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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Líbia: a guerra civil aproxima-se, Daesh continua a expandir-se

libia
Uma cerimónia pública de inauguração de lojas e cafés, em Tripoli, capital da Líbia, com direito a banda musical para celebrar os cinco anos da revolução, não faz prever o caos em que o país está a mergulhar.

Um artigo do Der Spiegel constata que o país está à beira de uma guerra civil: nesta cerimónia, apenas estão presentes alguns cônsules de países vizinhos, enquanto um carro de topo equipado com tecnologia capaz de anular a detonação de qualquer tipo de explosivos detonados à distância circula perto da comitiva do ministro dos Negócios Estrangeiros da Líbia, Ali Abu Zakouk.

A cerimónia continua, e em simultâneo um operador de câmara da HBO, estação norte-americana, é atacado por operacionais dos serviços secretos líbios, por alegadamente ter filmado o que não devia – um automóvel branco, embora a maioria dos automóveis daquele país tenha aquela cor.

Na verdade, prossegue o Der Spiegel, o país está dividido em dois: o auto-proclamado governo islamista baseado em Tripoli e controlado pela milícia do Amanhecer da Líbia, e o governo reconhecido internacionalmente, liderado pelo General Khalifa Haftar que comanda as Forças Armadas líbias. No meio deste embate, clãs dividem-se, a população também se divide, e florescem as milícias enquanto o Daesh avança.

Esta divisão surgiu depois das eleições ocorridas no verão de 2014, em que o governo declarou os resultados inválidos – os partidos islamistas tiveram resultados fracos. As milícias de ambos os lados enfrentam-se com cada vez mais regularidade: os combates na região de Benghazi terminaram apenas há duas semanas depois do mais poderoso general ter alinhado com Khalifa Hafltar e ter feito recuar as milícias a favor de Tripoli.

O Daesh (auto-denominado Estado Islâmico) tem neste contexto as condições ideais para conquistar mais território. Não só capturaram a cidade de Sirte, onde nasceu Khadafi, como controlam 300 kms da costa líbia, e além disso os dois governos em disputa dificilmente poderão fazer face ao Daesh; a táctica escolhida é de insistir no direito exclusivo de tomar decisões para o próprio território, além de que teriam de garantir aprovação para conseguir que tropas estrangeiras entrassem no país. Isso significaria que ambos os governos teriam de chegar a um acordo para se unirem num só. Pelo contrário, houve já milícias que afirmaram que combateriam tropas americanas caso Washington enviasse tropas para uma operação maciça no país.

Apesar dos dois executivos em conflito terem assinado um plano de paz, sob o patrocínio das Nações Unidas, em Dezembro do ano passado, com vista a formar um governo único, houve um retrocesso nessas intenções. O vice-presidente em Tripoli, Awad Mohammed Abdul-Sadiq recusa-se a aceitar os compromissos previstos no documento. Apesar de tal intransigência, a situação deste governo é frágil.

Os jornalistas da publicação alemã relatam um episódio onde tentaram, via helicóptero, chegar a Sabrata, na costa norte do país. As precauções durante o voo não tinham por objectivo evitar os combatentes do Daesh, mas os do clã Warshefana, conhecidos pela política de raptos e de abater helicópteros com armamento anti-aéreo. Sem terem sido avisados da presença de jornalistas estrangeiros, as sentinelas do aeroporto local obrigam-nos a voltarem para trás, alegando “combates intensos”. O helicóptero regressa, com mais sete civis a bordo, que esperavam uma oportunidade para serem evacuados.

Militares admitiram aos repórteres do Der Spiegel que avisaram dos riscos do avanço do Daesh, “mas nada aconteceu”, e admitem ainda que o exército “está num estado deplorável”. Ambos os governos rivais dizem que, se o outro desaparecer, 80% dos problemas ficam resolvidos.

A cidade de Misrata, que fica entre ambos os adversários é, por agora, partidária do governo de Tripoli, poderá ser a chave para saber quem vai ganhar o conflito. Nesta cidade, a população quer paz para poder prosseguir com os negócios. Mohammed Eltumi, engenheiro e líder do Lybia Business Forum quer expandir o porto da cidade, desenvolver uma zona de comércio livre e ambiciona um novo aeroporto. “Temos um grupo investidor no Koweit que quer gastar aqui 500 milhões de dólares!”, enfatiza à reportagem.

Porém, o caos que reina no país impede os planos de negócio, e enquanto o engenheiro quer levar a economia do país para o século XXI, outros querem que regrida para o século VI: o Daesh ronda a região sobretudo depois de tomar Sirte. Os habitantes da cidade foram sendo ludibriados pelos jihadistas, cujo discurso ao princípio era amigável, conta um refugiado de Sirte que vive agora em Misrata.

“Mais e mais vieram, e subitamente, no fim de Março passado, as coisas mudaram. A rádio local começou a transmitir votos de lealdade ao Daesh e canções religiosas do Iraque. Tomaram o poder e aqueles que resistiram desapareceram, ou tiveram de fugir. Abateram um dos meus filhos e rebentaram as nossas três casas. Mas eu não tenho medo. Só Deus me julgará!”, exclama.

Esta descrição do método de infiltração do Daesh coincide com a praticada em partes da Síria. Os islamistas assassinaram opositores carismáticos e estabeleceram um sistema de apertado controlo que fez com que a resistência local se tornasse impossível.

Outro aspecto comum com a Síria é que também na Líbia o Daesh foi subestimado por muito tempo. Em Misrata, descrevem os enviados do Der Spiegel, as autoridades começam a ver os perigos de terem o Daesh como vizinhos, porém, não têm meios ao seu dispor suficientes para os deter. Os reforços militares podem demorar meses, como confessou um oficial aos repórteres.

O cenário económico do país não é melhor, com a agravante da bancarrota ser um cenário cada vez mais provável, do facto das principais pipelines de combustível terem sido destruídas, de outras terem sido ocupadas pelos clãs rivais –e as negociações são impossíveis. A produção de barris de petróleo no país caiu de 1,7 milhões para 350 mil e ainda continua a cair, apesar de se continuarem a contratar funcionários, para manter os residentes perto das instalações. As reservas de moeda da Líbia estão a ser utilizadas, mas tanto o dinheiro como o tempo estão a esgotar-se.

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