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Quinta-feira, Abril 25, 2024

2016: um balanço

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

Faço um pequeno balanço descritivo e crítico, revendo alguns acontecimentos que considero relevantes: BREXIT, eleição de Donald Trump, impeachment de Dilma Rousseff, tentativa de golpe de Estado contra Erdogan, na Turquia, o drama da Síria, os atentados terroristas de inspiração jihadista, a conquista de Roma e de Turim pelo MoVimento5Stelle, a eleição de António Guterres como Secretário-Geral da ONU, a União e a questão dos refugiados, a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República.

Balanço 2016 no mundo

  1. BREXIT. Uma machadada na União a cargo do Reino Unido, depois de 43 anos de permanência. Cameron, para se salvar, suicidou-se (politicamente), arrastando consigo o Reino Unido e a União Europeia. Imigração e refugiados, eis o papão que alimentou o medo e a fuga. A questão reside agora em saber se ficarão no mercado único ou não. As consequências financeiras serão graves para a City. A saída não é pacífica, sequer formalmente, no Reino Unido. Já nem sabem como sair? E o referendo foi consultivo. Que decida o Supremo Tribunal sobre quem decide accionar o famoso art. 50 do Tratado de Lisboa (o Governo de Theresa May ou o Parlamento)! E o Parlamento parece nem ser favorável à saída. Mas o vínculo político criado com o referendo é muito forte. Estou convencido que o efeito de boomerang ainda cairá em cima de Boris Johnson e de Nigel Farage! E, claro, dos ingleses! Na verdade, os referendos não se têm revelado bons auxiliares da decisão política.
  2. “SURPRISE”. Trump é Presidente e as nomeações que já fez indiciam um recuo em toda a linha em relação às políticas de Obama, com forte pendor neoliberal e nacionalista (veja-se nas áreas da saúde, da economia e finanças e na defesa). Já não é uma incógnita a sua linha. Mas é oposta à das expectativas que alimentou nos americanos que o elegeram. Milagres do “spinning”! Entretanto, parece claro que a incerteza sobre a condução presidencial do gigantesco transatlântico americano é enorme. E, num mundo já tão incerto, esta outra incerteza não ajuda.
  3. “OPERA BUFFA”, parece ser o termo mais apropriado para o impeachment de Dilma Rousseff. No fim, ainda acabaremos por concluir que ela era a única que não tinha problemas com a justiça. E que feitio difícil não é crime! Depois de Dilma, o “impeachment” passou a ser um instrumento banal de exercício da acção política, no Brasil. O que não ajuda a jovem democracia brasileira. Também aí o poder judicial – aliado aos media – se está a transformar na “arma branca” da política e dos interesses. É assunto que merece uma séria reflexão! O poder judicial é tão permeável como os outros poderes. Pela simples razão de que não é constituído por seres humanos com asas de anjo! Mas são eles que sancionam as fraquezas humanas… Que, aparentemente, eles não exibem!
  4. ERDOGAN. A tentativa de golpe contra Erdogan pareceu encenada, tal a rapidez com que foi executado o gigantesco programa de detenções. O regime tem vindo a concentrar poder progressivamente, fazendo temer a instauração de um poder pessoal. A Turquia afasta-se assim a passos largos da União Europeia!
  5. SÍRIA. O conflito sírio é a prova provada da incapacidade do sistema de poder internacional distinguir o essencial do secundário. O que sinceramente é de temer é que se continue a abrir caminho aos integralistas. É aqui que reside, como diria o Mao-Tse-Tung do “Da contradição”, a contradição principal. Não chegou a tragédia do Iraque para perceber que é preciso fazer distinções entre o essencial e o secundário? Na Síria está a chave de leitura da triste política internacional! E se Putin conseguir sentar à mesa das negociações os desavindos sem a intervenção dos USA e tendo como único alvo o Daesh (a tal contradição principal)? Que figura fará a frente ocidental? O que verdadeiramente importa, por agora, é a paz na Síria e a erradicação do Daesh!
  6. TERRORISMO. Continua a política do terror por parte dos integralistas. Como evitar atentados absolutamente gratuitos nas grandes metrópoles (ou mesmo nos pequenos centros)? Se para alguma coisa servem os serviços de inteligência será certamente para prevenirem uma permanente e insustentável estratégia da tensão e esta barbárie jihadista contra o cidadão comum e indefeso! A política internacional está a cair directamente em cima do cidadão anónimo, e de forma dramática! O sentimento generalizado de insegurança é o maior amigo das soluções autoritárias…
  7. MOVIMENTO5STELLE. Aconteceu o que se vinha insinuando com o crescimento eleitoral do M5S: a conquista de dois Municípios de grande importância, Roma e Turim. Nas próximas legislativas o PD que se cuide, porque poderá ver o poder ir parar às mãos de Beppe Grillo. Virgínia Raggi, em Roma, está a demonstrar muita incompetência na gestão do poder. Mas Chiara Appendino, em Turim, não. Até já paga do seu bolso os “Panettoni” do Encontro de Natal  com os funcionários do Município. As questões do Euro, dos refugiados e da imigração estão a tornar-se estratégicas. O M5S já percebeu isso e vai acrescentar esta nova batalha à que trava contra a chamada “Casta” e pela devolução do poder ao povo.
  8. ONU. A tarefa do novo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, não vai ser fácil. A começar pela Administração Trump e a acabar na questão síria e na dos refugiados. Se, pelo meio, der início à reforma da Organização, o mandato será altamente complexo.
  9. UNIÃO EUROPEIA. Em Março de 2017 completam-se 60 anos do Tratado de Roma que instituiu a CEE, a Comunidade Económica Europeia. Prevê-se uma atenção especial ao relançamento do projecto europeu, numa altura em que a questão dos refugiados continua a ocupar o centro da agenda e a converter-se em problema interno que está a dar asas aos movimentos nacionalistas e de extrema direita. Até já o M5S, na Itália, está a agitar a questão, entrando no terreno dos extremistas da Liga Norte de Matteo Salvini, enquanto na Alemanha está a ser posta gravemente em causa, com evidentes ganhos eleitorais, por “Alternative für Deutschland” (AfD), a política de Angela Merkel para os refugiados, agora agudizada pelo recente drama de Berlim. A Senhora Frauke Petry sobe no eleitorado. As sondagens dão-lhe cerca de 13% (nas últimas eleições, em 2013, tinham obtido 4,7%).
  10. MARCELO. Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito (“O poder da televisão”, poderia ser o título de um livro – ou de um filme – sobre o assunto) Presidente da República e parece gostar imenso do cargo. Esforça-se por descrispar o ambiente político e tem-no conseguido, apesar de, por vezes, entrar demasiado na esfera de competências do executivo. Como aconteceu recentemente com o caso da Cornucópia (e, pelos vistos, sem sucesso). A sua Presidência tem sido uma festa permanente. Por um lado, é bom; por outro, talvez seja espectáculo a mais. Mas parece que os portugueses gostam disso.

No meio disto tudo, a esquerda parece estar a eclipsar-se, mantendo-se entretida, na maior parte dos casos, a resolver pequenos problemas domésticos. Alguém sabe por onde anda a Internacional Socialista, a maior organização política mundial? Eu acho que está a faltar doutrina e cartografias cognitivas em linha com os tempos complexos que estamos a viver. Portugal é a aldeia dos gauleses, que resiste? Hum… Não me parece!

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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