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Quinta-feira, Março 28, 2024

Mulheres (de) Coragem – Por um mundo mais justo

A autora, mulher de coragem também ela, não perde ocasião para se mostrar uma mulher lutadora, que, acima de tudo, exige deixar no mundo a sua marca de um lugar mais justo e, consequentemente, onde todos se sentem parte de um todo e mais felizes. Dotada de uma rara capacidade de trabalho, parece não se cansar e mesmo quando todos os outros chegaram ao limite, a Maria do Céu, firme e decidida, cheia de perseverança, continua a trabalhar.

Publicamos texto de Maria de Fátima Tavares Crujo, na apresentação do livro novo de Maria do Céu Pires, “Mulheres (de) coragem – Por um mundo mais justo”, em Estremoz.

Como André Barata muito bem disse no prefácio deste livro, “Este é um livro sobre pensadoras, escrito por uma pensadora”. Na verdade, a autora, com base numa extensa bibliografia, vai procurar a origem da discriminação contra as mulheres, explicando-a à luz dos vários momentos da História, e procurando, a par do esquecimento a que as mulheres foram vetadas, os nomes daquelas que se ergueram para lutar contra quem, injustamente, menosprezou as suas capacidades e a sua força.

Maria do Céu Pires

A autora, mulher de coragem também ela, não perde ocasião para se mostrar uma mulher lutadora, que, acima de tudo, exige deixar no mundo a sua marca de um lugar mais justo e, consequentemente, onde todos se sentem parte de um todo e mais felizes. Dotada de uma rara capacidade de trabalho, parece não se cansar e mesmo quando todos os outros chegaram ao limite, a Maria do Céu, firme e decidida, cheia de perseverança, continua a trabalhar. Frequentemente, e não cometo nenhuma inconfidência se o disser, já quase todos pensam em terminar a tarefa, quando ela se levanta e, resolutamente, nos incentiva a continuar um pouco mais.

Mulher coragem também ela, é capaz de nos alertar para os males do mundo e levar-nos a procurar soluções para as desigualdades e injustiças, muitas vezes cometidas, procurando que, também nós possamos contribuir para o tal mundo, que desejamos mais justo.

No título do livro, joga, assim, com a metáfora “Mulheres Coragem”, chamando a atenção para todas as mulheres por ela mencionadas, realçando o facto de serem mulheres; mas também integrando a preposição “de”, entre parêntesis, “Mulheres (de) Coragem”, para fazer sobressair as qualidades de todas elas, em especial a enorme coragem para se oporem a uma sociedade que nunca se lembrou de as ouvir. Para complementar a ideia do título, acrescentou-lhe um subtítulo com, no fundo, aquela que é a missão de todas elas, construir um mundo mais justo, enfrentar uma sociedade maioritária e persistentemente conduzida por homens.

Assim, a autora recua à Antiguidade Clássica, à época de Platão, e dá-nos a conhecer o papel da mulher na sociedade. Nesse tempo, o filósofo integrava-a na cidade ideal, apesar de a considerar um “ser mais débil”. Explica a autora que Platão já tinha alguma preocupação em dar a homens e a mulheres igual acesso à educação e igual importância na sociedade. No entanto, como associa às mulheres a emotividade, e aos homens a racionalidade, justifica a ideia por ele preconizada de que os homens estavam mais preparados para o espaço público do que elas, pensamento que perdurou na sociedade ocidental por muitos séculos ainda.

Na sua obra, a Maria do Céu explica, igualmente, a génese dos mitos ligados à religião, a sua função associada à explicação da nossa existência, bem como a sua simbologia.  Pegando na  perspetiva da mulher,  esclarece  interpretações  e  adequações feitas noutros tempos, que justificam as ideias ligadas à inferioridade das mulheres face aos homens. No fundo, ajuda-nos a entender o que contribuiu para a discriminação das mulheres, o que ainda hoje se sente, em maior escala, nas sociedades ligadas ao Islamismo e ao Judaísmo.

Entende a autora, tal como outras filósofas por ela referidas que o nosso tempo é um tempo de reflexão e de mudança de atitude perante a sociedade. É, pois, preciso comunicar, discutir, chegar a um consenso relativamente a regras, e procurar a justiça. Mas para isso, é preciso não serem sempre os mesmos a decidir, há grupos sociais que não podem ser esquecidos, e um deles é o das mulheres. Também a responsabilização em sociedade deve ser de todos, de cidadãos e de instituições.

