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Sexta-feira, Abril 26, 2024

E se o conflito em Gaza for como a Guerra do Vietnã para Joe Biden?

O governo Joe Biden está em apuros. Embora as previsões catastrofistas para a economia norte-americana não tenham se confirmado, a imagem do presidente segue em xeque. Pesquisas eleitorais divulgadas no domingo (5) pelo tradicional diário The New York Times mostram que, se a eleição presidencial fosse hoje, o ultradireitista Donald Trump venceria nos chamados “estados-pêndulo”, derrotaria Biden no Colégio Eleitoral e voltaria à Casa Branca.

Para sorte do líder democrata, o pleito só ocorrerá daqui a um ano, em 5 de novembro de 2024. Porém, para seu azar, nada indica que a ofensiva bélica liderada por Biden lhe será favorável.

Antes da eclosão da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, os Estados Unidos já escalavam, simultaneamente, as provocações à China e à Rússia. Atacados, os dois países fortaleceram seus vínculos e renovaram o compromisso com uma ordem mundial multipolar. Por meio da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Biden conseguiu articular boa parte do Ocidente – em especial a União Europeia – numa aliança anti-Rússia e pró-Ucrânia.

O problema é que com o conflito israelense-palestino, deflagrado em 7 de outubro, na Faixa de Gaza, não houve adesão similar ao posicionamento norte-americano. As primeiras semanas de confronto coincidiram com a presidência rotativa do Brasil no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). Na condição de membro permanente do colegiado, os Estados Unidos vetaram uma resolução proposta pelos brasileiros e apoiada por 12 países – houve duas abstenções. O isolamento de Biden ficou explícito, o que correspondeu a uma vitória moral do Brasil.

Se parte da grande mídia e da opinião pública internacional comprou a versão ianque para a Guerra da Ucrânia, a repercussão do conflito em Gaza é absolutamente distinta. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, mais de 10 mil palestinos foram mortos em um mês (sendo 4,6 mil crianças), 260 mil habitações foram atingidas por bombardeios israelenses, 60% da população foi obrigada a deixar suas casas e 61% dos empregos foram fechados.

O cerco ao enclave palestino provocou uma das piores crises humanitárias dos últimos tempos. “Gaza está se tornando um cemitério de crianças. Centenas de meninas e meninos estão sendo mortos ou feridos todos os dias”, declarou ninguém menos que António Guterres, secretário-geral da ONU, visivelmente abalado pelo genocídio a céu aberto.

No sábado (4), mais de cem metrópoles promoveram o Dia Internacional de Mobilização pela Paz, o Fim da Guerra e de Solidariedade ao Povo Palestino. Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o massacre perpetrado por Israel. Em Washington, cartazes atacavam diretamente Joe Binde, acusando-o de “matar bebês” e de ser “criminoso de guerra”.

Um dia depois, no domingo (5), líderes de diversas agências da ONU e de organizações humanitárias divulgaram um manifesto conjunto por um cessar-fogo imediato. Se nos primeiros dias de conflito a rejeição ao Hamas era o combustível para a arrogância do consórcio Israel-EUA, as incessantes atrocidades em Gaza inviabilizaram eventuais apoios da comunidade internacional à posição unilateral de Biden.

Muito embora o premiê Benjamin Netanyahu já vivesse um período de desaprovação em Israel, com uma série de medidas sob contestação popular, o presidente dos Estados Unidos não mediu palavras e ações para lhe dar guarida. Biden chegou a evocar a “solução dos dois Estados”, mas nada disse quando Netanyahu falou em uma guerra entre “as crianças da luz e as crianças das trevas”.

“A abordagem de Biden poderá se transformar em desastre”, analisou Edward Luce no Financial Times. “Se ele não conseguir pressionar Netanyahu a adotar uma pouco provável mudança de atitude, Israel deverá dar continuidade ao que o mundo sentirá como uma punição coletiva, mesmo que tome todas as precauções para minimizar as mortes de civis.”

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, já tem recorrido a expressão “pausas humanitárias” para mostrar o que o governo Biden tem cobrado mais de Israel. Diferentemente de um cessar-fogo – que, em tese, resultaria em negociações entre o Hamas e Israel –, a “pausa humanitária” é um mero intervalo entre os ataques para que civis possam ser protegidos. Netanyahu quer destruir o Hamas a qualquer custo – e Biden virou cúmplice dos crimes de guerra israelenses.

A história dos Estados Unidos já mostrou como uma guerra pode alterar o humor do eleitorado. Quando o republicano Richard Nixon foi reeleito presidente do país, em 1972, com uma das maiores votações na história norte-americana, a Casa Branca considerou que o resultado era um aval à ação do Pentágono na Guerra do Vietnã, a despeito de massivos e constantes protestos populares. O equívoco foi incomensurável.

Os combates no Vietnã foram os primeiros a terem cobertura televisiva em tempo quase real, e as imagens de civis atingidos por bombas – como as de napalm – passaram a chocar cada vez mais os norte-americanos. Além disso, como o alistamento militar era obrigatório, filhos de políticos e magistrados morriam à mesma proporção que filhos da classe trabalhadora. A insatisfação com os rumos da guerra foi turbinada com o escândalo de Watergate, que levou Nixon à renúncia. Poucas vezes a credibilidade da presidência da República ficou tão manchada nos Estados Unidos.

E se o conflito em Gaza for como a Guerra do Vietnã para Joe Biden? Pesquisa realizada no final de outubro pela The Economist mostrou que, entre os eleitores com até 30 anos, 30% têm mais simpatia pelos palestinos e 17%, pelos israelenses. Nada menos que 41% desses jovens eleitores desaprovam a maneira como Biden conduz os Estados Unidos em Gaza. No conjunto do eleitorado, o apoio a Israel ainda prevalece. Só que esse segmento do eleitorado foi um dos trunfos do Partido Democrata nas duras eleições presidenciais de 2020.

Vale acrescentar que, na semana passada, a Assembleia Geral da ONU voltou a condenar o criminoso bloqueio dos Estados Unidos a Cuba. Uma resolução contra o bloqueio teve 187 votos favoráveis, dois contrários (justamente os de Estados Unidos e de Israel), além de uma abstenção (da Ucrânia). O placar pró-Cuba era esperado, mas os demais votos confirmam que a influência norte-americana está cada vez mais restrita.


por André Cintra, Jornalista | Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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