
O erro de Rajoy!
Temos um problema muito sério em Espanha, visto que o referendo na Catalunha viola a Constituição – Artigo 2: “A constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis”. E esta violação já foi declarada pelo Tribunal Constitucional.
- 27 Setembro, 2017
- João de Almeida Santos
- Posted in Opinião
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Este processo faz pensar no que aconteceu na Escócia em 2014, tendo a maioria (cerca de 55%) rejeitado a independência, num referendo. Mas houve referendo, fruto de negociações entre Londres e Edimburgo. E não há razões para pensar que Londres seja menos centralista do que Madrid e de que a Escócia não tenha raízes históricas que possam fundamentar uma independência.
Fez, pois, bem Londres em negociar, pois, assim, pôde, no terreno da democracia,
Teria razão Pablo Iglesias?
Há muito que se sabia desta tendência na Catalunha e, por isso, poderiam ter sido desenvolvidas consistentes negociações sobre o assunto, com vista a evitar o pior. Lembro-me que um dos principais entraves a um acordo de Pedro Sánchez e do PSOE com PODEMOS foi precisamente a posição deste a favor do referendo. Teria Pablo Iglesias razão, defendendo um processo equivalente ao que decorreu no Reino Unido?
“España es muy fuerte!”
Talvez estivesse a pensar nos mortos que o independentismo basco provocou ao longo de décadas até sair finalmente da agenda política. Certo, mas este é um processo de novo tipo e com uma consistência política mais robusta e ainda mais perigosa para a unidade de Espanha. Dir-se-ia, em linguagem popular: “se a moda pega…”, o que se seguirá? Por exemplo, na Galiza ou no País Basco!
Felipe González: parar para pensar e, depois, falar!
Hoje mesmo, dia 26.09.17, em que escrevo, numa conferência, Felipe González, referindo-se a este processo disse que não se importaria de alterar quer o Estatuto quer a Constituição, mas disse também que não respeitar a lei não é democrático e que o conflito entre duas legalidades pode fazer ressuscitar o fantasma das duas Espanhas, de franquista memória. O seu apelo a que parem para pensar, sendo que, depois, “parlarem”, é de enorme sensatez e seria bom que fosse ouvido.
A força não é solução!
A força nunca foi boa solução política para nada e o processo
Não vejo como é que o problema se possa resolver sem uma solução política. Que está a ficar cada vez mais difícil, vista a forte injunção coerciva de Madrid na Catalunha, gerando provavelmente um sentimento de união mais forte e alargado do que o que antes existia, desencadeando a lógica do cerrar fileiras perante o inimigo externo!
O problema catalão e a imprensa internacional
Fiz uma pequena viagem pelas primeiras páginas (em suporte digital) de alguns dos mais importantes jornais mundiais, New York Times, Le Monde, Corriere della Sera, La Repubblica, Frankfurter Allgemeine, The Guardian, e, curiosamente, o caso catalão, a 5 dias do referendo, não ocupa a agenda destes jornais. E não deixa de ser estranho, vista a gravidade da situação e os perigos que Espanha enfrenta.
Vi também o “Público” e o Diário de Notícias”. No primeiro, apenas um artigo do eurodeputado Paulo Rangel; no segundo, dois artigos e um de opinião, de Nuno Garoupa. Mas na grande imprensa mundial não se encontram, de facto, artigos sobre o assunto. O que não deixa de ser inquietante!
As regiões europeias e a União!
Na verdade, a questão da hegemonia, no sentido gramsciano, faz cada vez mais falta no pensamento político contemporâneo. Mas traduz também alguma insuficiência do modelo político-constitucional espanhol. Depois, talvez também falte uma cultura que possa promover uma cidadania europeia robusta assente naquilo que Habermas designou por “patriotismo constitucional”, perfeitamente compatível com as várias identidades nacionais ou regionais.
Em tempos, há precisamente vinte e cinco anos, num ensaio intitulado “Memorial para uma Democracia Europeia” (Finisterra, 10/11, 1992, 91-124), inspirado na visão do então Presidente do SPD, Bjoern Engholm, abordei este assunto, enfatizando a ideia de que seria preciso compensar a perda de soberania dos Estados-Nação na Europa com o reforço político das grandes regiões europeias, tendo como base a ideia de que um Senado das Regiões poderia resolver muitos dos problemas autonomistas já então em curso.
Escrevi então: “Isto para não falar da nossa vizinha Espanha onde, por exemplo, o potenciamento
O projecto europeu tem, pois, aqui também as suas responsabilidades. Mas, mesmo assim, num espaço político como o da União Europeia, sem fronteiras e com uma moeda única, as aspirações da Catalunha perdem densidade porque de algum modo representam um processo que evolui em sentido contrário ao da integração política europeia, uma vez que o nacionalismo não é amigo do processo de integração federal a que, no meu entendimento, terá necessariamente de levar a União.
E mais densidade perderiam, ainda, se esta região de Espanha tivesse uma presença significativa nesse Senado europeu que hoje tantos já voltam a defender. De resto, os Senados existem para isto mesmo: integrar, representando ao mais alto nível político identidades colectivas ou territoriais. A integração política ao mais alto nível das grandes regiões europeias ajudaria, no meu entendimento, a evitar estas tendências centrífugas, hoje mais animadas como reacção ao processo de globalização mundial.
“No me gusta hacer política amparándonos bajo las togas”!
Mas não deixa de ser curioso que neste processo talvez o PODEMOS tivesse razão ao aceitar a proposta de um referendo, desde que naturalmente viesse a ser objecto de decisões políticas de compromisso entre Madrid e Barcelona, tal como aconteceu entre Londres e Edimburgo. De resto, é para isto mesmo que serve a política.
Na verdade, não se trata de uma simples infracção da lei, de uma simples ilegalidade, porque é uma questão de natureza política e de grande dimensão, devendo ser como tal tratada. Subscrevo, por isso, e por inteiro, as palavras de Felipe González quando diz, referindo-se certamente à transferência do problema para o poder judicial, que “no me gusta hacer política amparándonos bajo las “togas”, prática que
Os assuntos políticos devem sempre ser tratados politicamente e o uso da força (ainda que sob a forma de lei) só agiganta os problemas.
Enfim,
O que preocupa é que o funcionamento da política em Espanha não tem vindo a dar provas de muita maturidade, se olharmos para o tempo em que, ainda recentemente, este fantástico País esteve quase um ano sem governo em plenas funções e se reflectirmos sobre o que agora está a acontecer na Catalunha.
Pessoalmente gosto muito de Espanha e espero que se possa alcançar uma solução razoável para este difícil problema. Que não é só espanhol, mas também português e europeu.
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About author
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT