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Quarta-feira, Setembro 3, 2025

Funcionários da saúde suspeitos da morte de doentes com Hepatite C

galicia
A Fiscalía (equivalente à Procuradoria-Geral) de Santiago de Compostela atribui a estes funcionários dois delitos de homicídio por “grave imprudência profissional”.

Trata-se da primeira vez que as autoridades do país vizinho instauram um processo desta natureza (fonte jornal El Mundo). Desde Março de 2015 que a Fiscalía investigava o Servizo Galego de Saúde (Sergas) por causa das restrições e atrasos na autorização para aplicação dos novos tratamentos surgidos, destinados a pacientes com hepatite C.

Em Janeiro, o tema chegou ao tribunal e um dos inspectores, bem como um dos magistrados de Santiago de Compostela, avançaram com a investigação.

Cortes nos tratamentos podem ter levado à morte dos pacientes.

Fontes judiciais contaram ao jornal espanhol que o inspector concluiu que os responsáveis eram dois altos cargos da Consellería de Sanidade da Xunta galega: um antigo director de Assistência Sanitária e a sub-directora de Farmácia. Ambos estão acusados pela Fiscalía de homicídio por negligência, o que levou à ordem de interrogatório. Outro dos delitos é o de prevaricação.

Esta acusação da Fiscalía tem como origem uma queixa apresentada por uma organização médica chamada Batas Blancas, devido às restrições impostas pelas autoridades sanitárias da Xunta de Galícia face aos novos tratamentos contra a hepatite C.

Em colaboração com esta associação de médicos, a Plataforma de Afectados por la Hepatitis C da Galiza também participou ao fazer a queixa. O porta-voz desta associação, Enrique Costas, manifestou satisfação pela decisão da Fiscalía e acusou: “os cortes matam, literalmente”.

Costas sublinhou que “há mortes que são consequência das políticas baseadas exclusivamente em questões orçamentais”, nas quais “se prescinde do critério médico com base numa decisão política, que permitiu que pessoas morressem”, frisou.

Autoridades galegas insistem na inocência dos funcionários acusados

Por sua vez, o conselheiro de Saúde da Xunta galega, assegurou ao El Mundo que as autoridades estão “tranquilas” porque “sempre utilizaram critérios clínicos com todos os pacientes”. Este responsável afirmou que a Xunta forneceu às autoridades judiciais toda a informação solicitada e que os altos cargos que são alvo das suspeitas ainda não foram notificados para prestar declarações.

O responsável da Saúde na região galega referiu que se trata de pacientes que padecem durante anos da doença e que a mortalidade “é sempre alta”, mas insiste que o departamento já começou a administrar novos tratamentos recorrendo a um “estrito protocolo” e que na sua administração se utilizaram critérios clínicos.

Defendeu a inocência dos dois altos funcionários, de quem destacou “o grande esforço durante todo este tempo”. Quanto ao tipo de critérios, acrescentou que o objectivo é que todos os que necessitam deste novo tratamento tenham igual acesso, um critério aplicado a nível nacional em toda a Espanha.

O tratamento mencionado no El Mundo é o Sovaldi, cujo princípio activo é a molécula sofosbuvir, utilizada com outros fármacos para combater a hepatite C.

Comercializado desde 2013, em comparação com outros tratamentos, a taxa de cura apresentada é maior, os efeitos colaterais são em menor proporção e a duração da terapia é menor.

O custo de um tratamento com sofosbuvir pode oscilar entre os 84 mil e os 168 mil dólares nos EUA e 35 mil libras no Reino Unido. Na Alemanha, graças a um acordo entre a farmacêutica e empresas de seguros de saúde, o custo ficou estabelecido em 41 mil euros.

O tratamento dura doze semanas. O preço cobrado gerou controvérsia, o que levou a farmacêutica responsável a anunciar que estava disposta a fazer acordos com vista à comercialização da molécula enquanto genérico em 91 países em desenvolvimento, para baixar o custo final.

Em Espanha, o custo do tratamento com sofosbuvir ficou pelos 13 mil euros por paciente, afirmou Javier García-Samaniego, hepatologista do Hospital La Paz-Carlos III de Madrid, citado pelo jornal El País, no decorrer de jornadas sobre a doença em Abril deste ano, no país vizinho.

O ministro espanhol da Saúde, Alfonso Alonso, aprovou um plano para o tratamento da doença, cuja meta é tratar 52 mil infectados em três anos.

Faltando dois para cumprir o prazo, vários hospitais por toda a Espanha dizem que o ritmo dos tratamentos está a decorrer depressa, e que em várias regiões espera-se que todos os infectados tenham recebido o tratamento. De acordo com os médicos, estima-se  em 475 mil os doentes com hepatite C, dos quais apenas um terço está diagnosticado em Espanha.

Portugal: doentes de hepatite C também exigiram acesso aos tratamentos em 2015

“Senhor ministro, não me deixe morrer”, gritou José Carlos Saldanha, doente de hepatite C, na Comissão de Saúde da Assembleia da República, em Fevereiro de 2015. O apelo, dirigido ao então ministro da Saúde, Paulo Macedo, deveu-se à demora na aplicação do tratamento inovador contra a doença, com a molécula sofosbuvir; nessa reunião, a deputada do PCP, Paula Santos, invocou a morte de uma paciente com 51 anos, que esperara quase um ano pelo tratamento com o fármaco, polémico devido aos elevados custos. O ministro da Saúde do Governo de Pedro Passos Coelho foi confrontado não só com o tema, mas também com o pedido deste paciente, que lutava há 18 anos com a doença e dizia ter uma cirrose descompensada.

Depois do seu apelo, José Carlos Saldanha, membro da Plataforma Hepatite C, que assistia à Comissão de Saúde como visitante, aceitou abandonar voluntariamente a mesma, enquanto 50 pessoas protestavam no exterior do Parlamento contra a falta de acesso aos tratamentos.

O paciente chegou a dizer: “o que se está a fazer é um genocídio. Estou na fila para morrer como a mãe do David”, acusou. O deputado social-democrata, Miguel Santos, presente na Comissão, chegou a acusar os pacientes de quererem “criar um incidente” para justificar o pedido para saírem, numa reunião tensa e com troca de acusações.

Paulo Macedo, embora argumentando que o seu ministério tinha “claramente o interesse de introduzir o medicamento” alegou a existência de “preços monopolistas” mas comprometeu-se a resolver o caso pessoalmente.

Nesse mesmo mês, o Estado e a farmacêutica que detém o sofosbuvir assinaram um acordo para tratar todos os doentes portugueses com hepatite C. De Janeiro ao final de Julho desse ano, “foram autorizados no total 5870 tratamentos para a hepatite C”, dos quais 5420 com o fármaco em questão (fonte jornal O Público, citando dados do Infarmed, a Autoridade Nacional do Medicamento).

O preço final nunca foi divulgado, devido às exigências de confidencialidade feitas pelo laboratório; porém, no início, chegaram a ser pedidos perto de 48 mil euros por tratamento, e calcula-se que o preço em Portugal tenha ficado abaixo dos 20 mil euros.

Em Setembro de 2015, José Carlos Saldanha foi dado como curado, num total de 107 pacientes que concluíram nessa altura o tratamento da hepatite C com o sofosbuvir. Apenas dois pacientes não tinham ficado curados, afirmou na altura o Infarmed, citado pelo jornal Sol.

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