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Sábado, Abril 20, 2024

Não gosto de Luanda!

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Luanda é uma cidade de tristes aparências, de aleijados acocorados pelas estradas destruídas ainda antes de o serem, pedintes de fome canina num labirinto sem espinhas sem ossos sem carne e repleta de todas as misérias parecendo pior que o Bangladesh sem turras, e todos às turras por migalhas atiradas ao chão pelos brancos desdenhados numa terra sem passado e terá já assassinado o futuro.

Havia futuro, houve de tudo menos senso, os rios que a atravessam de norte a sul trazem miséria e cheiros que infectam os corações nas filas de hospitais que não existem para aqueles que nela se enfileiram tentando comprar a morte a qualquer preço. Não há valor, é tudo de borla, o cheiro do pão que quase ninguém conhece enquanto no pedestal heróis saboreiam a felicidade da infelicidade dos restantes, lixo como navios navegam esse horror que perdura sobre as casas dos miseráveis que nem sequer se queixam, o castigo é maior, mais vale calar e circular os risotos da miséria escolhida por poucos para tantos, entrar e sair da ilha seca e onde as águas daquele mar são lágrimas.

A luz que morre ao anoitecer iluminando a saudade, vozes ocultas ou fogueiras ladeando-as o contentamento de quem de que já e só apenas se acomodou percebendo o que valeu ou que vale, águas turvas e podres cantam a sua caminhada infectando o sonho das crianças sujas e deitarem-se, simplesmente isso, o jantar foi esquecido, o amanhecer trará como novidade mais do mesmo.

Houve um dia qualquer, nem sequer me lembro já de quando, pensava que gostava de Luanda, fui andando e no decorrer do tempo refugiei-me para dentro de mim e percebi:

Não gosto de Luanda!

Falavam comigo os meus sentidos, a tristeza que perfila a minha consciência, a dor que já nem sinto, a dor é tanta que me torna insensível a si, para que sobreviva meio morto tudo o que daqui me mata.

Aqui o futuro definha, desfaz-se como insecto pisado pelas rodas de um camião, aqui não temos sangue, somos baratas raivosas que rodopiam os esgotos que são afinal as ruas da cidade, das casas, das pessoas, da gente, que tem medo de si próprio ao sentir como recuamos todos os dias nesta vida de ratos engasgados no silêncio dos nossos passos parados numa alquimia foragida, que finge dar-nos como retribuição apenas o que nos pertence, já nada é nosso, nada nos pertence, existe apenas um dono na nossa existência e que quer ver-nos encardidos contra as paredes de cemitérios de gente vida naquelas urnas que sangram gemidos e dor e medo e raiva, jamais secaremos, somos folhas secas e amordaçadas pelas verdades que impedem de ver e sentir.

Vejo fossas secas espalharem o escrúpulo dos sábios que amealham contra a miséria dos outros, a água que me banha de sonos e infortúnios, a morte do meu bebe no colo da sua mãe sem receita, não existe nada mais a não esta mísera felicidade de atrocidades e desumanismo, e ao longe, nas varandas repletas de relíquias famílias enchem a barriga até ao vómito, a miséria não é o pobre, é mesmo daquele manda, que morrerá um dia qualquer como eu e quase todos os outros, num esqueleto apodrecido e ainda vivo, morremos mesmo!


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