É a quarta vez, conta-nos a prosa de Rute Coelho, que a Inês foge para os braços de quem lhe tem amor. Ela 15 anos, ele 45, e volta a volta Inês desencanta-se de todos os lugares para o encontrar em sabe-se lá que abraço enroscado.
Inês foi posta fora da casa onde nasceu porque não era a sua casa: ali não havia amor bastante, nem sorriso, só feros e descuidos. Ninguém, imagina-se, lhe aconchegava os cobertores ou lhe beijava a testa. Calhando, aos quatro já trepava aos armários à procura de bolachas para atrapallhar a fome.
Um dia, sem sabermos como, terá dado com os olhos num rapaz e foi com ele que quis estar. Não é raptada a não ser pela polícia, que não tem vontade nenhuma de a ir tirar ao amplexo que a recebe. “O que se faz a uma criança que diz estar melhor com a pessoa com quem foi encontrada do que com a família?”, suspira fundo a fonte, que diz à repórter, sem dizer, “deixem-na em paz”.
Inês só procura o amor. É justo que se defenda Inês porque Inês ama e sabe-lhe bem o afecto. Desta vez saiu de Fátima a correr e não se imagina onde pára. Das grades do lar onde fora enfiada nunca ela nos contará se via lânguida um santuário ou uma oliveira – ali era apenas uma prisão. A fuga foi tão apaixonada como as de Peniche: a porta do lar um mar encrespado, a porta do quarto uma cela que serrou com os dentes afiados da paixão.
Não há autoridade que a condene, conta Rute Coelho: estão todos a torcer para que Inês faça 16 anos e decida sem leis a vida com o homem que lhe deu amor e a quem ela o dará, decerto.
Não estamos lá para ver as lágrimas do reencontro, nunca nos deixarão entrar para sorver o restolhar de lágrimas quando se abraçam em cima de uma cama, sentados, numa pensão barata onde marcaram encontro. Os Montecchi, já sabemos, só pela lei a têm de a ir buscar. Os Capuleti há muito deixaram Inês em sossego. Sua mãe apenas quer, diz, processar, processar, processar.
Um dia, daqui a uns dez anos, sabe-se lá se Inês não fugirá com um surfista do canhão das Azenhas, não se imagina se o homem que a acolhe não terá a desilusão de a ver passar do outro lado da rua, ela com 28 ele a chegar aos 60, numa amargura que, fosse poeta, transformaria em lamento.
Ou não.
Ou em 2056 Inês estará a seu lado, doce e bela, beijando-lhe meia testa e apagando o suor da febre na outra parte, suspirando os “amo-te” de despedida que os amantes temem mas desejam. Morrer apenas nos teus braços, Inês, dirá ele.