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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Metro de Lisboa: uma tragédia à espera de acontecer!

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Ainda que bastante silenciados pela Comunicação Social “oficial”, só numa semana registaram-se no Metro de Lisboa dois acidentes (um a 7/3 e outro a 10/3), os quais, apenas por mera casualidade, não tiveram consequências ainda mais graves, designadamente mortais.

Ambos tiveram que ver com o não funcionamento adequado dos sistemas de segurança de circulação dos comboios. Em particular com a circunstância de, não obstante haver objectos ou mesmo passageiros entalados nas portas, na cabine do maquinista acenderem as luzes verdes de “fecho de portas” (indicando ter este sido efectuado em condições) e de “preparação de partida” (significando “ordem de avançar”).

E ainda de as imagens de que os maquinistas supostamente dispõem afinal não existirem (nomeadamente por deficiência ou inexistência do funcionamento das câmaras que filmam as plataformas e/ou dos monitores que projectam as respectivas imagens, atrevendo-se a Empresa a invocar “não ter condições” para os repor de forma imediata) ou não serem adequadas (por falta de zoom, pela fraca iluminação de algumas das estações, etc.) ou ainda resultarem de espelhos retrovisores mal colocados e com obstáculos físicos que condicionam ou até impedem a correcta visualização.

8 acidentes nos últimos anos

Estes problemas que já causaram, contando com estes últimos 2, um total de 8 acidentes nos últimos anos, têm sido sucessivamente denunciados por vários sindicatos e comissões de trabalhadores – os quais, em 1 de Março de 2013, dirigiram mesmo uma exposição escrita a várias entidades, entre as quais o Ministro da tutela, o Primeiro Ministro e o Presidente da República – e são perfeita e completamente conhecidos pelas diversas Administrações do Metro de Lisboa. E, todavia, mantêm-se e, sob os eternos pretextos da falta de verbas e do “não é bem assim”, não foram objecto de qualquer medida de fundo.

Na verdade, e como todos sabem, as portas das carruagens têm borrachas nas respectivas extremidades interiores a fim de evitar ferir os passageiros, o que permite e de certa forma impõe uma ligeira “folga”. Ora, o que acontece é que, quer por desgaste das próprias borrachas, quer por intervenções técnicas ordenadas pela Empresa (em particular sob o pretexto de evitar atrasos causados pelo não accionamento da referida luz verde de fecho de portas devido ao entalar da porta de uma gabardine, por exemplo), tal folga tem vindo a aumentar, permitindo o acendimento da mesma luz verde com objectos mais volumosos (como a pega dum trolley ou duma pasta) ou com mãos e até braços entalados!?

E lá vamos “cantando e rindo” numa inconsciência criminosa até à ocorrência do acidente e, quando este (inevitavelmente) acontece, a “melhor” solução é culpar o maquinista, sustentando que, apesar de todos os 3 equipamentos de segurança disponíveis (luz de fecho de portas, luz de preparação de partida e imagens visíveis) lhe indicarem que pode arrancar, entrando para dentro do túnel e nada mais podendo ver ou ouvir a partir daí, ele deverá ainda abrir a porta da cabine de comando e vir cá fora certificar-se de que está tudo em ordem!? Mas, claro, para logo de seguida enfrentar a pressão para a necessidade do cumprimento dos horários e para evitar os atrasos que de tal vigilância acrescida necessariamente decorrem. Ainda assim, na última 5ª feira, 23/3, novo incidente deste tipo se verificou e só não houve danos por o maquinista ter adoptado tal postura e os ter conseguido evitar a tempo.

Impor como “normais”, manobras excepcionais

Como se isto não bastasse, e dentro da mesma lógica de procurar “fazer omeletes sem ovos”, o Metro de Lisboa está – invocando uma pretensa alteração ao Regulamento de Circulação de Comboios que não foi objecto de qualquer negociação com os organismos representativos dos trabalhadores nem da adequada publicitação – a procurar impor como “normais” manobras que, pelo seu evidente perigo, só em circunstâncias muito excepcionais deveriam ser efectuadas.

