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Terça-feira, Abril 23, 2024

Levar o ensino das religiões às escolas

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

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No contraditório pediram-me que não usasse a palavra urgente – ou urgência em seu lugar – por parecer que propunha um manifesto quando a ação é, regularmente, uma vertente prática e necessária no tecido cultural de todos nós – e não se cinge ao caso português.

Não concordei. É mesmo de um manifesto que se trata, pois nele se manifestam necessidades imperativas.

Sem mais mistérios, trata-se do projeto piloto «Religiões do Mundo», uma forma de levar às escolas uma nova disciplina onde a aprendizagem do mundo das religiões seja feita de um modo habilitado e não confessional, permitindo à criança a sua própria construção do mundo num âmbito de liberdade optativa, em consciência.

Há anos, estava eu na Suíça, quando o grupo em que me inseria foi abordado por um garoto que apontou para aqueles que fumavam, dizendo: estão aqui crianças e este não é um local para fumadores.

Estando, como estávamos na rua e sendo muito portugueses, desdenhámos, chamámos Eco-chato ao puto, fumámos até vir um polícia bem fardado e educado mandar-nos dar uma volta, apontando um letreiro que dizia inequivocamente que era proibido fazer o que fazíamos. (Não fumo. Eco-chato era um termo da época. As coisas passaram-se assim mesmo).

Moral da história: as crianças aprenderam cedo algumas regras – e têm-nos ensinado um punhado delas, da separação do lixo por categorias, aos cuidados para a redução da pegada ecológica, e muito mais que podem, em última análise e derradeira utopia, acreditar ainda na salvação do Planeta. Acresce a este espaço de aquisição cultural ecológica a necessidade de absorver ideologia: só aprendendo as diferenças e promovendo o intercultural, podemos acreditar num mundo melhor.

O tema volta à primeira linha, depois da nossa participação no Congresso «Cidadania e Religião» realizado pelo Alto Comissariado para as Migrações em parceria com a Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, onde a necessidade de rever o ensino da matéria religiosa esteve presente.

A nossa prática dita que há já uma metodologia operatória e provas dadas, grelhas aplicáveis, programas e resultados. A autonomia escolar pode usar agora a disciplina que criámos – dentro do espaço da Área de Ciência das Religiões – e explorá-la.

A proposta pedagógica é feita na dimensão da formação e educação para a Cidadania e a Liberdade Religiosa. Se olharmos em redor, vemos a falta de formação de todos nós nesta área, as tremendas contradições que lavram na opinião pública e a linguagem desacreditada que percorre a opinião publicada.

“Religiões do Mundo – Valores, Espiritualidades e Religiões” é um projeto desenvolvido pela Área de Ciência das Religiões desde há três anos, no seguimento da aproximação à questão do Ensino Religioso, campo que trabalhamos em conjunto com algumas das mais prestigiadas universidades europeias e brasileiras, desde 2003.

Da responsabilidade da Área de Ciência das Religiões, a Unidade Curricular “Religiões do Mundo – Valores, Espiritualidades e Religiões”, é desenvolvida a pensar nos vários planos curriculares, a começar no 1º Ciclo do Ensino Secundário, tendo sido já testada a versão em causa (a decorrer como experiência piloto no 2º ciclo).

Este compromisso de formação para a Liberdade e o Respeito, segue a Carta de Princípios do Observatório para a Liberdade Religiosa ao reconhecer “a complexidade do Fenómeno Religioso, o valor das diferentes culturas religiosas e ou espirituais e planos de consciência, o desafio do diálogo, o estímulo às práticas de cidadania a partir da observação dos direitos e deveres inerentes à Liberdade Religiosa, a importância do estudo e disseminação da Ciência das Religiões, bem como da produção de conhecimento isento relativo ao Fenómeno Religioso em todos os escalões de ensino reconhecidos oficialmente”.

A disciplina “Religiões do Mundo – Valores Espiritualidades e Religiões” enquadra-se ao abrigo da Autonomia das Escolas e assume-se como uma disciplina autónoma tendo sido desenhada para não competir com os programas de outras unidades curriculares como Educação Moral e Religiosa, trabalhando outros conteúdos e temáticas.

Indo ao encontro do que tem ocorrido em quase todos os restantes países europeus, a Área de Ciência das Religiões e o Observatório para a Liberdade Religiosa propõem a integração ou a criação de um grupo de trabalho mais vasto para debater e aprofundar esta proposta pedagógica com vista à sua concretização, isolada ou no quadro mais vasto de uma disciplina centrada na Cidadania, e com uma forte componente centrada na leitura e na dinâmica de debates em biblioteca.

A meta do que temos desenvolvido, mostra uma linha de ensino vocacionada para a cidadania e a compreensão das relações inter-religiosas e culturais. Ter – ou não ter –religião, aceitar a diferença e emancipar o indivíduo na interligação com o outro também se aprende. Nós procuramos ensiná-lo, para a menorização das injustiças.

Este artigo respeita o AO90

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores e não reflectem necessariamente os pontos de vista da Redacção ou do Jornal.

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