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Terça-feira, Abril 23, 2024

Os custos sociais da formação

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Não sei se com intuitos alarmistas se na continuação das campanhas em torno das reivindicações de classes profissionais como a dos professores e enfermeiros ou até devido à anunciada revisão da Lei de Bases do SNS, têm surgido na imprensa nacional notícias sobre os esforços de países ricos para atrair especialistas nacionais, particularmente médicos.

Talvez no tempo em que governos nacionais incentivavam os mais jovens a emigrar isto até fosse apresentado como justificativo dessa política, mas nem nessa época poderiam ser evitadas as questões fundamentais ligadas ao facto da prática generalizada de baixos salários contribuir activamente para a expulsão para o estrangeiros dos mais qualificados ou a da avaliação dos custos da formação de especialistas para as economias mais débeis e dos ganhos para as economias mais fortes com a sua importação. Para já vou centrar-me nesta parte do problema, pois a primeira já foi bem abordada num recente artigo de Eugénio Rosa, «O valor do trabalho em Portugal», publicado aqui no TORNADO.

Devido à facilidade linguística, países anglófonos, como os EUA, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, tiram grande partido das qualificações profissionais dos que procedem dos países mais pobres, onde realizaram cursos universitários caros e exigentes (como é o caso de médicos, de engenheiros, de gestores, de economistas, de arquitectos, de enfermeiros, etc.) habilitando-se com meios humanos preparados e prontos para produzir e deixando os encargos de investimento na formação nos respectivos países de origem

Se os países de acolhimento ficam com profissionais preparados e prontos para a ação, os de origem ficam com os encargos do investimento na formação, normalmente elevados, do qual não vêem retorno e perdem técnicos que podiam ser de grande valia para o seu crescimento e desenvolvimento interno; por outras palavras, os países mais ricos aumentam as suas capacidades de produzir maior riqueza beneficiando do investimento dos mais pobres, que por esta via perdem não só a hipótese de recuperar aquele investimento como a própria capacidade de produzir mais riqueza.

A atractividade das economias mais desenvolvidas é um facto há muito tempo reconhecido – talvez até entendível na perspectiva daqueles talentos que apenas nelas poderão atingir os seus objectivos de realização profissional – mas cujos efeitos equivalem hoje à predação efectuada pelas antigas potências colonizadoras nos territórios e nos povos que caíram sob a sua infeliz alçada. Por esta via, como na época do colonialismo, os países mais pobres continuam a ser espoliados das suas riquezas e condenados a um ciclo de empobrecimento de difícil resolução.

Claro que os processos de apropriação evoluíram (e muito…). Antigamente usava-se a força para impor condições de troca claramente vantajosas para os poderosos – que no limite chegariam ao próprio roubo – enquanto hoje, civilizados e cumpridores dos princípios dos direitos humanos, os países ricos até se apresentam como liberais e “caridosos” receptores dos imigrantes com a formação técnica e as qualificações de que necessitam, o que adia a possibilidade destes países assumirem a hipótese de ressarcirem os custos de formação dos emigrantes que prestimosamente acolhem.

Esta ideia, deixada há cerca de um mês por Eugénio Viassa Monteiro num artigo publicado no DN, será muito justa e bem intencionada, mas de reduzida exequibilidade prática na actual conjuntura. A troco de quê abdicariam os países ricos de tais fontes de mão de obra especializada? Tal como a sobre-exploração colonial demorou séculos a terminar e só aconteceu quando os povos colonizados a isso se opuseram, também agora as novas formas de exploração exigem o mesmo tipo de resposta dos países pobres, tanto mais que na fase em que as economias estão mais expostas e sujeitas ao elevado poder económico dos países ricos, será utópico aqueles pensarem em concorrer pela via salarial com este poder e a sua atractividade.

Esta situação, como todos bem sabemos, não ocorre apenas entre economias com poderes diferentes mas igualmente entre sectores da mesma economia; concretamente na dificuldade muitas vezes referida pelo sector público para manter os seus melhores técnicos face às ofertas do sector privado. Num caso, como no outro, o cerne da questão situa-se no facto do investimento público realizado na formação de técnicos ser apropriado sem a devida compensação por países terceiros ou até pelos sectores privados nacionais.

Não haverá então nada a fazer? Estaremos condenados a mais uma vez assistir impotentes a mais este processo de transferência de riqueza? Creio que não, mas a resposta terá que ser orientada pela defesa do interesse geral em detrimentos dos interesses privados ou estrangeiros, o que me parece exequível mediante a simples aplicação do principio dos recém licenciados terem obrigatoriamente de prestar serviço em organismos públicos durante um período de tempo suficiente para ressarcir a sociedade do investimento que neles realizou.

Esta solução, se aplicada com ponderação e efectivo cuidado no melhor aproveitamento das recém-adquiridas competências, apresenta a vantagem de possibilitar aos jovens um período de tempo de trabalho que consolidará os seus conhecimentos nas áreas específicas da sua formação enquanto o Estado verá compensado o investimento realizado, podendo dispor de um corpo de técnicos com formação adequada e capazes de dotarem os organismos do poder central e local dos tão necessários quadros, e as empresas, nacionais ou estrangeiras, acederão a especialistas devidamente formados (na vertente teórica e prática) que desonerados do esforço colectivo incorporado na sua formação poderão optar com maior informação e consciência entre a sua manutenção no sector público ou a transferência para o sector privado nacional ou para o estrangeiro.

Contrariamente ao que muitos já poderão estar a pensar esta hipótese de solução não apresenta nada de novo, já foi timidamente abordada pela actual ministra da Saúde quando admitiu que os médicos terão de “pagar” curso ficando mais tempo no público, e é há muito aplicada nas grandes empresas quando “facilitam” formação especial a alguns dos seus trabalhadores com a natural contrapartida destes terem de nela continuar a trabalhar durante um certo e determinado período de tempo.


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