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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Haja vergonha, meus senhores, haja vergonha!

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

CGD - O salário, escolhido e definido por Mário Centeno para António Domingues, não é apenas de 423 mil euros anuais, pois é, ou pode ser, acrescido de mais 50%

Sobre as questões do vencimento milionário do novo Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos e da dispensa da apresentação pelos seus administradores da respectiva declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, têm sido escamoteados uma série de pontos essenciais, que importa relembrar e sublinhar.

O salário de António Domingues

Antes de mais, o dito salário, escolhido e definido a dedo por Mário Centeno para António Domingues, não é apenas de 423 mil euros anuais (ou seja, um vencimentozito de €30.214 x 14 meses ao ano…) pois é, ou pode ser, acrescido de mais 50%, ou seja, €211.500,00 a título de prémio de produtividade, representando nesse caso um valor que significa cerca de 90 vezes o salário médio dos funcionários da Caixa e uma remuneração mensal média de €45.285. Mas não só! Acrescem ainda toda uma série de mordomias como, por exemplo, a da viatura topo de gama para uso total e a das despesas de representação. E ainda não é só! É que o mesmo António Domingues receberá também, a partir de Dezembro deste ano (data em que perfaz 60 anos), uma reforma vitalícia do BPI – de onde saiu, logo após garantir tal benefício, para a Presidência da Caixa – capitalizada em… 3 milhões de euros!

As três dispensas

Mais! A dispensa sorrateiramente decretada pelo Governo não é apenas da apresentação, por estes gestores públicos, junto do Tribunal Constitucional da sua declaração de rendimentos, mas também – pasme-se! – da declaração de incompatibilidades e impedimentos, na Procuradoria Geral da República e – pasme-se ainda mais! – da declaração das participações em qualquer empresa, junto da Inspecção Geral das Finanças. Três dispensas estas destinadas claramente a garantir a opacidade e o segredo do que cada um dos novos gestores da Caixa ganha dali e de outros lados e a que interesses conflituantes pode ou não estar ligado.

Os desplantes

E, supremo dos desplantes, isto sob a justificação “legal” de a Caixa Geral de Depósitos ser uma das instituições de crédito integradas no Sector empresarial do Estado qualificadas como “entidades supervisionadas significativas”.

Ora, convirá relembrar que todas estas coisas ocorrem num país em que, segundo um estudo da Proteste relativo a 2015, os gestores de empresas que integram o PSI-20 (ou seja, as maiores e mais importantes cotadas em bolsa) auferiram remunerações de valor entre 30 e 70 vezes mais do que o dos salários dos trabalhadores dessas mesmas empresas e, só no referido ano de 2015, receberam um acréscimo de bónus e salários superior a 14%! Num País que, de acordo com o estudo da própria OCDE “Perspectivas de Emprego 2016”, é o 9º, duma lista de 25 países da OCDE analisados, com salários mais baixos e o 10º, numa lista de 38, com o maior número de horas trabalhadas por ano (1868). Salários mais baixos do que os dos trabalhadores portugueses na zona euro só em 3 países (Eslováquia, Estónia e Letónia), sendo que dos tais 35 examinados o pior de todos é o México. E por alguma razão as grandes multinacionais norte-americanas, designadamente da área da informática e da comunicação, preferem instalar as suas grandes fábricas em verdadeiros “paraísos” da exploração e do terror, como Juarez, por exemplo.

Este é ainda o país em que o Presidente do Conselho de Administração mais principescamente pago até ao momento, Vieira Monteiro, se aposentou num dia, com uma reforma milionária, da Caixa Geral de Depósitos para ir no dia seguinte para o Santander, onde agora se encontra. Caixa essa que, por seu turno, paga por ano mais de 2 milhões de euros em reformas milionárias, atribuídas por escassos anos de exercício de funções, a 17 ex-administradores, em plena vida activa noutras empresas e até noutros Bancos (de Celeste Cardona, Almerindo Marques e Mira Amaral a Faria de Oliveira, João Salgueiro e Tomás Correia, sendo este ex-Presidente do Montepio Geral e actual Presidente da Associação Mutualista proprietária do mesmo).

Ficámos também entretanto a saber que Sérgio Monteiro, em Agosto de 2015 (ou seja, em pleno processo de privatização da TAP para a sua entrega de mão beijada à empresa de David Neelman e Humberto Pedrosa, testa de ferro do primeiro), perdoou a 2 empresas do Grupo Barraqueiro do mesmo Humberto Pedrosa quase 19 milhões de euros (9,9 milhões à Rodoviária de Lisboa e 8,8 milhões à Transportes ao Sul do Tejo), anulando a devolução de tais valores pagos a mais, a título provisório, em 2012 e 2013, como “compensações” relativamente aos sistemas do passe social.

E tudo isto num país em que, segundo o estudo de Carlos Farinha Rodrigues “Desigualdade de rendimentos e de pobreza em Portugal: 2009-2014”:

  • 10% dos mais pobres perderam nesse período 26% dos seus rendimentos;
  • 10% a 20% dos mais pobres perderam 15,5%.

Ao que acresce ainda a situação de pobreza das crianças que subiu exponencialmente, atingindo 1 em cada 3 e os 173 mil deficientes que recebem menos de €180 por mês.

O Orçamento de Estado, por um Governo de “esquerda”

E querem-nos fazer parecer natural que, por exemplo, com o Orçamento de Estado para 2017, apresentado por um Governo dito de “esquerda”, as pensões até €638 tenham um aumento de €10 mas excluindo desse aumento – e sob o argumento de que já haviam sido elevadas pelo Governo PSD/CDS… – as pensões sociais de €202, as pensões rurais de €201 e as pensões mínimas até €263 mensais!

E enquanto os especialistas e os “opinion makers” elogiam e justificam a remuneração de mais de €1.500 POR DIA do Presidente da Administração da CGD, acrescida da sua reformazita do BPI de 3 milhões, o Ministério Público do Tribunal Criminal do Porto pede prisão efectiva para um jovem de 30 anos acusado de furtar quantias entre €0,80 e €10, num total de €14 (catorze euros!)…

É esta a democracia e a justiça social de que tanto esta “esquerda” fala?

É mesmo é um “fartar vilanagem!”… Haja vergonha, meus Senhores, haja vergonha!

Nota do Director

Os artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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