

Terrivelmente combatido pelos setores conservadores, o ECA mudou o conceito de infância e adolescência, reconhecendo-os como pessoas em desenvolvimento e, portanto, necessitando de proteção da família, do Estado e da sociedade. Infelizmente não é bem o que acontece no Brasil.

Um país que não cuida de suas crianças e jovens está fadado ao fracasso como nação soberana, comprometendo o seu futuro”.

Ela lembra que ao contrário da pregação dos setores da sociedade que defendem a repressão a essa parcela da população, “o ECA instituiu direitos e deveres e inclusive medidas socioeducativas para adolescentes infratores”.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existiam no Brasil, em 2019, mais de 69 milhões de pessoas de zero a 0 a 19 anos. Já o estudo “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2020”, da Fundação Abrinq, apresenta dados nada alentadores.

Segundo o levantamento, em 2018, 46% das crianças e adolescentes de zero a 14 anos viviam em situação de pobreza. E para piorar, ainda segundo o estudo, ocorreram 9,8 mil homicídios contra pessoas de zero a 19 anos, em 2018, sendo que 80% das vítimas eram negras. No caso de mortes por policiais, 27,2% das vítimas foram pessoas entre zero e 19 anos no mesmo período.

Como mostra o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a violência doméstica atinge em cheio as crianças e adolescentes de diversas formas. “Para a sociedade parecer ser mais fácil reprimir, violentar, encarcerar, punir ou até matar do que educar”, analisa Luiza Bezerra, secretária da Juventude Trabalhadora da CTB.

A nova indicação do desgoverno de Jair Bolsonaro para o Ministério da (falta de) Educação, Milton Ribeiro comprova as palavras da sindicalista. Ribeiro defende castigos físicos em crianças como método de educação e a submissão da família ao patriarca, haja o que houver. Qualquer semelhança com o século 18, não se trata de mera coincidência, é retrocesso mesmo

Essa situação catastrófica ocorre com a existência do ECA, imagine se ele fosse revogado como querem os setores interessados em encher as cadeias de adolescentes de famílias pobres e enxergam a punição e a vingança como o jeito de lidar com questões humanas”

 

Assista o vídeo sobre a importância do ECA

Para Ricardo Augusto Yamasaki, professor e advogado, especialista em direitos da criança e do adolescente, “o estatuto é um marco legal importantíssimo e um avanço, exemplar a muitas outras legislações”. Segundo ele, o ECA “ajudou e continua a contribuir com o país para uma cultura de direitos relativos à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, formação profissional, cultura e de respeito à dignidade, à liberdade e à convivência familiar e comunitária em favor de crianças e adolescentes”.

A falta de eficácia na prática da lei pelo respeito à vida das crianças e adolescentes ocorre “muito pela falta de interesse político, como também, pela má interpretação do ECA, em sua aplicação”, analisa Ricardo.

Isso porque ainda existem no país, 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos explorados pelo trabalho infantil, como mostra o IBGE e 1,7 milhão, em idade escolar, fora da escola.

Como assinala. Michele Rocio Maia Zardo, procuradora de Justiça que coordena o Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente e da Educação, a estratégia de punição e descaso com a educação custa caro aos cofres públicos.

Segundo Michele, “um adolescente internado, cumprindo medida socioeducativa, custa aos cofres públicos entre R$ 9 mil e R$ 14 mil por ano, enquanto que, se inserido no sistema de ensino, o custo é de R$ 4 mil pelo mesmo período”. Mas o projeto do desgoverno Bolsonaro é não ter educação para as filhas e filhos dos mais pobres.

“A falta de vontade política impede a implementação de políticas públicas com mais investimentos em educação e espaços para as crianças desenvolverem plenamente todo o seu potencial”, sinaliza Flora Lassance Briosche, secretária de Políticas Sociais da CTB-BA.

Ela acredita ser necessário “maiores investimentos nos Conselhos Tutelares (órgãos responsáveis por promover os direitos das crianças e adolescentes) e em educar a sociedade para uma visão de respeito às crianças e adolescentes”.

Antes do ECA, argumenta Flora, “o Código de Menores preocupava-se em manter a ordem social a qualquer custo, encarcerando qualquer criança ou adolescente em dita situação irregular – leia-se filhos de famílias pobres”. Isso mudou, mas “o enfoque neste momento da vida do país está na repressão”, acentua. “O Estado esqueceu o compromisso com a proteção e a prevenção de violações”.

Victor Frota, secretário de Políticas Sociais da CTB-DF, acredita que o ECA “deveria nortear todas as políticas públicas pelos direitos das crianças e adolescentes, mantendo suas vidas protegidas e em segurança” e proporcionar “a todos uma vida com educação, saúde, acesso à cultura, ao lazer e ao esporte com escola em tempo integral para valer e com infraestrutura suficiente para todo o processo de ensino e aprendizagem”.

Flora afirma que esses “desafios já existiam antes da pandemia do coronavírus e agora se tornaram maiores” porque “no Brasil, assim como no mundo inteiro, a pobreza afeta mais as crianças do que o resto da população e a pandemia agrava a vulnerabilidade de crianças e adolescentes”.

Para Ricardo, os “conceitos, princípios e diretrizes” do ECA “já fazem parte do consciente e do inconsciente das pessoas que é o maior objetivo de uma lei”. De acordo com o advogado, “a sua aplicação, contudo, que muitas vezes depende de questões orçamentárias é que precisa ser revista” e se “o princípio da proteção integral ainda passa longe no dia a dia de muitas pessoas já é reconhecidamente, o princípio dos mais importantes da lei”.

Mas “a defesa da vida das crianças e adolescentes deve ser prioridade absoluta para uma nação que almeje uma sociedade democrática com cidadãs e cidadãos conscientes de seus direitos e deveres para a vida ser digna para todas e todos”, finaliza Vânia. “O futuro está no sorriso de uma criança”.


Texto em português do Brasil


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