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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Lawrence da Arábia, a Síria e o Iraque

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Alexandre HonradoCumprem-se este ano cem anos exactos sobre a data em que terá sido definido o traçado de fronteiras, então conhecido pelo acordo Sykes Picot, que fixou o mapa do Médio Oriente tal como o conhecemos e que, já no nosso século XXI, tem mudado de configuração de forma violenta.

O acordo não foi feito às claras, nem de um modo a que os interessados – os habitantes das áreas geográficas afectadas pelo que foi então secretamente definido – tivessem voz activa. Foi, em contrapartida, feito de uma forma clandestina, fora da vista de todos, firmado na sua forma final em 16 de Maio de 1916, por Mark Sykes, que representava o governo britânico, e François George-Picot, delegado do governo francês. Inglaterra e França eram então as potências que mais interesses reclamavam na zona disputada.

O acordo Sykes Picot, baptizado com o nome dos dois autógrafos que o firmaram, preconizava com uma certeza que ultrapassava a mera futurologia, que, mal acabasse a Grande Guerra (1914-1918), o Império Otomano (no seu auge compreendia a Anatólia, o Médio Oriente, parte do norte de África e do sudeste europeu e que foi estabelecido por uma tribo de turcos oguzes no oeste da Anatólia e era governado pela dinastia Otomana, ou Osmanli), em particular a Síria e o Iraque, fosse dividido entre franceses e britânicos. Esta divisão seria feita à revelia das promessas feitas aos árabes.

Thomas Edward Lawrence, também conhecido como Lawrence da Arábia, Aurens ou El Aurens, arqueólogo, militar, agente secreto, diplomata e escritor britânico, mandatado para isso, apresentara um conjunto de promessas que se resumiam na criação de uma nação árabe independente em troca da ajuda que estes prestavam aos Aliados.

lawrence of arabia

Ao tornar-se público o acordo Sykes Picot – denunciado logo pelos soviéticos em 1917 – suscitou a compreensível indignação do mundo árabe.

A Síria e sobretudo o Iraque (berço da mais importante das civilizações, a Mesopotâmica), eram estratégica e economicamente atraentes para ingleses e franceses. Estabelecer poderes locais sob a sua influência tornou-se uma das suas prioridades, o que aliás aconteceu, mantendo-se esta influência mais efectiva até ao fim do século passado, permanecendo hoje na ordem do dia, com as intervenções militares europeias que verificamos todos os dias nesta zona do mundo. O Médio Oriente, assim, mantém-se na visão ambiciosa das políticas ocidentais.

Cem anos depois, assistimos a uma pretensão violenta de redefinir fronteiras locais. O DAESH, sobretudo, é o herdeiro tardio de uma história sempre adiada. O resultado da sua influência é exercido já sobre um território maior do que o Reino Unido e procura ideologicamente reivindicar a herança do Califado Islâmico, designação perdida com a queda do Império Otomano, em 1924 (sob a liderança de Ataturk que foi o pai da Turquia contemporânea).

Mas o que é um Califado? É um estado governado sob o poder de um líder supremo, religioso e político, o califa, afinal, o sucessor do profeta Maomé.

Recordo que o Califado Otomano se expandiu aos Balcãs e à Hungria (com Sulimão, o Magnífico), no século XVI, e chegou às portas de Viena.

A revelação da lista de apoiantes do Daesh, recentemente divulgada, parece no entanto reforçar ideias já consolidadas no mundo Islâmico: não há no grupo um único descendente de Maomé, nem alguém que se reclame desse consuetudinarismo. Não há uma linha religiosa. Há um exército político, movido por interesses económicos onde as principais fontes de receita são a venda em mercado negro de obras de arte pilhadas, os resgates pagos a troco de reféns de proveniência variada, a venda de petróleo.

Em suma, crime organizado sem fé mas poderoso.

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