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Sexta-feira, Março 29, 2024

Lilya Brik, a mulher que deu rosto à Revolução

Um resultado do florescimento artístico e da experimentação criativa na Rússia Revolucionária foi a foto que ilustra essa matéria. O cartaz foi desenhado pelo artista Ródchenko em 1924 a partir da fotografia de Lilya Brik, não só musa, mas protagonista ativa da revolução de 1917.

Na obra, ela grita “Livros!”: a fotomontagem, que tinha o intuito de fazer propaganda para a Imprensa Estatal de Leningrado, exaltava os valores soviéticos de incentivo à cultura.

Aleksandr Rodchenko, o autor da montagem, trabalhou como escultor, pintor, artista gráfico, fez cartazes para cinemas e teatros, para fábricas e desenhou capas de discos e móveis. Entre 1922 e 1926 dedicou-se a fotomontagens, como esta, que se tornou uma das imagens mais icônicas produzidas no século passado (e presente). Libertos dos limites do realismo, artistas uniram ilustrações e fotografias para criar cartazes dramáticos e modernos que desafiavam os limites da arte, e Rodchenko foi um deles. Se dedicou a fotografia por sentir que esta estava predestinada a oferecer com mais realidade as impressões confusas às quais os moradores das grandes cidades estão expostos em seu dia a dia.

Rodchenko também fotografou Brik em uma capa para a revista LEF, panfletos de propaganda do “comando social” e fotomontagens. Foi fotografada por Martine Franck em 1976. Em 1923, o rosto de Lily com olhos arregalados ilustrou a capa de Pro Eto, poema de Vladimir Maiakovsky. Pablo Picasso, com quem ela também conviveu, teria lhe apelidado de “a musa da vanguarda Russa”. E ela foi mesmo. Mas não só: Lilya não só deu cara à revolução, como também participou ativamente dela, criando.

Lilya Yurevna Kagan

Lilya Brik em vestido Dourado, 1924. Por Alexander Rodchenko

Lilya Yurevna Kagan nasceu em 1891 em Moscou. Filha de um advogado judeu e de uma professora de música, recebeu junto com sua irmã Elsa uma educação típica de classe média alta europeia: tocavam piano e falavam francês e alemão. Seu círculo social era formado por artistas e escritores russos, além de viajantes que traziam consigo notícias e ideias novas dos novos movimentos políticos e de vanguarda, que estavam em erupção na época.

Aos 20 anos casou-se com Osip Brik, poeta futurista. Seu casamento, influenciado pelas novas ideias progressistas e revolucionárias, foi pouco convencional para os padrões da época. O companheirismo viria a frente da monogamia e, com essa liberdade, manteve uma relação com o poeta russo Vladimir Mayakovsky, antes companheiro de sua irmã. Quando esta foi morar em Paris, as duas continuaram mantendo correspondência, nunca havendo ressentimento. Em uma carta de Mayakovsky para Lilya, amor de sua vida, ele escreveu: o amor é vida. O amor é o coração de tudo. Se ele interromper o seu trabalho, todo o resto morre, faz-se excessivo, desnecessário. (…) sem você não há vida. ”

Formada em arte e arquitetura pelo Instituto de Moscou, Brik produziu e dirigiu o documentário “Jews on the land”, sobre fazendas coletivas judaicas na Rússia, com roteiro de Maiakovski e Viktor Shklovsky. Em 1929, dirigiu o filme “Steklyanny glaz” (O olho de vidro), uma paródia sobre “cinema burguês”. Além disso, ela praticou balé, atuou e também escrevia poesia.

Lilya viveu uma vida artística e estimulante. É reconhecida até hoje como uma percursora da arte soviética, alguém que influenciou e inspirou outros talentos emergentes. Quando foi diagnosticada com uma doença terminal em 1978, cometeu o suicídio, para que nunca tivesse que depender de outra pessoa. Tinha 86 anos e uma história incrível deixada para trás, que mais tarde lhe deu a imortalidade.

Mulher de personalidade forte e presença marcante, não foi a única artista do movimento construtivista russo pós-revolução. Segundo a curadora de arte e historiadora britânica Briony Fer, em seu livro “Realismo, racionalismo, surrealismo – a arte no entre-guerras”, “um traço notável da vanguarda russa pré e pós-revolucionária era o fato de contar, entre seus membros, com uma proporção de mulheres artistas bem maior do que qualquer outro movimento de vanguarda.”

Estética revolucionária

Além disso, a Imagem da mulher, incluída no movimento dos trabalhadores russos, foi amplamente utilizada pela propaganda soviética. Neles, as mulheres são representadas como peça chave na sociedade, fortes, inteligentes, como são. O “agitprop”, termo cunhado pela abreviação das palavras agitação e propaganda, foi utilizado como ferramenta de divulgação dos ideais marxistas-leninistas a operários e trabalhadores, muitas vezes tendo a mulher como protagonista.

Os cartazes soviéticos, assim, não só revolucionaram a estética- como aqueles coloridos e ousados para longas inovadores em preto e branco que surgiram no cinema em 1920-, como também a ordem social da época no momento em que colocam a mulher como protagonista; contrastando, por exemplo, de propagandas norte-americanas entre 1930 e 1960, fortemente machistas.

Acima temos a comparação entre um cartaz soviético de 1941 e um cartaz norte-americano de 1950, aproximadamente. No primeiro, chamado “Mãe Pátria”, criado pelo artista Irakli Moissejewitsch, faz referência à proposta de que o serviço militar obrigatório abrangesse as mulheres, que surgiu após o lançamento da Operação Barbarossa de invasão da União Soviética por tropas nazistas em 22 de junho de 1941. Nele, vê-se uma mulher forte, à frente na decisão de combater, serviço teoricamente masculino.

No segundo, temos a publicidade de uma marca de gravata norte-americana. Nela, a mulher, representada como esposa, está ajoelhada ao lado do marido, em posição serviçal e submissa, oferecendo-lhe o café da manhã. O texto diz: “mostre a ela que o mundo é dos homens” ou “mostre a ela que é um mundo de homens”.

Cartazes soviéticos

O cartaz entitulado “Dia Internacional da Mulher Trabalhadora é o dia de julgamento da concorrência socialista”, de 1930, foi criado pela artista russa Valentina Kulagina (1902 – 1987).

Este, entitulado “Dia Internacional da Mulher Trabalhadora – é o dia de luta do proletariado”, de 1931, também é de Valentina. Combinando técnicas de pintura com fotografias e outros elementos gráficos, ela foi uma das figuras centrais do Construtivismo no início do século 20, ao lado de El Lissitzky, Alexander Rodchenko e o própio marido, Gustav Klutsis.

O cartaz acima entitula-se “Fascismo – o inimigo mais cruel das mulheres”, de 1941, produzido por Nina Vatolina (1915 – 2002). A artista estudou no Instituto de Moscou (1937 – 1942), especializando-se em pintura, principalmente de retratos. No auge da sua carreira, nos anos 60, decidiu mudar de direção e seguir carreira na literatura, tendo sido publicada pela editora “Soviet Artist”.

Este último chama-se “Se não eu e você, então quem?”, de 1987, da artista Tarasova Ljudmila Semenovna. Nascida em 1937 em Moscou, após estudar no Colégio de Arquitetura de Moscou, concluiu seus estudos na Universidade Estatal Stroganov de Artes e Indústria.

Por Alessandra Monterastelli | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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