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Quarta-feira, Março 27, 2024

Nina Simone | A música e o sentimento

José Alberto Pereira
José Alberto Pereira
Professor Universitário, Formador Consultor e Mestre em Gestão

Ao longo de sua carreira, Nina Simone construi uma lista de músicas que se tornariam padrões no seu repertório. Algumas eram canções que ela própria escreveu, enquanto outras eram arranjos de outros compositores ou tinham sido escritas especialmente para um cantor.

A sua primeira música de sucesso nos Estados Unidos foi “I Loves You, Porgy”, uma interpretação muito pessoal do tema de George Gershwin. Mas talvez a mais importante terá sido “My Baby Just Cares for Me”, um tema de 1930 composto pela dupla Donaldson e Kahn que fazia parte do filme “Whoopee!”. O tema foi o seu maior sucesso, acima de “Porgy”, e surgiu ao público em diversas frentes, nomeadamente num comercial de 1986 ao perfume Chanel Número 5.

Outras canções importantes no seu repertório foram “Feeling Good” e “Sinner Man”, composto por Nina, “I Put a Spell on You” (um velho blues de “Screamin Jay” Hawkins), “Don’t Let Me Be Misunderstood” (um tema dos Animals), “Wild is the Wind” (tema de Johnny Mathis de 1957) ou “Ne me quitte pas” (uma canção de Jacques Brel). Para além das edições discográficas (em single e longa duração) e das suas sempre envolventes interpretações ao vivo, estas e outras canções mantiveram-se populares em bandas sonoras de filmes, séries de TV, vídeos comerciais e até em jogos de computador.

O porte e a presença de Nina em palco levaram a que muitos a apelidassem de “Alta Sacerdotisa da Soul”. Ela era pianista, cantora e performer, “separadamente e simultaneamente”. Como compositora e arranjadora, Simone foi transferindo a sua música do gospel para o blues, jazz e folk, incluindo nalguns temas um estilo clássico europeu. Para além de usar o contraponto ao estilo de Bach, recorreu com frequência ao virtuosismo do repertório de piano romântico do século XIX (Chopin, Liszt, Rachmaninoff e outros).

Em palco, Nina incluía monólogos e diálogos com o público nos seus temas e frequentemente usava o silêncio como elemento musical. De entre os inúmeros músicos que a acompanharam ao longo da sua vida artística, o destaque deve ser dado ao percussionista Leopoldo Fleming e ao guitarrista e diretor musical Al Schackman, de longe aqueles que durante mais anos com ela tocaram.

Nina era conhecida pelo seu temperamento difícil e explosivo, tendo chegado a disparar uma arma contra um executivo de uma editora, a quem acusava de ter roubado os seus direitos. Os episódios foram-se sucedendo, chegando ao ponto de disparar uma pistola de ar contra o filho de um vizinho, porque o riso do menino perturbava a sua concentração. No final dos anos 80 foi-lhe diagnosticado um transtorno bipolar, para o qual já tomava medicação desde os anos 60. Por este motivo, Nina ficou durante muitos anos longe do público. Outros casos ligados à sua doença só seriam divulgados em obras bibliográficas publicadas após a sua morte.

Nina é considerada uma das artistas mais influentes do século XX [54]. O crítico Rickey Vincent considerou que ela era uma pioneira que quebrou o molde, tendo a coragem de “romper com as normas da indústria e produzir comentários sociais diretos na sua música”, com uma carreira caracterizada por “ataques de ultraje e génio improvisado”. A Rolling Stone escreveu sobre ela que “o seu grito de mel levemente adenóide foi uma das vozes mais afetadas do movimento dos direitos civis”. Mark Deming, da AllMusic, classifica- a como “uma das vocalistas mais talentosas e ecléticas da sua geração”. Para Jim Fusilli, do The Wall Street Journal, a música de Nina é muito relevante ainda hoje, pois “ela não aderiu a tendências efémeras, não é uma relíquia de uma época passada; a sua entrega vocal e competência técnica como pianista ainda ofuscam, as suas performances emocionais têm um impacto visceral”.

Antes da Libéria, para onde foi viver a conselho de Miriam Makeba, Nina viveu algum tempo em Barbados, onde teve um caso amoroso com o primeiro-ministro local. Enquanto vivia na Libéria deslocava-se frequentemente a Londres, onde atuava com regularidade no Ronnie Scott’s Jazz Club e onde gravou um disco ao vivo em 1984. Posteriormente viveu em Nyon, na Suíça, em Nijmegen e Amesterdão, na Holanda.

Em 1992 Nina publicou a sua autobiografia, “I Put a Spell on You”. Sofrendo de cancro da mama, continuou em tournée durante a década de 90, mas sempre com uma vasta comitiva. Em 1993 foi viver para perto de Aix-en-Provence, no sul da França. Em 1998, durante um espetáculo em Newark, Nina falou para o público e disse “se me querem ver de novo vão ter de ir a França, pois eu não vou voltar”. A 21 de abril de 2003, Nina morreu tranquilamente durante o sono, na sua casa em Carry-le-Rouet, França. O seu funeral contou com a presença de centenas de músicos, destacando-se as suas amigas Miriam Makeba e Patti LaBelle. As suas cinzas estão espalhadas por vários países africanos, espelho de uma herança que desde muito nova se recusou a negar.

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