É o caso das chamadas “entradas directas” em que se ordena ao maquinista, sem qualquer outra razão que não seja a de “poupar tempo”, que ele – em vez de entrar na estação de términus pelo lado esquerdo, de abrir (como habitualmente) as portas do mesmo lado esquerdo para a saída dos passageiros, e só depois de esvaziado o comboio ir ao interior da estação fazer a dita inversão de marcha e, já no outro lado da estação, abrir as portas para a entrada dos passageiros – entre directamente para esse outro lado (o direito) da estação e, contrariamente a tudo o que o treino e todo o automatismo de procedimentos em condições normais determinam, abra a porta do lado direito para a saída dos passageiros.

Ora, basta pensar no que poderá suceder num dia, sobretudo de maior stress ou cansaço, em que o maquinista execute a tal ordem de “entrada directa” e, por aquele mesmo automatismo, abra (como é habitual e deveria ser normal) a porta do lado esquerdo, e os passageiros, sobretudo à hora de ponta, se precipitem, não para a plataforma, mas… para o carril de energia (electrificado)!

Estações sem distância mínima

Já agora importará também denunciar que diversas das estações (como as do Aeroporto, onde já houve também um acidente desse tipo, e de Santa Apolónia) não dispõem da distância mínima de segurança para a imobilização automática do comboio acaso ocorra algum problema técnico grave ou o maquinista seja, por exemplo, acometido de uma indisposição ou doença súbitas. Dito de outra forma, se um facto desses ocorre, e tal distância em vez de ser de 30 ou 40 metros, é apenas de 10, ou até menos, é igualmente fácil de compreender a tragédia que poderá ocorrer com a violenta colisão contra a parede ou o muro finais (como já sucedeu no acidente na linha vermelha, com a colisão do comboio contra o fim da galeria).

E, por fim, impõe-se igualmente denunciar o escândalo que é a mais recente “inovação” e grosseira violação das obrigações de serviço público e que consiste na prática de ordenar que um comboio faça circulação sem passageiros (a chamada circulação de serviço) entre a estação terminal e 3, 4 ou até 7 ou 8 estações mais à frente, ou seja, que não pare, como devia, em diversas estações (mesmo que apinhadas de gente) e ir directo para outra bem mais adiante da linha para, uma vez mais, assim se tentar recuperar atrasos.

Como se podem e devem denunciar outras situações de falta de condições de segurança, já denunciadas em 2013, e que 4 anos depois permanecem, como sejam as sucessivas quedas de peças de material circulante e a retirada nos comboios dos chamados “areeiros” (que permitem soltar areia e assim criar algum atrito e, logo, maior aderência em situações de falta desta), o que a Administração do Metro de Lisboa de igual modo bem sabe que está presentemente a acontecer por virtude quer do desgaste ondulatório do carril de rolamento quer da insuficiente manutenção do dito material circulante.

Degradação das condições de segurança

Ora, perante tudo isto, o certo é que estamos a falar de uma empresa que não mexe uma palha nem gasta um cêntimo sem ordem prévia do Governo. O que é, aliás, muito curioso porquanto um dos grandes argumentos do Acórdão nº 413/14 do Tribunal Constitucional para não declarar a inconstitucionalidade dos cortes dos complementos de reforma aos reformados do Metro, argumento sempre utilizado também pela Empresa nos processos judiciais em curso, é o de que quem, em sede de contratação colectiva, acordou tais complementos foi a empresa mas quem os tirou foi o Estado, e este seria inteiramente distinto e nada teria que ver com aquela. Cujas perdas, porém, decorrentes só dos negócios obscuros dos swaps, atingiram os 1.261 milhões de euros…

Para isso, houve, e há, dinheiro. Mas já não há dinheiro para pagar aquilo que é contratualmente devido a quem dedicou uma vida inteira de trabalho à empresa. Ou, pior, para garantir a segurança dos trabalhadores no activo da mesma empresa e dos passageiros por ela transportados.

Até onde irá então esta criminosa degradação das condições de segurança? Como podem os respectivos responsáveis manter-se sempre impunes? E quantas vítimas terá de haver para que, finalmente, se tomem medidas adequadas quanto às gravíssimas deficiências denunciadas desde há anos?

 

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