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João de Sousa

Sábado, Julho 12, 2025

Renascer eternamente

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Poemas de Delmar Maia Gonçalves

I

“Potência dos impotentes”

No sonho nostálgico
de um regresso anunciado
revejo mofanas adultos semi-nús e descalços
deambulando pelas ruas
do Maputo maputense

De pistola em punho
surge um vulto
que prontamente ordena:
-Me passa cá tudo, já muzungo de um raio!
A vítima recusa ceder
e dedo no gatilho
a pistola dispara-se
foi o instinto, é a regra
O assaltado cai inerte
o assaltante mostra-se sem receio
Sim, sem receio. Pensa que está inocente
sente-se inocente, apenas se finge criminoso
está criminoso, circunstancialmente criminoso!

Mas…
quem forneceu a arma,
quem premiu o gatilho(?)

O vulto é afinal um mofana
que quer sobreviver
na enorme selva de cimento
É uma questão de sobrevivência.

Assisto impotente
ao trágico desenlace
mas sei que sou potente
Acordo
e ainda há esperança.

II

“Séfora”

Os grilos cantavam
alegremente
melodias da primavera
os lábios dançavam ondulando
e Séfora procurava
futuro melhor
acompanhando as melodias
com alegria e cantarolando
Um dia…
quando Séfora
retornava a casa
foi impedida para sempre
de desabrochar
alegremente…!
Contra tudo
e contra todos
um predador humano
havia-se antecipado
impedindo
que a lei da natureza
concretizasse o futuro
E os grilos cantaram
nesse dia
a melodia mais triste de sempre
e os lírios secaram e arderam
porque Séfora
adormecera para sempre!

III

“Mofana Matusse”

O mofana Matusse
queria sonhar mas não sabia como
o seu sonho chamava-se pesadelo
e o seu pesadelo era a guerra
Toda a gente
se habituou a ver o mofana Matusse chorar
toda a gente o chamava chorão
Foram anos de solidão e tristeza!
De repente
o mofana Matusse reaprendeu a sorrir
e ninguém compreendeu porquê
Mas sei eu
e digo-vos:
o mofana Matusse reaprendeu a sorrir
com o fim da guerra
o mofana Matusse
dança, canta e pula
com o fim da guerra
o mofana Matusse
corre, salta e joga
com o fim da guerra
o mofana Matusse
cultiva a paz, o amor e a amizade
para que a guerra
não volte jamais.

IV

“Impotência”

Nem a minha
engenharia cerebral
pensadora e reflexiva
nem a minha
mais humilde gramática
chuabo
conseguem encontrar
resposta lógica
e racional
para o miserável conformismo africano
no culto da mendicidade
Onde pára
o orgulho africano?

V

“História de Maria preta relembrada”

(lembrança do que também aconteceu)

Maria preta
gosta de amar
homem branco

Maria preta
gosta de amar
homem branco
que é seu dono

Maria preta
gosta de amar
homem branco
que é seu patrão

Maria preta
leva chicotada
por falar chuabo
que não é civilizado
em frente
de homem branco
que é seu
amante, dono e patrão.

VI

“Seis propostas de um moçambicano para a definição da palavra Liberdade”

Liberdade
é pôr fim à miséria
Liberdade
é vencer a ignorância
Liberdade
é combater a fome
Liberdade
é vencer a corrupção
Liberdade
é cultivar a paz!

VII

“Renascer eternamente”

Sentir que todos os dias
renasço para a vida
Estar em permanente luta
com a rotina
Quem seria
sendo rotineiro?
E quem serei
sendo diferente?

VIII

As mulheres bárbaras
são férteis monjas de Afrodite
deixaram nos muros do convento profanado
sua castidade beatífica
abraçando danças e devaneios de luxúria.

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