Quinzenal
Director

Independente
João de Sousa

Sábado, Maio 24, 2025

Onde andam os veículos eléctricos?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Muita gente vê nos veículos eléctricos uma resposta às mudanças climáticas e a subida do preço dos combustíveis tem feito aumentar o número de interessados, mas a inflação e a escassez de viaturas novas estão a dificultar essa transição, tanto mais que se continuam a ouvir argumentos favoráveis à flexibilização das regulamentações sobre a perfuração de petróleo e gás como a solução para uma rápida redução dos preços dos combustíveis. Este aumento dos preços até poderá ajudar a viabilizar o futuro eléctrico pelo qual se anseia, mas as notícias que chegam do sector automóvel e o prenúncio da recessão económica que se adivinha deixam antever que o futuro próximo revelar-se-á incerto e difícil.

Os veículos eléctricos ainda são muito caros para a maioria das famílias (mesmo nos países mais ricos) e a actual instabilidade nas cadeias de abastecimentos significa uma redução na produção, com alguns fabricantes a alertarem para longos tempos de espera para comprar os seus modelos mais populares e este efeito a ser de pronto repercutido no aumento do preço das viaturas usadas. Enquanto isso, as propostas políticas para ajudar a aliviar a escassez de oferta ou tornar os carros eléctricos mais acessíveis primam pela ausência ou pela ineficácia, com o subsídio destinado ao apoio para a aquisição de carros eléctricos a esgotar nos primeiros três meses. É que perante cenários, como o do reafirmado interesse na substituição das motorizações a combustíveis fósseis e o da escassez geral de microprocessadores, os poderes públicos continuam a atribuir fundos para a indústria automóvel sem os fazerem acompanhar da imposição de normas e de políticas industriais orientadas para uma adequada massificação dos seus produtos mediante a redução dos custos (nomeadamente através da redução da parafernália de engenhocas de discutível utilidade prática que aumentam o recurso a microprocessadores e apenas encarecem o preço final ou o da uniformização das baterias) e da sua repercussão directa sobre os preços de venda.

Com os combustíveis a atingirem preços nunca vistos aumentou o interesse em veículos movidos a combustíveis alternativos e a quota de veículos eléctricos e híbridos plug-in no mercado automobilístico mais que duplicou desde o início do surto da Covid-19. No entanto, apesar do crescente interesse, os potenciais compradores de um veículo eléctrico enfrentam já o grande obstáculo que é o de encontrar um para comprar. A escassez global de microprocessadores e minerais raros necessários para a fabricação de automóveis desencadeou uma enorme crise de oferta de viaturas novas que atingiu em especial o segmento eléctrico, devido à sua maior dependência de sistemas electrónicos (um veículo eléctrico utiliza cerca do dobro dos chips de um carro com motor de combustão interna).

Depois vem o factor o preço, com um veículo eléctrico básico, como o Renault Zoe, a custar cerca de 15.000 € a mais do que um carro equivalente movido a gasolina, como o Clio do mesmo fabricante; diferença de preço esta que é significativamente maior do que os 5.000 € que se estima que os proprietários de veículos eléctricos poderão economizar em combustível e manutenção ao longo de um período de 10 anos.

A par das limitações impostas pelos elevados custos de aquisição e pela redução na oferta, outra importante limitação na mudança para os veículos eléctricos é a incerteza sobre os meios e os métodos de carregamento das baterias, com especial destaque para a ainda limitada infra-estrutura de recarga e para a sua desequilibrada distribuição geográfica, factor que aumenta a penalização das regiões periféricas, tanto mais que estando aquelas redes dependentes de interesses empresariais dificilmente responderão atempada e adequadamente às necessidades de outros utilizadores que não os dos grandes centros populacionais.

Apoiar as empresas e as famílias no processo de conversão para os veículos eléctricos deverá ser o meio mais eficaz para combater os altos preços dos combustíveis a longo prazo e esse esforço não se pode limitar a um pequeno incentivo no momento da aquisição (provavelmente a forma mais irrelevante de apoio, já que a primeira vaga de compradores sairá da franja dos rendimentos mais elevados); os mais efectivos dos contributos poderão muito bem ser o da infra-estruturação de uma rede nacional de carregamento, geograficamente bem distribuída e a todos acessível e a conversão de carros com motores de combustão para motorização eléctrica, alternativa que já existe (ver a título de exemplo a Evolution) mas a custos exorbitantes (mais de 17.000 € para converter um veículo do tipo citadino e mais de 27.000 € para uma berlina) e apenas oferece autonomias reduzidas (não mais de 300 km). Esta solução, tecnicamente viável e relativamente simples, apresenta ainda a vantagem adicional de potenciar a reciclagem das viaturas usadas, mas carece de vontade política para a elaboração de regulamentação do Código da Estrada, como existe para os veículos a GPL, certificação das empresas que procedem às transformações, homologação de kits e agilização de processos de legalização no IMT (Instituto de Mobilidade e Transportes), o que à partida é logo um obstáculo de monta na realidade que bem conhecemos.

Apesar das notícias sobre o aumento das exportações de carros eléctricos da China, a transição para este tipo de veículos ainda deverá demorar alguns anos até adquirir uma dinâmica própria – mesmo quando se diz que impulsionadas pela Tesla as vendas mundiais de eléctricos cresceram 108% em 2021 ou que, mais recentemente, a fabricante chinesa BYD tenha ultrapassado a Tesla nas vendas globais de veículos eléctricos, – ainda que esta deva beneficiar amplamente com a redução dos custos de produção, a multiplicação da oferta de novos modelos e o desenvolvimento e instalação de estações de carregamento mais rápidas.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -