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Terça-feira, Junho 3, 2025
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O Inferno Começou a 13 de Agosto

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Dan Brown é, discutivelmente, um dos maiores mestres da dança literária entre o facto e a ficção. Entre as páginas do seu último bestseller, intitulado “Inferno”, podemos deleitar a nossa imaginação com uma trama sem paralelo, criada pelos planos de um terrorista que pretende obliterar uma parcela bastante significativa da nossa espécie, sob o pretexto de nos salvar do perigo iminente da sobre-população.

Os males cataclísmicos originados por uma população grande demais para a capacidade de carga do planeta são rigorosamente esmiuçados, havendo várias acusações sobre a incompetência das grandes organizações mundiais para evitar esta crise de proporções catastróficas.

 Como obra de ficção

À primeira vista, “Inferno” aparenta ser uma obra de ficção tremendamente envolvente e recheada de emoção, o que torna ainda mais irónico o facto a encararmos como tal enquanto caminhamos pela estrada perigosa da sobre-população, reproduzindo e consumindo a um ritmo completamente insustentável.

O passado dia 13 de Agosto ficou marcado como o dia em que, oficialmente, começámos a viver acima das capacidades do planeta, segundo os dados fornecidos pelas Nações Unidas. Trocado por miúdos, quer dizer que consumimos mais recursos em oito meses do que o planeta consegue produzir num ano, um triste declínio em relação ao ano de 1975, quando conseguimos a fraca vitória de adiar esse fatídico dia até ao mês de Novembro.

Nove mil milhões de pessoas

Em 2043, estima-se que a população mundial chegue ao número impressionante de 9 mil milhões de pessoas, mais 2 mil milhões do que os números actuais, e aquele sobre o qual há mais consenso na comunidade científica quanto a ser o número máximo de pessoas que o planeta pode suportar. Actualmente, a Terra já demonstra extremas dificuldades em lidar com a população humana, sendo que entrámos numa era em que o ritmo alarmante de perda de espécies (114 vezes superior ao normal) levou investigadores das universidades de Princeton, Stanford e Berkeley a proporem a hipótese de termos entrado numa fase de extinção em massa, semelhante à que pôs término à era dos grandes sáurios, há cerca de 66 milhões de anos.

Cada dia em que continuamos esta marcha para o abismo, prevêem-se momentos marcados pela tragédia. Um mundo com mais pessoas do que pode alimentar e cuidar dará azo a várias consequências tenebrosas, as mais imediatas sendo a fome e a doença, duas realidades que serão grandemente amplificadas à medida que não haverá alimento suficiente para satisfazer as necessidades monstruosas de uma população tão grande. O meio ambiente também pagará pela nossa falta de noção, com o declínio inevitável dos ecossistemas à medida que ocupamos habitats, poluímos e consumimos os recursos naturais do planeta.

Cidadão não pensa antes de trazer uma criança ao mundo

No meio de tudo isto, ainda se vêem casos de desperdício, poluição e destruição gratuita de habitats que são dignos do maior choque, indignação e franco sentimento de repulsa. Tudo isto é motivo para alarme e, indubitavelmente, uma chamada de atenção não só para as grandes entidades governamentais e empresas multinacionais, mas também para o cidadão comum que não perde uma oportunidade de desperdiçar água, comida, luz, que não recicla ou que se nega a usar transportes públicos, e que não pensa bem o suficiente antes de trazer uma criança ao mundo: num futuro dolorosamente próximo, nós podemos fazer a diferença entre a humanidade e a extinção.

O planeta poderá (eventualmente) recuperar do mal que lhe fizermos. No entanto, já não se pode dizer o mesmo de nós.

A comunicação social presta-se à domesticação em vez do escrutínio e do pluralismo

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Opinião

Em 2015, num país onde a pobreza, a exclusão e a falta de horizonte são conhecidos, o debate que importa ter não existe nos meios de comunicação social, pela simples razão de que aborda… os meios de comunicação social.

A questão não é nova mas, infelizmente, o diagnóstico também não: persiste um claro favorecimento dos sectores mais instituídos da sociedade, da política e da economia, em detrimento de novas ideias e agentes. As vozes são sempre as mesmas, e varridas as purpurinas da conjuntura, afirmam imutavelmente a utilidade e a segurança de manter tudo como está.

A argumentação em prol da prevalência desse status quo é conhecida, e indefensável: critérios sempre mais próximos do rendimento económico que do desenvolvimento cívico ou civilizacional privilegiam o que o público quer, e não a oferta do que o público não tem. Tal opção – e é importante afirmar que se trata de uma opção e não de uma inevitabilidade criada pelas obrigações colocadas pela entidade invisivelmente visível afirmada por Adam Smith – radica num conjunto de premissas reduzidas a números, a tal entidade mágica a que tudo deve resumir-se: se x pessoas viram o programa do tipo y, então precisamos de mais programas do tipo y. Não é preciso pensar muito para concluir que, a ser verdade essa lógica, qualquer ideia de posicionamento ou de inovação não faria sentido, e estaríamos hoje a ler/ouvir/ver o mesmo desde a emergência do respectivo medium.

Em paralelo, é também conhecida a resposta habitual a qualquer pensamento que coloque o desafio de dar mais à cidadã e ao cidadão: que se trata de uma posição paternalista, de imposição ou negação do livre-arbítrio, e anti-inovacional. Ora, nem o livre-arbítrio pode ser praticado se a natureza da oferta for semelhante, nem tal desmente que aquilo que está verdadeiramente em causa é o contributo que, conscientemente, os meios de comunicação social oferecem à reprodução, à mimetização, e a um imobilismo do pensamento que cria passividade onde – jurídica mas também civilizacionalmente – se exige acção de reinterpretação, e de reflexão. Se de pouco serve um meio de comunicação social que se resume a devolver, sem acréscimo, o reflexo do que vê, ainda de menor utilidade cívica será aquele que escolhe selectiva e convenientemente apenas uma parte desse reflexo. Na prática, aponta à domesticação da cidadã e do cidadão, convidando-a/o a aceitar como natural e como inquestionável não apenas a situação do país mas a legitimidade do lugar de quem o conduz.

Sinais disto mesmo são visíveis na inacreditável monotonia ideológica das escolhas de comentadores, plano ao qual qualquer diversidade ou novidade são quase absolutamente estranhas, mas também, e mais grave ainda, na selecção, enquadramento e alinhamento das peças. É relativamente comum dedicar considerável tempo à actividade – por vezes a mais irrelevante – de representantes políticos eleitos, sobretudo em órgãos de poder central, e não apenas atribuir menor tempo a ideias de outros representantes (actuais ou potenciais) mas hierarquizar estes de acordo com a probabilidade de serem eleitos, assim reforçando uma tendência centrípeta, fazendo lembrar uma auto-censura ideológica prévia difícil de acreditar – e de tolerar – em Democracia.

Além disso, também ao nível da linguagem – textual, visual, sonora – o trabalho dos meios de comunicação social é inacreditavelmente parcial, bastando para tal alguma atenção aos planos escolhidos para enquadramento, os momentos e as circunstâncias que a edição entendeu serem mais relevantes para veicular uma determinada imagem da/o reportada/o – processo no qual se pratica, uma escolha que tem subjacente uma determinada orientação – e às palavras e tom escolhidos para lançar ou (d)escrever a peça, universo no qual nenhuma opção é neutra. As capas, os títulos, os adjectivos, e todas as restantes ferramentas discursivas são, neste particular, um verdadeiro arsenal de instrumentos de definição da forma como a cidadã e o cidadão devem valorizar uma pessoa ou uma ideia, permitindo a um medium praticar um apoio ou uma censura sem afirmá-lo.

Deste modo, e voluntariamente, os nossos meios de comunicação social colocam-se do lado do problema cívico e civilizacional, afirmando e reproduzindo valores que deviam ser estranhos à sua actividade, e prestando-se à domesticação em vez do escrutínio, do esclarecimento, e do pluralismo com vista à evolução das ideias e dos agentes. Anteriormente considerado um Poder que vigiava outros Poderes, e muito longe do seu próprio ideal, parece confortavelmente instalado na partilha de protagonismo e reputação com quem devia escrutinar, reduzindo-se a uma versão 2.0 de um Narciso valorizado pela conivência e embevecido pela ilusão.

Porto, 03/05/2012, Realizou-se esta tarde na sede da Liga de Clubes a Assembleia Geral Extraordinária. Rui Alves, Presidente do Nacional da Madeira. ( Ricardo Junior / Global Imagens )

Refugiados são um problema global de que a Europa não se pode eximir‬

Carlos Fino


Contrariamente à ideia muito divulgada de que estamos perante uma “corrente migratória”, a verdade é que a grande maioria das pessoas que agora batem às portas da Europa é – segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas dirigido por António Guterres – constituída por refugiados.

Não é gente em busca de uma simples melhoria de vida, aliás inteiramente legítima, mas gente que não tem escolha – ou fica e corre risco de tortura, destruição dos bens e morte, ou parte para tentar salvar a vida. Ninguém se torna refugiado porque quer.

Todos os países que integram a UE assinaram – e bem, em nome dos princípios humanistas de que a Europa se orgulha – as Convenções de Genebra dos anos 50 que criaram o quadro jurídico internacional que regula a situação dos refugiados e consagra o seu direito à protecção da vida.

Não há portanto, lugar para quaisquer subterfúgios – A UE ESTÁ DE FORMA INQUESTIONÁVEL OBRIGADA INTERNACIONALMENTE A CUMPRIR ESSES ACORDOS.

Uma obrigação tanto maior quanto é certo que os países europeus, mais desenvolvidos, nem sequer são os que suportam o maior fardo deste problema global.

Vejam-se os números: dos 59,5 milhões de refugiados existentes no mundo (dados da UNHCR), 20 milhões encontram-se fora dos seus países de origem. E destes 20 milhões, 80% (oitenta por cento!) estão situados em países em desenvolvimento, com muito menos recursos do que os países europeus.

Uma comunidade como a UE, de 500 milhões de habitantes, com um dos índices de desenvolvimento humano mais avançados do mundo, que se pretende apresentar como exemplo internacional, não pode simplesmente voltar as costas a este grave problema humanitário.Tem estrita obrigação legal e moral de ajudar quem chega.

Erguer barreiras com arame farpado, cães e soldados armados, tentar desencorajar a corrente por via da publicitação dos desastres em grande escala, deixar refugiados semi-abandonados por longos períodos em campos sem condições, não é, como já se percebeu, solução.

Essas dificuldades só estimulam o tráfico ilegal de pessoas. Já hoje, agentes sem escrúpulos de vários países coordenam esforços e lançam-se como bandos de aves de rapina sobre as pessoas indefesas, aproveitando-se das circunstâncias para fazer lucro à custa da vida alheia.

A UE Não pode permitir que esta situação continue

O que estaria de acordo com os princípios humanistas que diz professar seria a UE organizar vias claras de acesso – retirando campo de ação aos traficantes – , manter uma vasta rede de centros de acolhimento com condições humanas de tratamento, nos quais se tem de fazer a triagem para garantir um mínimo de segurança, e cumprir as obrigações internacionais decorrentes das Convenções de Genebra de que os países que a integram são signatários, concedendo asilo aos refugiados.

Entretanto, como é evidente, a regra aprovada há anos em Dublin de que deve ser o primeiro país de contacto a conceder o asilo precisa de ser revista e o fardo do acolhimento equitativamente distribuído, de acordo com o princípio do “burden share”.

Grande problema para a UE? Acho que não. Na verdade, longe de serem só um problema, muitos dos refugiados poderão até dar um contributo para debelar a crise demográfica enfrentada por vários países europeus (incluindo o nosso), e até reforçar, pelas suas contribuições, os respectivos sistemas de segurança social.

Isto é o mínimo a que a UE está obrigada, tanto mais que foi por responsabilidade ou cumplicidade de alguns dos seus principais países que Estados antes estáveis se transformaram, nos últimos anos, em focos de instabilidade, caos e guerra. Basta pensar no Afeganistão, Iraque, Líbia (de onde vieram o ano passado 2/3 dos refugiados) e Síria… Quem semeia conflitos, colhe refugiados.

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Emigração acelera efeito Ponzi nas reformas

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Opinião

Meio milhão de portugueses emigraram desde 2011 e o êxodo antecipou a ruptura do sistema de reformas. Entre os apelos do governo português à emigração e as vantagens para economias como a alemã, a norueguesa ou a suíça, têm sido ocultados os custos para Portugal.

Já em 2013 só havia por cada dez pensionistas doze pessoas com emprego. Entretanto a economia portuguesa perdeu mais 300.000 empregos. O rácio empregado / reformado deverá ter baixado nos últimos dois anos para 1 / 1. Neste momento cada empregado deveria estar a pagar uma reforma integral. E não era a sua. A reforma que tem de pagar é de um reformado actual – o remanescente dos descontos já não chega para assegurar reformas futuras.

Os últimos cincos anos abriram um buraco negro onde antes havia um ponto de interrogação no contrato geracional. Sem financiamento externo e cortes acentuados o fim do actual sistema de reformas torna-se inevitável nos próximos cinco a dez anos.

Além desta quebra por efeito de contribuições futuras perdidas, cada emigrado representa no momento em que sai do país um prejuízo sobre o investimento passado na sua formação de aproximadamente 150 mil euros.

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Isto significa: um sistema que já antes da intervenção da Troika não estava a funcionar de forma sustentável, funciona agora abertamente de acordo com as regras dum esquema Ponzi. Estas são as mesmas regras dos “negócios financeiros” de uma D. Branca ou Ricardo Salgado: um sistema com colapso programado que cobra hoje sob a falsa promessa de reembolsar todos os investidores com juros no futuro. Com uma diferença: nos clássicos esquemas fraudulentos deste tipo a participação é voluntária.

Ser jornalista hoje

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Estrela Serrano

Neste meu primeiro artigo no TORNADO, volto a alguns dos princípios que têm norteado o meu olhar e a minha reflexão sobre o jornalismo.

Há uns anos, sobretudo antes do surgimento da Web 2.0 em 2004 e do desenvolvimento das redes sociais, o jornalista era o principal mediador entre os cidadãos e o “acontecimento”, entendido este como o que rompe a normalidade e se impõe aos nossos olhos e à nossa atenção. O que o jornalista dizia ou escrevia então sobre um acontecimento determinava ou influenciava, em grande parte, o que o público pensava e sobre o que pensava. Juntamente com as organizações que funcionam como fontes, o jornalista possuía um poder e uma autoridade que lhe permitiam decidir quem tinha voz no espaço público e quem era excluído dele.

Hoje o jornalista já não é o principal mediador da informação que chega aos cidadãos, embora continue a deter um papel importante na sociedade, que não desapareceu com as redes sociais e com os desenvolvimentos tecnológicos subsequentes. Hoje qualquer cidadão pode divulgar factos e opiniões, verdadeiros ou inventados, mas o simples facto de os comunicar não transforma esse cidadão num jornalista, ainda que os seus textos e as suas imagens contenham matéria que possa ser considerada “nova”, “actual” e de “interesse público”, isto é, que possa ser chamada “notícia”. O cidadão que escreve nas redes sociais não está vinculado à procura da verdade nem se rege pelas normas que enquadram a profissão de jornalista. O chamado “cidadão-jornalista” não é mais que uma perversão do jornalista profissional.

Ontem como hoje, ser jornalista pressupõe um “contrato” com os cidadãos e com a sociedade, que esperam receber dele informação rigorosa e independente sobre o que acontece no mundo. Em troca da independência a que está obrigado, o jornalista é credor de confiança, credibilidade e autoridade, as quais lhe conferem uma legitimidade e um estatuto que o colocam acima de quaisquer interesses e inclinações, sejam eles de natureza pessoal ou política, respeitem as instituições públicas ou privadas. Mas não basta que um jornalista se declare independente. É preciso que os cidadãos lhe reconheçam essa qualidade.

Ser jornalista é obedecer a um estatuto profissional vertido na lei e a um código deontológico aceite pelos pares, que lhe conferem direitos e deveres.

As redes sociais e a possibilidade de cada cidadão poder comunicar directamente com outros cidadãos sem a intermediação profissional do jornalista tornaram mais ténues as fronteiras do jornalismo e da comunicação, com prejuízo da credibilidade do jornalismo. É por isso que o debate sobre o que é ser jornalista hoje não pode abstrair-se do património histórico adquirido pelo jornalismo:

– em primeiro lugar, a existência de uma mitologia quase indiscutível em torno do que é ser jornalista, derivada do facto de a emergência de uma imprensa livre se encontrar historicamente ligada à construção dos regimes democráticos;

– em segundo lugar, o facto de o jornalismo não caber na definição de profissão organizada. Ao contrário dos médicos ou dos universitários, os jornalistas não são obrigados a possuir um diploma nem devem o seu prestígio social a um curso especial, mas a outros recursos, como a qualidade e o rigor da escrita, a visibilidade social, a proximidade com os detentores do poder, a coragem (caso do repórter de guerra);

– em terceiro lugar, a circunstância de o trabalho jornalístico não poder ser compreendido fora da análise das interacções estabelecidas no seio das redacções ou das relações com as fontes;

– em quarto lugar, os quadros mentais próprios do campo jornalístico engendram comportamentos específicos, tais como definições do que é ou não notícia (os critérios jornalísticos), formas específicas de escrita, utilização de estereótipos e lógicas de afirmação face a meios concorrenciais;

– em quinto lugar, o “saber fazer” do jornalista decorre e constrói-se no seio de constrangimentos próprios de uma estrutura de interdependências com a hierarquia, os colegas, as fontes, que nenhum discurso sobre a liberdade do jornalista é capaz de dissipar;

– em sexto lugar, o peso das estratégias comerciais da empresa, os objectivos que fixa quanto aos seus lucros e ao proveito social do público determinam a importância da informação, que resulta, em grande parte, do que falam outros títulos da concorrência, (a “vigilância cruzada” entre concorrentes produz efeitos perversos, como seja a polarização em torno dos mesmos objectos e das mesmas temáticas, com apagamento de outras questões e pontos de vista);

– em sétimo lugar, a influência dos novos media e dos novos comunicadores e a velocidade da comunicação e da informação. O jornalista não pode já limitar-se às fontes tradicionais e institucionais. As redes sociais, os blogs e toda a panóplia de fontes formais e informais constituem ao mesmo tempo um desafio, um risco e uma forte concorrência.

Como defender o campo jornalístico e preservar a identidade do jornalista? Matéria para outro texto…

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Estrela Serrano, Doc.Uni.,Iniv./Media e Jornalismo

Eleição de Corbyn traduz descontentamento dos jovens trabalhistas

Carlos Fino

Jeremy Corbyn: Back to the future? Entre outras medidas, Corbyn (o recente eleito líder do Partido Trabalhista britânico)  defende o relançamento dos investimentos industriais pelo Estado, a renacionalização dos caminhos-de-ferro e o apoio financeiro à segurança social. Em termos de política de defesa, manifestou-se em tempos pelo fim da OTAN/NATO, “que deveria ter desaparecido com a guerra fria” e tem sido contrário à renovação do armamento nuclear britânico.

O Partido Trabalhista britânico tem, desde sábado passado, um novo líder – Jeremy Corbyn, 66, deputado desde os anos 80, conhecido pelas suas posições de esquerda, de clara inspiração socialista e pacifista.

A eleição de Corbyn – pela expressiva maioria de 59,5% do mais de meio milhão de votantes – só foi possível devido à alteração das regras eleitorais do partido, que deixaram de conferir privilégios decisórios aos colégios constituídos de deputados, sindicalistas e militantes, abrindo acesso às urnas a todos, incluindo simpatizantes, numa base igualitária, de acordo com o princípio – um homem, um voto.

A sua ascendência à liderança marca claramente o fim da era Blair, que, para reconquistar o poder para o Labour, do qual se encontrava arredado havia quase duas décadas, se afastou, no final dos anos 90, das velhas tradições socialistas do partido, aproximando-o mais e mais do centro político. Uma mudança que chegou a ser apresentada – sem ironia – pela anterior primeira ministra-britânica, Margaret Thatcher, como a sua “mais valiosa herança” deixada à Grã-Bretanha.

Eleição de Corbyn

A viragem à direita garantiu três vitórias eleitorais consecutivas aos trabalhistas. Mas o apoio de Blair à guerra do Iraque, em 2003, num alinhamento descarado com os EUA de George W. Bush, contra a corrente dominante da opinião pública, nunca foi bem digerido pelo partido. E as políticas restritivas que se seguiram, já com Gordon Brown, acabaram em 2010, por conduzir ao regresso dos conservadores ao poder, sem que os trabalhistas conseguissem, desde então, traçar uma clara política alternativa à austeridade de inspiração  neoliberal, agora dominante.

A eleição de Corbyn parece traduzir o crescente descontentamento dos membros do partido – sobretudo os mais jovens – com o que ainda restava do blairismo, sucumbindo à tentação de um regresso às velhas raízes de inspiração socialista do trabalhismo britânico, de que o novo líder tem sido arauto desde que ingressou na vida política.

Uma sedução que se compreende se tivermos em conta os impasses da alternância política sem verdadeira alternativa e sobretudo o facto de as novas gerações não terem memória dos impasses e erros a que conduziram algumas das políticas mais radicais do Labour, nos distantes anos 70 e 80, as quais acabariam por conduzir os Tories ao poder por longos 18 anos.

Estamos, portanto, perante uma clara viragem à esquerda, que causou arrepios em todo o establishment centrista do chamado arco da governação, de que a virulência das primeiras reacções do primeiro ministro britânico é bem significativa, ao acolher a eleição de Corbyn na ponta das baionetas:

“O Labour – escreveu David Cameron no twitter – é agora uma ameaça à segurança nacional, à economia e à segurança das famílias.” (sic).

O grande desafio

Jeremy Corbyn não tem a seu favor a história do partido no último meio século. Na verdade, sempre que os trabalhistas tentaram travar ou corrigir a sua trajectória direitista com inflexões à esquerda, acabaram derrotados nas urnas, deixando pelo caminho os líderes que encabeçaram essas tentativas – Tony Benn, Michael Foot, Neil Kinnock… Será Corbyn melhor sucedido onde todos esses falharam?

O desafio é enorme e implica convencer as classes médias de que vale a pena correr os riscos inerentes à quebra do status quo.

O descontentamento com as políticas austeritárias, que têm retirado mais e mais poder de compra à grande maioria e produzido maior desigualdade, é enorme. Mas isso não chega para garantir a mudança. São necessárias políticas credíveis capazes de convencer o eleitorado de que a alternativa não se limita a gastar mais sem garantias de equilíbrio orçamental que deitem tudo a perder.

Entre outras medidas, Corbyn defende o relançamento dos investimentos industriais pelo Estado, a renacionalização dos caminhos-de-ferro e o apoio financeiro à segurança social. Em termos de política de defesa, manifestou-se em tempos pelo fim da OTAN/NATO, “que deveria ter desaparecido com a guerra fria” e tem sido contrário à renovação do armamento nuclear britânico.

Tudo heresias e pecados mortais que suscitam a fúria dos defensores do status quo e o desagrado dos comentadores dos media main stream.

Alguns temem inclusive que a sua vitória possa levar a uma “guerra civil” no interior do partido, abrindo um conflito declarado com o grupo de deputados eleitos, mais conservadores.

Mas também há quem lembre que já existe um precedente na vida política britânica de um líder que se afirmou, primeiro, contra os velhos donos da sua própria organização e soube depois, pela força do seu empenho e das suas convicções, obter o apoio maioritário do país, acabando por transformar as suas ideias radicais e heterodoxas em quase senso comum dominante.

Esse líder, nos antípodas políticos de Jeremy Corbyn, chamava-se Margaret Thatcher.

Sobre este tema, pode ver: http://www.theguardian.com/politics/2015/sep/12/what-does-jeremy-corbyn-think?CMP=fb_gu    http://www.publico.pt/mundo/noticia/jeremy-corbyn-ja-e-o-novo-lider-dos-trabalhistas-britanicos-1707612 http://www.publico.pt/mundo/noticia/o-camarada-corbyn-ou-o-drama-da-socialdemocracia-1707655

     http://www.independent.co.uk/voices/comment/an-unelectable-extremist-who-hijacked-their-party-has-already-served-as-prime-minister–her-name-was-margaret-thatcher-10482479.html

     http://www.lemonde.fr/europe/article/2015/09/11/corbyn-sauveur-ou-fossoyeur-du-labour_4752950_3214.html

 

Obras no Conservatório só lá para 2017

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Obras no conservatório (Lisboa)

Em início de mais um ano lectivo, a Escola de Música do Conservatório Nacional (EMCN) conseguiu consertar as situações mais críticas que puseram a segurança dos alunos e funcionários em causa no princípio de 2015, mas a solução definitiva para os problemas estruturais do edifício ainda vai demorar a chegar.

Salas encerradas, aulas em corredores, um pátio em perigo de ruir, um auditório com vários problemas funcionais: foram tempos difíceis os que se viveram no início de 2015 na EMCN. “As águas começaram a entrar por tudo o que eram essas zonas da cobertura e começaram a correr por dentro das paredes do último piso e a aparecer no primeiro piso”, conta a directora da escola Mafalda Pernão.

Para além dos problemas da cobertura do telhado que punham em risco a segurança dos alunos e funcionários, há ainda dificuldades ao nível do funcionamento escolar que já existem há bastante tempo, desde que a EMCN inseriu no seu currículo o ensino integrado ao nível do 2º e 3º ciclos: “Têm a ver com a falta de espaço de bar, falta de espaço para os alunos estarem e poderem estudar e terem uma sala para eles, como a falta de condições para a educação física”, explica a directora.

Espaços improvisados

Desde 2008, altura em que a EMCN integrou o ensino curricular do 2º e 3ºciclo que são precisas obras de reestruturação das salas para melhor adequar o que eram espaços de prática de instrumentos para 14 alunos em salas de aulas teóricas para 20 alunos. O espaço dedicado à educação física é também improvisado e a escola não tem um espaço de refeitório onde os alunos possam ter uma refeição quente. Têm apenas vending machines e um microondas para quem traga comida de casa.

Na sequência das cheias do início de 2015 foi feita pela própria escola uma lista das situações mais urgentes a serem resolvidas, a qual foi recebida pela Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares. Esta concedeu um orçamento para reparação desses mesmos espaços. Mafalda Pernão refere que “foi preciso de facto refazer todo o tecto , pintar as salas, voltar a pôr os tectos falsos, dar condições novamente às salas, assim como resolver os problemas da cobertura que tinham feito com que isso acontecesse”. No entanto, a directora admite que esta pode não ser uma solução duradoura: “Só quando chover agora é que vamos ter a certeza”.

Obras de fundo daqui a um ano

Em Agosto, o Ministério de Nuno Crato anunciou a abertura de concurso para o projecto da nova EMCN em Outubro ou Novembro. Contudo, as eleições legislativas de 4 de Outubro poderão renovar o Ministério da Educação e Ciência (MEC). O ministério afirmou ao Tornado que “tendo em conta o estado de conservação que o edifício evidencia, não cremos que a intervenção no Conservatório possa estar dependente de calendários políticos”.

A directora da escola confirma que lhes foram dadas garantias das obras mas prevê que, tendo em conta o período concursal para o projecto elaborado com a Parque Escolar e posteriormente para a empreitada da obra, as obras comecem dentro de dois anos mas mostra-se compreensiva: “Acho que toda a gente compreende e percebe que é um processo que decorre de uma negociação, neste caso de um concurso porque é um edifício público e é uma escola pública”. O MEC disse ao Tornado que “considerando os prazos legais associados aos procedimentos de contratação envolvidos, estima-se que a obra possa vir a iniciar-se no final do próximo ano, com uma duração prevista para a realização dos trabalhos de 18 meses”.

Deslocados com esperança na escola nova

Em relação ao período de obras, a directora refere lhes “ foi dito é que iríamos ter que ser temporariamente deslocados para outra zona e aliás já estão a fazer contas de quanto é que isso também tem de custo” pois para além de mesas e cadeiras das salas teóricas, a EMCN tem muitos instrumentos que terão que ser deslocados e, mais tarde, recolocados na nova escola.

Para além da EMCN, no mesmo edifício funcionam alguma salas da Escola de Dança do Conservatório Nacional, com a qual a Parque Escolar está também em conversações para traçar um projeto de melhoria das instalações, segundo diz Mafalda Pernão.

João Fazenda vence 1º edição do World Illustration Awards

ilustracaoO ilustrador português João Fazenda foi um dos 16 distinguidos na primeira edição dos World Illustration Awards, uma iniciativa da Association of Illustrations que reconhecem a ilustração contemporânea mundial, em diferentes categorias.

João Fazenda foi premiado pelas suas ilustrações no livro “Densetsu: Histórias do Japão antigo”, uma obra que reúne contos tradicionais japoneses, traduzidos, pela primeira vez, para português e que será lançada em Outubro. Contudo, o ilustrador, que vive em Londres, tem trabalhos publicados em jornais internacionais como o The New York Times, o The Guardian, ou o El País.

ARSLVT anuncia contratação de 88 novos médicos para os centros de saúde

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Os médicos de família que vão começar a entrar nos centros de saúde, Já no próximo mês de Setembro, candidataram-se a vagas no serviço público de saúde, mas sujeitaram-se a níveis de ponderação diferente na avaliação e estão a assinar os contratos em tempos desfasados, contra as orientações da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

Entretanto, a Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) anunciou a contratação de 88 Médicos de Família. Como resultado do referido concurso, a ARS afirma que mais 167.200 utentes passaram a ter médico. Cada um dos novos clínicos terá uma lista de 1900 pessoas.

Mas não é pelo anúncio da ARS que o sindicato dos médicos, Sim, aceita o processo de contratação. Pelo contrário. Em novo comunicado, de 18  deste mês, recorda que “36.100 utentes vão ficar sem médico”, devido à  “ânsia  da ARSLVT em contratar e anunciar Médicos de Família e à inércia da ACSS”. Os números que o sindicato aponta referem-se à diferença entre as 107 vagas que existiam e os 88 contratos realizados.

O sindicato volta a pôr em causa os concursos regionais e ainda por cima desfasados. Este processo levou, segundo o comunicado, a que ” 19 vagas para Médico de Família ficassem por ocupar”. O Sim defende que “o concurso deve ser um único a nível nacional”.

Distribuição dos médicos por centros de saúde segundo a ARSLVT

ACES Nº de contratos assinados 2015
Almada Seixal 9
Amadora 3
Arco Ribeirinho 5
Arrábida 4
Cascais 6
Estuário do Tejo 5
Lezíria 5
Lisboa Central 7
Lisboa Norte 4
Lisboa Ocidental e Oeiras 4
Loures/Odivelas 9
Médio Tejo 3
Oeste Norte 3
Oeste Sul 8
Sintra 13
Total  88

 

Ver mais: Médicos colocados em todo o País por concursos regionais

Desigualdade aumenta entre homens e mulheres mais pobres

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Acesso ao CSI só para quem vive abaixo do limiar da pobreza
Acesso ao CSI só para quem vive abaixo do limiar da pobreza

Os mais velhos continuam a empobrecer em Portugal e as mulheres destas faixas etárias estão a ficar ainda mais pobres do que os homens. É o que provam as estatísticas da Segurança Social (SS), na análise realizada ao número de beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI).

 

Até na pobreza as mulheres se destacam dos homens. Os números da Segurança Social não deixam margem para dúvidas. A desigualdade entre homens e mulheres está muito longe de ser erradicada em Portugal.

Veja-se o que se passa na atribuição das prestações de Segurança Social (SS), à população reformada por velhice e que é, ao mesmo tempo, titular de CSI. Neste subsídio a percentagem de mulheres que o recebe é superior à dos homens em cerca de 40%, enquanto nas pensões a diferença ronda os 6%. À partida pode parecer que elas são favorecidas havendo muito mais mulheres beneficiárias. Não é assim. O CSI é uma prestação social paga a idosos com muito baixos recursos económicos. Para haver direito ao subsídio, os rendimentos  que auferem devem ser inferiores a 4 909.00 euros por ano, quando se trata de uma só pessoa e a 8 590.85 euros se for um casal. São valores que se situam abaixo do limiar de risco de pobreza. Segundo a Pordata este montante era de 4 937.00 euros, em 2013.

Filhos acabam por subsidiar os pais de modo indirecto

O acesso ao CSI obriga as pessoas que o requerem a passar por um processo burocrático complexo. Inclui um vasto rol de condições de atribuição em que se contabiliza até a solidariedade familiar. Esta concretiza-se na obrigatoriedade legal de os filhos subsidiarem os pais. Para esse efeito, os filhos têm que declarar os rendimentos dos seus agregados fiscais à SS para que sejam integrados em escalões e, dessa forma, calculada a importância que deve ser considerada como rendimento do idoso em causa. O montante encontrado é, então, somado aos recursos efectivos do beneficiário, o que faz, na generalizade dos casos, descer o valor do CSI e pode levar à perda do direito ao subsídio.

No entanto, apesar da grande complexidade do processo de atribuição, como a maioria dos idosos portugueses é extremamente pobre, ainda são muitos aqueles que recebem este apoio. Em maior número encontram-se as mulheres, tal como se verifica através das estatísticas da SS que analisámos, num período de cinco anos, de 2010 a 2014. As pensões de velhice eram, em média, de 3 266.60 euros anuais em 2010, 3 501.00 em 2011 e de 3 451,00 em 2012, dados do Instituto Nacional de Estatística.

Pelos dados tratados nos gráficos e nos quadros que se publicam nesta página * pode ver-se que, somando homens e mulheres, em 2010 eram 246 664 as pessoas que recebiam CSI. Logo no ano seguinte registou-se uma subida no número de mulheres, enquanto o número de homens desceu.  No entanto, a tendência de descida verificou-se, progressivamente, tanto nos homens como nas mulheres, nos anos seguintes.

Em 2014, o número total já era apenas de 183 112, o que representa uma queda abrupta, à volta dos 26%, como fundamentam os gráficos publicados nesta página. Lendo o gráfico abaixo, concluímos  também que, nos cinco anos, o número de mulheres é sempre superior ao dos homens.

titulares de csidososEm 2014 o número caiu para 126 346 nas mulheres e 56 766 nos homens

No mesmo período de tempo, em termos percentuais, relativamente às pensões de velhice, as mulheres são apenas mais 6% do que os homens. Um dado que se explica por haver mais mulheres do que homens na população portuguesa. Já no CSI existem cerca de 40% mais de mulheres do que homens a receber a prestação. Isto porque, em regra, as mulheres têm rendimentos mais baixos.

percentagensgráfico número 2As mulheres são mais de 40% do que os homens

 

Pensões atribuídasAs mulheres são apenas mais 6% do que os homens

 

 Descida do valor de referência do CSI corta acesso a beneficiários

Entre 2010 e 2014 o número de pessoas beneficiárias do CSI reduziu à volta de 60 mil; 35 mil nas mulheres e 25 mil nos homens. Isto acontece, essencialmente, devido à redução do valor de referência do subsídio, a partir de Fevereiro de 2013. Passou de 5 022.00 euros para 4 909.00, por pessoa, e de 8 788.50 para 8 590. 85 euros, sendo um casal. Ainda assim, a grande redução, nos cinco anos em análise, verifica-se sobretudo em 2014. Comparando com o ano de 2012, em que há mais beneficiários, a queda rondou os 24% nas mulheres e os 28% nos homens. Isto significa que, como os rendimentos dos homens são, regra geral, mais elevados, ao descer o valor de referência sobe o número de homens que fica sem prestação. Nas mulheres também a descida é elevada, mas em termos percentuais é menor do que nos homens porque elas têm sempre rendimentos inferiores.

Evolução dos beneficiários do CSI em cinco anos

Ano de referência Titulares de CSI
Feminino Masculino
2010 165.231 81.433
2011 167.659 81.075
2012 166.442 78.427
2013 162.554 75.290
2014 126.346 56.766

 

Titulares de pensões de velhice em cinco anos

Ano de referência Pensionistas de velhice
Feminino Masculino
2010 1.011.183 892.342
2011 1.033.280 917.751
2012 1.052.067 939.124
2013 1.069.486 949.342
2014 1.065.588 945.453

Em termos comparativos, o que aconteceu com o CSI não se regista nas pensões de velhice. Tanto nas mulheres como nos homens o número de beneficiários subiu todos os anos, dado que a população continua a envelhecer. Só em 2014 se encontra uma descida, próxima de quatro mil em cada um dos sexos, explicada pela subida da idade legal de acesso à pensão para 66 anos.

*Fonte: Estatísticas da Segurança Social (Abril de 2015).

Médicos colocados em todo o País por concursos regionais

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Os Médicos de Família que vão começar a entrar nos centros de saúde, já no próximo mês de Setembro, candidataram-se a vagas no serviço público de saúde, mas sujeitaram-se a níveis de ponderação diferente na avaliação e estão a assinar os contratos em tempos desfasados, contra as orientações da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

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Os clínicos que concluíram o internato da especialidade, na primeira época deste ano, encontram-se em concurso para o preenchimento de 237 vagas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), na área da Medicina Geral e Familiar.

Candidataram-se a postos de trabalho no SNS, mas, na prática, não concorrem a nível nacional e submetem-se a procedimentos de selecção, estruturalmente iguais, embora sujeitos a variações no valor relativo atribuído às áreas em apreço: nota de exame de saída da especialidade e entrevista profissional. Cada uma das cinco ARS define a ponderação a fazer entre os dois parâmetros. Assim, cada candidato a um lugar nos Cuidados Primários do SNS pode ter uma nota diferente caso esteja a concorrer a norte, sul ou centro do País.

No final, em vez de existir uma lista ordenada nacional, cada ARS tem a sua lista própria e contrata a partir dela. Ainda assim, se os calendários fossem concertados entre as cinco instituições, os médicos poderiam escolher os lugares de forma mais adequada, já que conheciam a posição relativa nas listas ordenadas em cada uma das ARS.

Houve orientações da ACSS para que os contratos fossem assinados no mesmo dia

Como a ARS de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) se antecipou e abriu o processo de escolha, incluindo contratualização imediata com vinculo por três anos, compele os clínicos a aceitar uma vaga que era menos adequada à sua vida pessoal e profissional, pelo que, para não correrem riscos de ficar no desemprego, poderão aceitar lugar a sul quando pretendiam ir para norte e vive-versa.

O Sindicato Independente dos Médicos (Sim) emitiu um comunicado, no dia 14, sexta-feira, a contestar o concurso e a antecipação da ARSLVT, por esta ter avançado para a contratação quando as entrevistas ainda estão a decorrer na ARS Norte.

Roque da Cunha, secretário-geral do Sim, considera que “a abertura de concursos regionais causa perturbação no processo” e, por isso, diz que o sindicato, “avisou a ACSS com antecedência” e espera que “não se repitam concursos regionais”. Por seu lado, Hugo Cadavez, dirigente do mesmo sindicato no norte do País, julga que a “ARSLVT terá muita urgência em completar os seus quadros”, uma vez que “houve orientações da ACSS para que os contratos fossem assinados no mesmo dia”. Este dirigente adianta que a “ACSS endereçou um ofício às ARS determinando que as listas de seriação fossem lançadas até dia 31 de Agosto” e que “só a partir daí” se iniciaria, ao mesmo tempo, a escolha das vagas em todas as ARS.

 

Irão, questão nuclear para o novo Médio Oriente

NUCLEAR

As negociações do Programa Nuclear Iraniano, que viram um desfecho optimista, há cerca de um mês e que só terminarão em definitivo no último dia deste semestre, relevam de importância para a Administração Obama, para o Irão e para os iranianos, bem como para toda a região. 

Para Obama, que quer ficar na História para além do óbvio, substituiu a questão israelo-palestiniana, habitualmente priorizada no final dos segundos mandatos dos presidentes americanos, sobretudo a partir do fim da Guerra Fria, pela questão iraniana.

A opção parece-me óbvia, já que se por um lado já ninguém acredita na Solução Dois Estados para a Palestina, mexer com o nuclear iraniano e regulá-lo, é tocar em duas cabeças da serpente que após o 11 de Setembro pouco, ou mesmo nada foram incomodadas, na chamada Luta Contra o Terrorismo. Refiro-me naturalmente à Arábia Saudita e ao Paquistão, cujos respectivos wahabismo e salafismo, nunca deixaram de crescer, proselitar, financiar e servir de farol inspirador para todo o terrorismo de cariz islamista.

Um Irão nuclear, por civil que seja, alimentará um efectivo ambiente de Guerra Fria regional, no qual a “Guerra será improvável e a Paz Impossível” (Raymond Aron), por via de um Israel e de um Paquistão nucleares, mas também pelo maior negócio bélico da História da Humanidade, assinado em 2012 entre os Estados Unidos da América, a Arábia Saudita e os Emiratos Árabes Unidos, no valor de 200 mil milhões de dólares e com prazos de entrega a 10 anos, ou seja, até 2022. Parte substancial destes equipamentos, são caças-bombardeiros e mísseis bunker-busters, os quais terão como alvo primordial instalações nucleares iranianas, no interior de montanhas.

Neste contexto, a tensão e os conflitos continuarão, não directamente, mas sim canalizados para os elos mais fracos, o que aliás já se verifica no Iémen, na Síria e no Iraque. De assinalar também, a “beleza” e complexidade da Real Politik, já que aqueles que se combatem a sul, no Iémen, colaboram a norte, no cenário sírio-iraquiano, tentando limitar os avanços do “Estado Islâmico”. Refiro-me a sauditas e iranianos.

O Iraque espartilhado e tripartido entre sunitas, xiitas e curdos é, aliás, o maior perdedor de todo este processo, vendo substituída a importância e influência que tinha regionalmente e junto dos americanos, pelos iranianos.

Reacções Internas

Esta fase das negociações ultrapassou praticamente 3 dias o prazo que estava previsto, precisamente porque estavam a correr bem, mas também porque ambas as partes, americanos e iranianos tinham obrigatoriamente de regressar aos respectivos países com um acordo quadro concreto, sobretudo por duas razões. A primeira é a de que as sanções económicas ao Irão só poderão ser suspensas, após aprovação do Congresso Americano, com actual maioria Republicana. Esta, apresenta-se ainda relutante a apoiar o acordo e a votar o levantamento das sanções, já que diz que o acordado não passa de uma declaração de boas intenções e vazio de soluções.

Em segundo e, para os iranianos, este acordo é fundamental pois justifica, reforça e sustenta este regime teocrático em vigor desde a chamada Revolução Islâmica, de 1979. Entretanto, o Irão já avisou que só cumprirá com o prometido, caso as sanções sejam levantadas na totalidade e em simultâneo.

Tudo se encontrará, mais semana menos semana, já que ambas as partes não perderão o momento. Leon Panetta, ex-Secretário da Defesa (2011/13) da Administração Obama, anunciou em 2012 o projecto americano de deslocalizar progressivamente a sua frota naval mais sofisticada para a Ásia-Pacífico até 2020, ano em que esta atingirá 60% do seu total por esses mares. Ou seja, os americanos querem desembaraçar-se do Médio Oriente o mais depressa possível e para tal necessitam de um novo polícia amigo na região, antagónico aos seus próprios aliados israelitas e sauditas!

Cimeira Luso-Marroquina

Marrocos apresentou-se em Lisboa com o Primeiro-Ministro Abdelillah Benkirane à cabeça de uma delegação com 7 ministros e mais de 20 empresários locais, demonstrativo da importância com que olham para nós, fruto também de uma relação bilateral que parece atingir um grau de maturidade que está para além da relação histórica, precisamente no ano em que se comemoram os 600 anos da conquista de Ceuta.

Portugal tem muito bem presente esta ligação histórica, bem como o facto desta antiguidade lhe permitir uma relação potencialmente mais sã e profícua, que a que o Marrocos tem com os ex-colonizadores espanhóis e franceses, baseada num normal amor-ódio pós-colonial.

Neste sentido e, apesar destes 600 anos de História comum, a verdade é que franceses e espanhóis têm 100 anos de avanço perante os portugueses, no que toca às relações empresariais e comerciais. É precisamente por isso que necessitamos ter uma pro-actividade criativa baseada na nossa própria idiossincrasia, fazendo assim a diferença. Coisas simples, como perceber que o nosso prato símbolo se trata de um peixe, o bacalhau, ideal para ambiente islâmico.

Assim, não seria de todo despropositada a constituição de uma Confraria do Bacalhau no Marrocos, cujo Confrade-Mor seria o próprio Embaixador de Portugal, o qual promoveria um domingo por mês um almoço de confrades, para o qual também seriam convidados políticos, empresários, académicos e artistas locais. A promoção dos nossos melhores produtos regionais não poderia ter melhor montra, nem melhor público, já que este seria constituído pelos próprios decisores políticos. Por outro lado e para consubstanciar esta acção, há a necessidade de se abrir um restaurante-cervejaria com a dimensão merecida e que tão bem ficaria na nova Marina de Casablanca.

Visto de fora, o discurso do pastel-de-nata faz todo o sentido. Se Marrocos tem na Cerimónia do Chá e o Brasil na Capoeira, instrumentos das respectivas políticas externas, porque é que Portugal não o poderá fazer com o bacalhau, o que através da Confraria abriria de imediato a porta à promoção dos vinhos, azeites, queijos, enchidos (que também têm público no Magrebe), frutas, etc. À imagem do português, o marroquino também se conquista pelo estômago e é nesta abordagem quase informal que nós e eles nos sentimos mais à vontade para fazer as coisas acontecerem!

Até ao momento sabe-se que foram assinados 2 protocolos de cooperação nas áreas da educação e ensino superior, o que vai no seguimento da Licenciatura em Estudos Portugueses ministrado na Universidade de Rabat. Outro aspecto importante, a criação de quadros com um apego sentimental ao nosso país e que circulem entre os dois territórios, para que nós também os conheçamos melhor a partir daqui, enquadramento distinto das férias que muitos já fizemos no exótico e “distante” Marrocos.

Por outro lado, estes quadros também poderão ser absorvidos pelas cerca de 180 empresas portuguesas já instaladas no reino, bem como pelas entre 1200 a 1300 empresas lusas que já negoceiam/comerciam com este, mas a partir de Portugal.

Uma nota final para uma outra realidade também desconhecida entre nós. A existência de uma crescente classe média marroquina endinheirada e à procura de novos mercados de lazer, sobretudo para férias e “escapadinhas” de fim-de-semana. São exactamente os mesmos que já compraram e já usufruíram tudo o que tinham a comprar/usufruir em Espanha e França e que procuram novas aventuras.

Em tempo de crise, até neste âmbito poderemos inverter o sentido do investimento/gastos a nosso favor, fazendo assim do Marrocos um país emissor de turismo para Portugal, o que certamente nos ajudará a recuperar economicamente, a ver o filme ao contrário e a aprender com o Outro, aquele que sempre se disse cuja capital está mais próxima de Lisboa, que Madrid.

Há que haver criatividade, manha e boa vontade das senhoras que estão a atender no Consulado Português em Rabat!

Procura-se Português, perdido no Brasil (I)

Carlos Fino


Portugal e Brasil estiveram intimamente ligados durante mais de três séculos. O Brasil é inclusive, em grande medida, uma 
“invenção portuguesa”, como até hoje se reconhece nalguns manuais de ensino dos dois países.

Foi no Brasil que se situou a capital do Império português quando, em 1808, a corte de Lisboa, fugindo das invasões napoleónicas, se transferiu para o Rio de Janeiro e D. João VI proclamou, em 1815, o Reino Unido.

Mesmo depois da independência do Brasil, em 1822, fortes laços continuaram a ligar os dois países, reforçados socialmente por uma emigração em massa de portugueses para o Brasil. De acordo com as estatísticas brasileiras, entre 1820 e 1968, teriam chegado ao Brasil 1.769.986 portugueses (Cervo, 2000:143).

Com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia (actual UE), em 1986, e a formação do Mercosul, em 1991, as relações económicas e comerciais entre Portugal e o Brasil passaram a estar condicionadas pelas regras dos dois blocos.

A inexistência, até hoje, de um acordo global de comércio entre a União Europeia e o Mercosul tem limitado o progresso dessas relações, que se circunscrevem, no essencial, à troca de combustíveis (petróleo) brasileiros por bens de consumo agrícolas portugueses tradicionais (sobretudo azeite).

Ainda assim, as relações sociais e culturais entre os dois países permanecem intensas. No final do século passado, houve uma corrente de emigração brasileira para Portugal e “os brasileiros transformaram-se no maior grupo formal e contabilizado de estrangeiros em Portugal” (Malheiros, 2007:16).

Tem havido também importantes investimentos cruzados de capital, de que são exemplo, nos anos 90, a entrada de capital português no sector das telecomunicações brasileiras e, mais recentemente, a criação de uma fábrica da Embraer em Portugal.

Por outro lado, o facto de a TAP – transportadora aérea portuguesa – ter hoje mais de 70 voos semanais ligando Lisboa a uma dezena das maiores cidades do Brasil, traduz bem a intensidade das relações sociais, que abrangem, além dos contactos pessoais e familiares, as relações empresariais e institucionais, com relevo para a aproximação académica bilateral e no quadro da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

E no entanto, a gente estranha-se…

Apesar de tudo isso, existe reconhecidamente, de longa data, nas relações entre Portugal e Brasil, um certo “estranhamento”, um claro desconforto, que vai para além do natural afastamento entre colonizador e colonizado, ao qual Eduardo Lourenço se refere como “esse sentimento de uma ausência de laços vivos e vividos no presente, entre os nossos dois povos.” (Lourenço, 2004:145).

Um sentimento que a diferenciação entre os dois países, cedo iniciada, ajudou a criar e se consolidou no decorrer do processo que conduziu à independência.

Esse processo foi, com efeito, pontuado – antes e depois da separação formal, em 1822 – por episódios de alguma tensão (incluindo confrontos militares) que deixaram marcas no relacionamento bilateral. E já no final do século XIX, o apoio dado por militares portugueses a revoltosos da Armada brasileira levou o então presidente Floriano Peixoto a decretar o rompimento das relações diplomáticas com Portugal, que se prolongou de Maio de 1894 a Março do ano seguinte (Cervo, 2000:223).

Mas foi, sobretudo, a partir do movimento modernista no Brasil, com a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, que a separação cultural, de modos de falar, viver e sentir entre Portugal e Brasil se aprofundou.

“Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade” – escreveu então Oswaldo de Andrade no Manifesto Antropófago (ANDRADE,1928), justamente para acentuar o distanciamento em relação à matriz lusa.

A emergência dos Estados Unidos como potência dominante, a seguir à Segunda Grande Guerra Mundial, levou, por outro lado, a que o Brasil passasse a ser fortemente influenciado em termos culturais e de modo de vida pelos padrões norte-americanos.

Como me dizia, há dias, uma professora universitária brasileira, “preferimos ser enteados dos EUA que filhos de Portugal”.

Apagão mediático português

O afastamento/estranhamento entre Portugal e Brasil agrava-se também devido à quase total ausência de relacionamento institucionalizado entre os media dos dois países, um vazio mediático que tem produzido ou alimentado a sensação de (in)comunicação.

O jornal Público dedicou recentemente, ao longo de vários meses, toda uma série de reportagens ao Brasil, mas a iniciativa (surgida no âmbito do Ano de Portugal no Brasil e do Ano do Brasil em Portugal) teve carácter unilateral e não altera o essencial – a inexistência de vínculos regulares e institucionalizados entre os media dos dois países.

Basta referir que, com excepção dos acordos entre a brasileira TV Globo e a portuguesa TV SIC, centrados nas telenovelas, apesar da língua comum, não existem (e quando existem pouco se executam) protocolos de cooperação entre jornais, rádios, agências de notícias ou estações de televisão de um e outro lado do Atlântico.

Graças à expansão e influência da música popular brasileira (MPB), primeiro, e das telenovelas, depois, a penetração da indústria cultural brasileira de massas em Portugal é intensa, o mesmo não acontecendo no sentido inverso. Uma assimetria que, dada a desproporção entre as dimensões dos dois países, só poderia ser colmatada com uma forte presença da informação portuguesa no Brasil – edições brasileiras de jornais portugueses, maior visibilidade dos correspondentes portugueses no Brasil, penetração efectiva da agência Lusa no mercado brasileiro, mais esforços concertados dos mediaportugueses, públicos e/ou privados para garantir acesso ao espaço mediático brasileiro, etc. – o que não se verifica.

Contrariamente ao que seria desejável, de há uma dezena de anos para cá, acentuou-se mesmo o que poderíamos designar por apagão mediático português no Brasil.

Bem ilustrativo desse apagão é o facto de a RTP – rádio e televisão pública portuguesa – ter criado, desde o regresso de Portugal à democracia, em 1974, estruturas fortes em todos os países de língua oficial portuguesa, excepto no Brasil.

Ou seja, não há esforço especificamente direccionado ao Brasil por parte dos media portugueses, quer privados, quer públicos. Aquilo que existe (RTP, SIC…) são emissões genéricas com base na produção interna que não têm em conta a especificidade do público brasileiro e por isso não conseguem com ele verdadeiramente comunicar.

Por outro lado, em 2004, por decisão unilateral da Globo, a RTP Internacional foi retirada da maior rede de distribuição por cabo (NET), perdendo, de um dia para o outro, de acordo com responsáveis daquela estação pública portuguesa, 2/3 da sua audiência.

As emissões da SIC Internacional, que desde então passaram a ocupar o lugar da RTP Internacional, parecem menos envolvidas do que aquela no relacionamento com as comunidades e a sua grelha de programação, elaborada, a exemplo do que já acontecia com a grelha da RTP, apenas com base em produtos das emissões internas, também não dialoga verdadeiramente com o público brasileiro.

Para acentuar ainda mais este quadro, a Agência Lusa, que no final dos anos 90 chegou ter uma delegação em Brasília e que criou depois, em 2004, uma redacção em São Paulo responsável pela Lusa-Brasil, há muito que extinguiu ambas essas unidades, tendo na prática arriado bandeira no Brasil, onde trabalha hoje com recurso a meros “freelancers” sediados em São Paulo e no Rio de Janeiro, que produzem um fluxo de informação do Brasil para Portugal, mas não curam de penetrar no mercado brasileiro.

Não sendo verdadeiros representantes da empresa, os “freelancers” não exercem a vertente “diplomática” que caberia a um chefe de delegação/correspondente pleno executar nem exploram de forma sistemática, como também caberia àquele fazer, as possibilidades de penetração da agência Lusa no imenso mercado local.

A tendência é, portanto, para serem apenas accionados em casos de urgência ou para cobrir a agenda oficial – visitas de ministros, entidades oficiais, etc. – que tende a tornar-se dominante, num fluxo unilateral do Brasil para Portugal, o qual acaba por não cobrir verdadeiramente nem o Brasil nem a projecção histórica portuguesa no Brasil. A ausência mediática da parte portuguesa no Brasil prologa e acentua o sentimento de “estranhamento” nas relações bilaterais, gerando um sentimento de (in)comunicação.

(Continua…)

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A Saúde precisa de reforma urgente

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Felgueiras, 08/10/2012, Muitas foram as pessoas e utentes que se juntaram na porta do Centro de Saúde da cidade para, se manifestarem contra o fecho do mesmo. Pessoas junto da porta do centro e saude ( Ricardo Junior / Global Imagens )

Com 35 anos de existência, o Serviço Nacional de Saúde apresenta sinais de degradação que dificultam os cuidados prestados aos utentes e as condições de trabalho dos profissionais, exigindo medidas de sustentabilidade do sistema e melhoria dos serviços.

Um dos indicadores da diminuição das condições no Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a demissão de dirigentes de vários hospitais públicos, ao longo dos últimos meses, justificados pela falta de meios para prestar um serviço de qualidade: Hospital do Litoral Alentejano, Garcia de Horta, Amadora Sintra, Centro Hospitalar de São João, Hospital de Santa Maria.

Segundo a professora associada da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Ana Escoval, os três principais problemas que afectam actualmente o Serviço Nacional de Saúde e que necessitam de rápida intervenção são a perda de recursos humanos qualificados e diferenciados, a tentativa de privatização destes serviços e a própria sustentabilidade financeira do SNS que está em risco e que poderia, no seu entender, melhorar com um modelo de gestão diferente. Solução apresentada também por Henrique Botelho, representante da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), para os problemas actuais do SNS: “uma forte aposta no aumento dos níveis de literacia em saúde que informe  de forma competente, que dê transparência à gestão e ao desempenho das diferentes estruturas e que promova cada vez mais uma governação participativa que envolva os profissionais da saúde e os cidadãos seus destinatários. É fundamental que se compreenda e se explicite qual é o produto e o modelo de negócio em causa.”

População espera melhor resposta às necessidades

Quando questionados sobre a qualidade nos serviços de saúde prestados em hospitais públicos, a maioria dos portugueses classificaram a “dificuldade de acesso aos cuidados” e os “tempos de espera entre a marcação e realização de actos médicos” como aspectos negativos. Os dados são de um estudo apresentado pela Nova Information Management School (NovaIMS) em Março passado, no âmbito do projecto Saúde Sustentável [ver caixa]. Por outro lado, a maioria dos 552 cidadãos entrevistados no segundo semestre de 2014 deram nota positiva à qualidade dos profissionais de saúde e às infra-estruturas e equipamentos dos locais onde foram atendidos.

No que diz respeito à satisfação com os diferentes tipos de cuidados de saúde prestados em ambiente hospitalar, os inquiridos avaliaram vários aspectos em diferentes questões. O internamento é que mais se destaca com 89,5 % dos inquiridos a classificá-lo como positivo ou muito positivo, logo seguido pelos exames de diagnóstico (89%). As urgências são as que saem menos bem cotadas no campo da satisfação dos utentes, ainda assim com 64,5% a dar nota positiva ou muito positiva. Pelo meio ficam as consultas dos médicos de clínica geral ou familiar nos centros de saúde (82%) e as consultas externas de especialidade em hospitais públicos (81, 8%).

Na generalidade, o grau de satisfação dos inquiridos para com os cuidados recebidos no último ano através do Serviço Nacional de Saúde fica-se pelos 76,4%. Quanto às taxas moderadoras, 43,2% dos indivíduos entrevistados considera que não são adequadas.

Para além das queixas dos utentes, também os profissionais de saúde estão cada vez mais descontentes e vêem-se obrigados a emigrar para países com melhores condições de trabalho. Embora muitos profissionais aleguem falta de emprego, sobretudo no interior do país são frequentes as notícias de falta de médicos e outros profissionais de saúde.

Henrique Botelho tenta explicar este fenómeno justificando a opção dos clínicos portugueses com a falta de condições oferecidas pelo Estado: “A maioria dos responsáveis do governo da saúde têm tido uma enorme dificuldade e preguiça em compreender que trabalhar em zonas envelhecidas, deprimidas, carentes do ponto de vista socioeconómico, de grande dispersão demográfica, com cargas de doença bem acima da média do país e, por consequência, com cargas de trabalho por habitante também superiores, deveria implicar dispositivos de apoio, reconhecimento e incentivos distintos das regiões urbanas e litorais”.

A juntar à falta de incentivos para a mobilidade dos profissionais dentro do país, o representante da FNAM confessa ainda que os médicos são desvalorizados pelo SNS, embora elogiados pelos cidadãos que acompanham: “(os profissionais de saúde) têm sido irresponsavelmente maltratados e expostos, diria quase duma forma criminosa para a imagem e coesão dos serviços, como responsáveis pelas «falhas do sistema».”

SNS continua a ser preferido pelos portugueses

Apesar da deterioração das condições nos serviços públicos de saúde, os portugueses continuam a preferir aceder aos centros de saúde e aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Os dados apresentados são da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

Em 2014, assistiu-se a 6,1 milhões casos urgentes, um aumento de 1% face ao número registado no ano anterior. O mesmo aumento registou-se nas cirurgias realizadas em hospitais públicos, o que significa mais 6.603 cirurgias que no ano anterior.

As consultas médicas não presenciais registam um aumento maior (1,3%) que as consultas presenciais (0,3%), resultado que reflecte, na opinião da ACSS, a maior flexibilidade e adequação às necessidades das populações.

Estas estatísticas vêm igualmente corroborar os dados obtidos pelo estudo da NovaIMS em que os inquiridos admitiram não deixar de recorrer aos cuidados de saúde em serviços públicos devido à desadequação das taxas moderadoras.

Custos acima da média europeia

A despesa do Estado com a saúde tem vindo a diminuir, diz o governo. Mas de acordo com um estudo de economista Eugénio Rosa, esta redução só é possível através da maior contribuição dos utentes para o SNS, diminuindo assim os custos suportados pelo Orçamento de Estado.

Segundo Eugénio Rosa, os custos do Estado com a saúde diminuíram cerca de 40% entre 2010 e 2014, passando de 13.874,4 milhões de euros para apenas 8.289,6 milhões. E, sublinha o economista, “numa altura em que se verifica uma crescente degradação dos serviços públicos de saúde em Portugal, consequência dos cortes brutais no financiamento do SNS, que o governo e o ministro da saúde Paulo Macedo têm procurado ocultar, interessa desmontar também esta mentira utilizada na propaganda oficial” referindo-se aos dados apresentados pelo estudo “OECD Health Statistics 2014: How does Portugal compare?”.

Este estudo da OCDE mostra como, por um lado em 2000, a despesa total (pública e privada) com a saúde representava 9,5% do PIB e a média nos países da OCDE era de 9,3%; por outro, em 2012, apenas 65% da despesa total com saúde foi financiada pelo Estado português, ano em que a média nos países da OCDE atingia os 72,3%.

No mesmo documento é possível constatar que entre 2000 e 2012, o valor no orçamento geral do Estado para a saúde diminuiu de 66,6% para 65% enquanto nos restantes países da OCDE a mesma despesa com saúde subiu de 71,4% para 72,3%. Enquanto, para o Estado, os custos diminuíam, a despesa da saúde era suportada directamente pela população, aumentando de 24,3% para 27,3% entre o mesmo período.

Tecnologia: Despesa ou investimento necessário?

A evolução da medicina nos tratamentos e diagnóstico de doenças deve-se em muito à tecnologia que está, indubitavelmente, cada vez mais presente no nosso dia-a-dia. Mas a tecnologia permitiu também à medicina melhorar a gestão dos seus serviços bem como centralizar a informação de cada utente e diminuir custos ao nível de logística. Processos em papel que passaram a ser electrónicos, a marcação de consultas que passou a poder ser feita online ou por telefone e diminui assim o tempo de espera, são alguns exemplos práticos que a tecnologia permitiu alcançar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 50% de todos os avanços terapêuticos disponíveis hoje em dia não existiam há dez anos.

Contudo, a professora Ana Escoval alerta: “Apesar do reconhecimento da importância da tecnologia, é necessário que garanta não só resultados e ganhos em saúde, como que contribua para a sustentabilidade do SNS e não para a sua desfragmentação, facilitada pelo aumento da despesa”. Aviso também feito por Henrique Botelho, que refere: “A tecnologia em saúde destina-se a potenciar ganhos para os cidadãos. Em segurança, conforto, efectividade e, fundamentalmente, em resultados”.

Com o objectivo de melhorar o custo-beneficio dos equipamentos adquiridos, têm vindo a ser criados estudos sobre o impacto de novas tecnologias feitos por grupos que avaliam não só a sua funcionalidade clínica mas também o seu custo para a entidade interessada em comprá-la. É o caso do Grupo de Avaliação da Tecnologia, do qual Ana Escoval faz parte, criado em 2009 na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Avaliação de Tecnologia e Análise de Sistemas do Karlsruhe Institute of Technology da Alemanha.

Ana Escoval afirma que esta avaliação dos custos versus os resultados e vantagens que as tecnologias podem trazer, “é crucial para a compreensão do impacto da sua utilização para a população e para a despesa do SNS”.

A avaliação tecnológica em Portugal

Segundo um estudo de Carlos Gouveia Pinto e Luís Silva Miguel do Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa (CISEP), desde a década de 1990 que Portugal tem vindo a dar mais importância à promoção da eficiência das tecnologias adquiridas do que à contenção de custos.

Os investigadores referem que, embora sejam os administradores hospitalares os responsáveis pela gestão dos orçamentos das suas instituições, os profissionais de saúde têm um grande peso na escolha da adopção de novas tecnologias, sendo que estes têm acesso e consideram os estudos de avaliação das tecnologias para as suas decisões.

Ana Escoval corrobora estes dados ao referir que “depois de avaliados os seus custos e possíveis resultados, (as tecnologias) contribuem para a obtenção de melhores resultados em saúde, para respostas mais céleres e adequadas às necessidades da população e para a prestação de cuidados mais efectivos e com  mais ganhos em saúde”.

Noutro estudo, realizado pela Euromet, a nível europeu, a maioria dos médicos inquiridos (75%) admitiu que os custos devem ter alguma influência e importância na escolha de tecnologia. Embora, confessem os profissionais, a restrição orçamental, o desvio de conclusões devido ao financiamento por algumas produtoras e a dificuldade em compreender sejam, por vezes, barreiras à utilização de estudos de avaliação de novas tecnologias.

Quanto aos factores que podem aumentar o uso destes estudos, os médicos inquiridos pela Euromet apontaram a formação em economia da saúde, a facilidade no acesso aos estudos e a relevância prática dos mesmos.

Para onde caminhamos? 

Analisando a evolução do sistema de saúde português, um estudo desenvolvido por investigadores da ENSP em 2005, concluiu que é preciso um novo modelo do Serviço Público de Saúde e, sublinha Ana Escoval, essa necessidade mantém-se actual. Este novo modelo deve ser centrado na qualidade prestada pelos serviços à comunidade, na inovação, na antecipação e avaliação de resultados das medidas e estratégias tomadas.

 Directrizes para melhorar o SNS
Cuidados de saúde primários como verdadeira porta de entrada no sistema de saúde
Descentralização e autonomia de gestão a nível local, com contratualização, responsabilização, avaliação e consequências
Integração e articulação entre os diferentes níveis de cuidados
Gestão integrada da doença
Investimento na educação para a saúde e na literacia
Planeamento local, regional e nacional articulado com as reais necessidades da população (estratégias locais de saúde)
Política prospectiva de recursos humanos da saúde
Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito, no cumprimento do que está estabelecido na Constituição

Regeneração Urbana nas Caldas da Rainha deixou cidade em estado de sítio

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Erros nos projectos, empresas de construção falidas, alterações de última hora e vários atrasos, têm marcado as obras de regeneração urbana nas Caldas da Rainha. É o próprio presidente da Câmara Municipal, Tinta Ferreira, quem admite estes problemas

Praça da fruta

“Numa obra desta dimensão e com tanta intervenção no subsolo, dificilmente poderia ser feita do princípio ao fim sem qualquer erro de projecto”, refere o edil caldense, eleito pelo PSD, que salienta ainda o facto de várias empresas envolvidas terem falido entretanto.

As obras deveriam ter sido concluídas no final de 2013, mas uma parte considerável das intervenções ainda está por terminar. A grande parte das obras, mesmo as que foram inauguradas, ainda não foram entregues ao dono da obra, a Câmara Municipal das Caldas, porque nem tudo foi feito ou existem ainda erros a corrigir.

Rua de Camões

A intervenção no centro urbano teve início em 2011 e fazem parte de uma candidatura a fundos comunitários, aprovada em 2009. Com o nome “Caldas, Comércio e Cidade”, o projecto, descrito pela Câmara Municipal, seria “um programa de acção que visa a valorização das áreas de excelência urbana”.

A área de intervenção abrange o centro histórico e comercial da cidade, incluindo a área envolvente ao Hospital Termal, a histórica Praça da Fruta (o único mercado diário a céu aberto do país) e a zona onde coabitam a Câmara Municipal, o Tribunal e outros serviços públicos.

Obra concluída

A obra no largo do Hospital Termal, uma das primeiras a ser concluída, em 2012, revelou-se um desastre, com os veículos automóveis a tomarem conta daquele espaço, sem qualquer intervenção por parte das forças policiais, que alegam existir falta de sinalização para proibir o estacionamento selvagem. A situação envergonha os caldenses, tendo em conta que o Hospital Termal deu origem à cidade e é uma dos seus “ex-libris”, mas a autarquia tarda em apresentar uma alternativa, embora tenha anunciado, há mais de um ano, uma nova intervenção para o local.

A rua de Camões, uma das principais artérias para o turismo da cidade e que se estende ao longo do Parque D. Carlos I até ao Hospital Termal, também está em obras, mas a intervenção já tem um atraso de mais de vários meses. Um pesadelo para os comerciantes daquela rua, mas não só, uma vez que o estaleiro que se instalou naquela artéria prejudica toda a sua envolvente. É também na rua de Camões que se concentram as principais lojas de venda de cerâmica caldense, da mais sofisticada à malandrice, e um dos estabelecimentos mais carismáticos, a Pastelaria Machado.

A Praça da República, onde se realiza o mercado diário, também foi alvo de obras de remodelação, mas apesar dos vendedores terem voltado (cerca de seis meses depois do previsto), ainda há zonas que estas estão por terminar.

Há ainda dois edifícios, o Espaço de Certificação dos Produtos Regionais (que vai no terceiro construtor, depois dos dois primeiros terem falido) e um novo Posto de Turismo, cuja construção se tem vindo a arrastar há mais de dois anos.

No início de Março foi inaugurado, com sete meses de atraso, um novo parque de estacionamento subterrâneo na Praça 25 de Abril, que custou mais de quatro milhões e foi a obra mais cara de todo o projecto, mas uma das ruas principais de acesso ainda está a ser concluída.

A oposição tem sido crítica do projecto desde o início de todo este processo, primeiro por estarem contra as soluções encontradas e depois por causa dos sucessivos atrasos. Recentemente, o CDS local divulgou aquilo que intitulou de “Livro Negro da Regeneração Urbana” onde aponta a falta de estratégia, de planeamento e de prazos. Há quase um ano o CDS e o PS também divulgaram um manifesto conjunto devido a estas obras. Nas reuniões da Assembleia Municipal toda a oposição tem zurzido contra o executivo do PSD pela forma como o processo tem sido conduzido.

Até Junho todas as obras terão que estar concluídas para que a Câmara receba os 80% de comparticipação financeira da União Europeia. O prazo já foi alargado por duas vezes, mas, em alguns casos, parece já ser impossível ser cumprido.