Diário
Director

Independente
João de Sousa

Quarta-feira, Abril 17, 2024

Ensino a distância sem diálogo e sem estrutura aprofunda a exclusão socioeducacional

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Por causa do isolamento social e consequente suspensão das aulas nas escolas da maioria dos estados, já que o governo federal não faz nada para conter a pandemia – aliás Jair Bolsonaro não faz nada há bastante tempo – a bola da vez é a implantação de ensino a distância (EaD) para suprir a falta de aulas.

Ao completar um ano à frente do Ministério da Educação (MEC), Abraham Weintraub não consegue responder aos anseios da sociedade sobre educação pública, “tão fundamental para o desenvolvimento do país para superar a profunda desigualdade existente”, diz Marilene Betros, secretária de Políticas Educacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Em meio à pandemia do coronavírus a inépcia do ministro desnudou a visão privatista do governo federal e da maioria dos governadores e prefeitos. O setor público desponta como única saída para o efetivo combate à nova enfermidade, que assola o planeta.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma a existência de 154 milhões de estudantes sem aulas na América Latina e Caribe por causa da pandemia.

Por causa do isolamento social e consequente suspensão das aulas nas escolas da maioria dos estados, já que o governo federal não faz nada para conter a pandemia – aliás Jair Bolsonaro não faz nada há bastante tempo – a bola da vez é a implantação de ensino a distância (EaD) para suprir a falta de aulas.

“O problema é a forma como estão fazendo esse EaD sem levar em conta que mais de 40% dos estudantes não têm acesso à internet. Muitos não possui sequer computador em casa”, afirma Francisca Pereira da Rocha Seixas, secretária de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo.

Marilene lembra a intenção demonstrada pelo MEC em “implantar o EaD em todos os níveis de ensino, desconsiderando a importância do contato entre crianças e jovens com a orientação de educadoras e educadores para o processo de ensino aprendizagem surtir os efeitos necessários para que esses estudantes se transformem em adultos plenos e conscientes”.

Além do mais, de acordo com as duas professoras sindicalistas, os governos estaduais estão implantando esses EaDs sem dialogar com a sociedade sobre como isso deve ser feito para essa atividade complementar ser considerada para o calendário letivo.

Nenhum estado está mostrando um plano de ação pedagógico eficaz para a realização de aulas a distância e sem isso tem pouca efetividade na disseminação de novos conhecimentos, necessários para a vida dos jovens e da sociedade”.

Todos os especialistas apontam para um aprofundamento das desigualdades porque boa parte da sociedade é excluída do mundo digital. Para Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da CTB e secretária-geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia, o serviço de internet no Brasil está entre os mais caros e mais lentos do mundo.

“Implantar EaD num país com tamanhas desigualdades mostra que esses governantes não conhecem os estados que administram e não têm noção do grau de concentração de riqueza existente no Brasil”, reforça. “Não é porque as pessoas têm celular e WhatsApp que possuem acesso fácil à internet”.

Já Francisca, que também é diretora da Secretaria de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), conta que nem mesmo em São Paulo, o estado mais rico da nação, as escolas públicas possuem infraestrutura para a adequação do EaD.

Além disso, diz ela, “de maneira nenhuma o EaD substitui as aulas presenciais. Mesmo com toda a estrutura necessária as crianças e os jovens necessitam de contato humano e troca de saberes para ampliar a sua formação, em todos os níveis de ensino”.

Na realidade, a implantação do EaD sem um amplo debate com toda a sociedade e, principalmente com os profissionais envolvidos e com os estudantes e seus familiares, atende apenas “os interesses dos barões da educação para aumentar seus lucros e difundir as ideias do capitalismo predador, acabando com todo planejamento pedagógico voltado para o conhecimento e para a preparação para a vida da infância e da juventude”, assinala Raimunda Gomes (Doquinha), secretária de Comunicação da CTB.

Os estudantes de escola pública correm inclusive o risco de não conseguir inscrição para o Exame do Ensino Médio (Enem) porque o calendário letivo não terminará antes das realizações das provas determinadas pelo MEC”.

Além de todos esses fatores, “a implantação do EaD em nosso país”, afirma Vânia, “precisa levar em conta as diferenças regionais e culturais de um país gigante como o nosso” e “conhecer as diferenças das realidades na cidade e no campo também é fundamental”.

Porque “se não levarmos em conta a diversidade brasileira e a necessidade de superarmos as desigualdades, somente aumentará a exclusão socioeducacional já enorme no país”.

É necessário combater também as reduções salariais promovidas por prefeitos e governadores, salienta Francisca. Principalmente “professoras e professores em regime de contratação temporária que perdem seus empregos ou vêm seus salários dramaticamente reduzidos compulsoriamente”.

Acesso à internet

Uma pesquisa Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), divulgada em 2019, aponta para 58% dos domicílios no Brasil sem acesso a computadores e 33% sem internet. No campo, quase a metade das escolas não têm acesso à internet e quase nenhuma residência.

“Com esses dados”, analisa Marilene, “é impossível desenvolver um EaD com respostas adequadas para todo o sistema de ensino, porque as crianças e jovens precisam interagir plenamente para um efetivo desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem de forma a construir a autonomia e a consciência plena de cidadania”.

Como se vê, sinaliza Doquinha, “o Brasil precisa resolver seus problemas de desigualdade social e de inclusão digital para pensar em ensino a distância/’, então, “primeiro é necessário construir um Sistema Nacional de Educação que abranja toda a sociedade e a nossa diversidade, para haver uma interação democrática de todos os setores envolvidos na educação”.


Texto em português do Brasil


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

 

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -