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Sexta-feira, Março 29, 2024

III Guerra Mundial

Carlos Ademar
Carlos Ademar
Mestre em História Contemporânea, escritor e professor na Escola da Polícia Judiciária

Mestre em História Contemporânea, escritor e professor na Escola da Polícia Judiciária

Pois é, estamos em guerra! Lamento, mas não admiti-lo é fechar os olhos à realidade. Não é uma guerra convencional, em que as tropas de um e do outro lado se confrontam uma e outra vez até o assumir da derrota por uma das partes. Podemos dizer que se ajusta mais ao que se convencionou chamar guerra de guerrilha, em que uma das partes, reconhecendo não ter força suficiente para se confrontar directamente em campo de batalha com o inimigo, o vai atacando de surpresa em variadíssimas frentes. O objectivo é produzir o maior número de vítimas possível, sem que isso implique meios humanos e materiais de elevada monta, provocando, contudo, um desgaste generalizado nas sociedades pela instabilidade que a ameaça constante gera.

Nesta perspectiva, esta guerra mundial é muito diferente das duas que a antecederam. Nas primeiras, sabia-se onde estava o inimigo, sabia-se onde lhe ir dar luta. Na guerra que vivemos o inimigo não tem um poiso; tem o mundo ou grande parte dele à sua disposição. Em qualquer lugar pode ser gerada uma célula de pequenas dimensões, 3, 4 ou 5 pessoas, que pode actuar uma, duas ou mais vezes em função da luta que lhe for dada ou não, por incúria ou incompetência. Se esta célula for eliminada, outras nascerão noutros locais, prontas a semear o terror na sua zona de actuação e, devido aos meios de comunicação social, em qualquer lugar do planeta.

Trata-se, por isso, verdadeiramente, de uma guerra mundial, não poupemos nas palavras, porque a abrangência é global e o que move quem actua maleficamente em Bali, Paris, Mali, Madrid, Nigéria, Londres, Nova Iorque ou em Bruxelas é o mesmo. E o mesmo nada tem que ver com um conflito civilizacional, como alguns defendem. A guerra não é do mundo contra o islamismo, a guerra é do mundo contra o extremismo religioso, neste caso islâmico. E é preciso que este aspecto fique bem claro e que por todos seja entendido, porque, analisando rapidamente o passado recente, verificamos que o fundamentalismo islâmico tem vindo em crescendo nas últimas dezenas de anos.

Quem, há dez anos, pensaria ser possível a existência de um vasto território dominado pelos mais extremistas do fundamentalismo islâmico, o autoproclamado “Estado Islâmico”, ou mais propriamente Daesh?

Poucos iriam tão longe e se o idealizassem, tal não poderia ser levado muito a sério, porque os elementos existentes na altura não o deixavam antever. No entanto, ele existe em território da Síria e do Iraque, com a Líbia disponível ali tão perto a ser já infiltrada; vive da venda do petróleo que ali se explora e que alguém compra, e irradia o fervor radical, os ensinamentos e os meios para que as tais células floresçam nas grandes capitais do mundo e em muitos países africanos e asiáticos.

As intervenções militares do Ocidente no mundo islâmico, independentemente das razões, não cuidaram de vincar devidamente a diferença entre crentes islâmicos e terroristas islâmicos e deviam tê-lo feito. Era mesmo fundamental que o fizessem. De facto, são quase sempre os interesses económicos, embora disfarçados com valores elevados (a defesa dos direitos humanos e alegadamente para imporem regimes democráticos tipo ocidental) que as geraram.

Mas na verdade, a generalidade da população teve dificuldade em as compreender e reagiu negativamente. Se algumas elites locais beneficiaram, porque foram depostos os ditadores que não lhes davam o espaço que elas entendiam ter direito e fizeram agitar algumas bandeiras por isso, o povo, uma vez mais, nada beneficiou. No fim, o Ocidente foi ganhando mais inimigos, porque os radicais souberam aproveitar este descontentamento para engrossarem o grupo dos seus incondicionais seguidores.

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Também os ataques que o Daesh tem levado a cabo no Ocidente, têm contribuído para que as populações muçulmanas aí radicadas sejam olhadas de lado, acabando por se marginalizar ou serem marginalizadas pelos vizinhos, por analogia com os terroristas. Esta marginalização leva a que se torne mais fácil por parte dos extremistas a radicalização, particularmente de jovens desenquadrados socialmente, quase sempre com passado criminal pela prática de crimes comuns. Também nesta estratégia o Daesh tem saído vencedor.

Chegados a este quadro, em que reina o pânico, em que ninguém pode dizer convictamente que está livre de ser apanhado no local errado à hora errada; em que o chamado “Estado Islâmico” parece pujante e continua a ser o sol que ilumina grande parte dos extremistas islâmicos do mundo, é absolutamente necessário dar-lhe combate sério para o eliminar rapidamente. Porém, os actos militares têm de ser acompanhados por outro tipo de intervenção que leve a mensagem, repetida à exaustão, de que a guerra não é de civilizações, a guerra é contra os extremistas que já deram bastas provas de o ser e não olham a meios para cumprir o seu desiderato: incutir o terror em todo o mundo pelos actos bárbaros que cometem à frente de câmaras de vídeo para depois os divulgarem a nível global.

O mundo não pode ficar refém destes terroristas, mas a sua destruição não pode descurar a sensibilização do mundo islâmico, marcando uma linha bem visível de separação entre uns e outros. Caso contrário, daqui a dez anos a difusão do radicalismo será ainda maior, assim como o seu grau de destruição.

O que tem dividido o Ocidente nesta matéria, a Síria e o seu presidente, é neste momento um pormenor face à gravidade que representa a existência do Daesh. Razão tem Assad quando afirma que o Ocidente é o responsável pelo nascimento do “Estado Islâmico” porque tem tido o foco no regime sírio, enquanto o terrorismo foi ganhando força e espalhando o terror, a destruição e a morte. As hesitações e divisões existentes no seio de quem se devia unir para levar de vencido o terrorismo; o finge que faz mas não faz e os jogos de interesses, sempre se sobrepuseram à questão vital e urgente: destruir o Daesh.

É nossa convicção que, com as devidas cautelas para evitar os danos colaterais (que têm sido aproveitados pelos radicais para ganharem o apoio das populações) deixando bem claro que a acção militar não é contra o Islão, mas contra os terroristas; pensando atempadamente no dia seguinte e não deixando aqueles povos e terras entregues à lei do mais forte, a destruição do “Estado Islâmico” contribuirá fortemente para a solução do problema em termos globais.

Ao faltar-lhes o sol que os ilumina, os inúmeros núcleos de extremistas, disseminados pelos muitos países em vários continentes, verão o ânimo esbater-se naturalmente. Poderá não dispensar uma actuação mais musculada das respectivas autoridades contra os mais renitentes, podendo isso, no caso europeu, implicar a suspensão temporária dos Acordos de Schengen para inviabilizar a mobilidade, dada a condição de cidadãos europeus de alguns jihadistas.

Não nos parece, contudo, uma tarefa difícil de conseguir em cada um dos países, sendo certo que todas as manifestações de apelo ao radicalismo, que tem sido levadas a cabo em algumas mesquitas no continente europeu, devem ser duramente punidas, nunca perdendo de vista a fundamental linha de separação entre a liberdade religiosa, inquestionável nas sociedades europeias, e o extremismo, esse sim, deve ser combatido sem tréguas, integrando nesse combate, sempre que possível, as comunidades muçulmanas.

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