XXXI. A beleza.
Minha memória,
São belos os olhos que me recordas.
São belos, todos os olhos que me recordas e os risos que me chegam de tão longe.
São belos os dias de Verão e as noites frias sem nenhum luar.
Lembro-me de festas, agora que não sei de nenhuma.
Lembro-me de gente tão feliz, agora que não vejo nenhuma.
O tempo que me chega vem coroado de uma felicidade distante e de uma beleza. Eu sei que isso acontece porque vem de muito longe. Se me lembrares de ontem, por exemplo, minha memória, os olhares chegarão visivelmente manchados porque nada é afinal absoluto.
É a distância dos acontecimentos que lhes dá limpidez e beleza. Como se o tempo passasse por cima dos acontecimentos da mesma forma que o mar passa por cima das pedras e, os polisse.
É muito mais bonito o que aconteceu há muito tempo, na forma como mo recordas, do que o instante que se acabou de passar.
Às vezes, foi apenas um instante sem nenhum matiz especial. Um instante e um rosto, um tempo, um lugar. No entanto, quando chega, agora, tanto tempo depois, esse instante vem colorido.
Há cores vibrantes nas minhas lembranças de infância e um caleidoscópio nas minhas recordações de juventude.
Só tu minha memória sabes exactamente porque é assim…
Ao recordar revivo. Com força e com a urgência de quem nunca mais terá aquela idade, aquele cabelo solto, o olhar divertido de um jovem. E eu preciso absolutamente de reviver para continuar.
Os pés prendem-me a este lugar. É um contínuo de rotinas amorfas a minha vida. Ao invés, o que recordo surge-me absolutamente belo.
Sem esta beleza que me chega do passado, dificilmente poderia continuar.
Às vezes, pergunto-me se foste tu, minha memória que construíste toda esta beleza? Se foste tu minha memória que decidiste trazer-me a minha vida repintada a uma imensidão de cores ou, se a minha sensibilidade deste tempo, tão distante da de outrora, tem um papel nessa lembrança…
Reviver não é a mesma coisa que viver. Revivendo repinta-se tudo. Como se a memória mais não fosse do que uma tela a preto e branco pronta para entrar no presente pelas cânones que agora nos tornam felizes.
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