– Por mais que multiplique os cremes e diversifique as gravatas, fico sempre com a mesma tromba. Há aqui algo que não é natural!
– E chora? – perguntou ela, a mostrar-se ligeiramente interessada pela matéria.
– Não minha querida, posso trata-la por querida, não posso?…não…olho-me e vejo o meu quadro fisionómico destruído, mas mesmo assim não consigo chorar, só tremer.
– Tremer? Tremer de quê?
– De ira.
Então, levantando-se, com repentino furor adjectivou o seu espelho de batoteiro.
– Centenário, é centenário meus amores, mas batoteiro, bandoleiro e, sobretudo, ingrato.
E então estava decidido: vou denunciá-lo ao Mundo!
-Olhe, comece por aqui. Suba ao palco e fale para todos. Aproveite que a casa está cheia.
As outras amigas incentivaram-no:
– Vá lá amigo, vá lá.
Um homem, já meio bêbado, que noutra mesa também assistiu à conversa, espicaçou-o de forma irresistível:
– Sim homem, avance, denuncie esse cabrão, vá lá, faça parte da tribo dos intensos.
E foi assim que o ironista anunciou ao microfone que estava decidido a desonrar uma relíquia secular da família, numa crónica, numa rábula dolosa, sobre as esperanças que enganam, e que iria terminar a mesma levantando questões muito pertinentes e importantes, próprias da veia de um escultor de palavras sitiado:
Em Arte, meus caros, seja ela qual for – assim o revelarei/denunciarei – só há três perguntas possíveis:
Quem Sou Eu?
Quem És Tu?
Que Merda Vem A Ser Esta?