Traz-nos também a voz de outras filósofas que consideram que a justiça social não existe se não existir “responsabilidade e cuidado” ou o elemento “cordis”, a ética cordis de Adela Cortina, (filósofa espanhola, catedrática na Universidade de Valencia), ou “razão sentiente”, como ela lhe chama. Há que pensar na igualdade, mas não esquecer as diferenças. Há que olhar para o outro, não como alguém abstratamente pensado, mas um ser concreto, que está ao nosso lado, e que, naturalmente, tem características, vontades, dificuldades diversas das nossas.

Acrescenta, ainda, a ideia da filósofa americana Martha Nussbaum, que se dedica à filosofia política e ao papel das emoções na vida política. Para esta filósofa é importante que se deixe de olhar para o PIB como único critério do desenvolvimento e que se pense nas pessoas e nas suas capacidades essenciais. Não deve, pois, esquecer-se a questão emocional naquilo que se entende da racionalidade humana, ligada ao tal compromisso de cuidado pelo outro, de aceitação de todas as suas características e necessidades, e evitar olhar apenas para os aspetos calculistas, cujo único objetivo é usar a capacidade produtiva de cada um e ter lucro. Só, assim, se atingirá aquilo que todos pretendemos, uma sociedade mais justa e mais humana.

Realça a Maria do Céu Pires que Adela Cortina diz:

A educação para os valores apresenta-se como um elemento decisivo na educação de cidadãos livres e responsáveis, autónomos e solidários e inclui, por isso mesmo, a educação das emoções.

 

Para estas filósofas, Adela Cortina e Martha Nussbaum, nos tempos modernos, concentrados nas nossas relações contratuais, esquecemo-nos do chamado “reconhecimento recíproco”. Para elas, ainda não se cumpriu a Modernidade. Os valores da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade, Fraternidade, ainda estão longe da nossa realidade. Neste mundo, “sem coração”, no seu entender, é absolutamente natural e nosso direito ter vontade de nos indignarmos face a situações injustas e contrárias aos Direitos Humanos. Se não houver “cuidado” para com a Natureza, para com os outros, escravizamos, desrespeitamos, com o intuito de consumir desenfreadamente, procurar riqueza, gastar, esquecendo que, nestas circunstâncias, há sempre uns que empobrecem e que as desigualdades se acentuam cada vez mais.

A Céu conclui que “somos seres dependentes e de relação”, a nossa vida terá necessariamente que passar pela nossa inter-relação não só com os outros, em sociedade, mas também com os elementos naturais, daí a necessidade de se pensar também nas questões ambientais e nas consequências, tantas vezes nefastas, das nossas ações  na  Natureza.  (Bem estamos todos já a sofrer, com secas, cheias, alterações climáticas, degelo, danos, muitos deles, irrecuperáveis).

 

É, pois, imperativa uma mudança nas conceções da racionalidade, da sociedade que deve ser inclusiva, da ética e da política, contrariando a tendência do ódio, da discriminação, do esquecimento das mulheres, e não só delas, das margens duma sociedade dita moderna. Lá diz Fernanda Henriques:

“Se há uma espécie humana, a razão impõe que ela partilhe universalmente dos mesmos direitos. Excluir metade da humanidade do seu usufruto é, no mínimo, tirania.“

Estou já a concluir, não vos tiro mais tempo, tanto mais que tudo o que possa aqui dizer não é nada se compararmos com o que podemos aprender com o que a autora tão bem nos apresenta neste livro.

A segunda parte do livro é motivante. Lemo-la e sentimos que todas as mulheres aqui apresentadas, com atividades tão variadas como filósofas, médicas, astrónomas, engenheiras e matemáticas, professoras, jornalistas e escritoras, políticas, teólogas e monjas e até uma santa e doutora da Igreja Católica, tendo como denominador comum o facto de todas lutarem pelo cumprimento dos Direitos Humanos, são para nós, interessados nestes assuntos, uma maravilhosa inspiração.

Curiosamente, as que viveram em épocas mais recuadas da história da humanidade sofreram ainda mais que as que atualmente surgem no panorama mundial e que lutam por um mundo mais justo. Talvez este aspeto nos traga uma pontinha de esperança de que o mundo está melhor e que nos ajude, também a nós, a procurar fazer o mesmo, no intuito de oferecer aos nossos filhos a felicidade de deixar este cantinho tão nosso, mais justo, solidário, em paz e com a plena consciência que é sempre preciso continuar a trabalhar, investindo nos valores da Modernidade e no respeito por tudo e por todos.

Franz Kafka dizia que “Apenas deveríamos ler os livros que nos picam e nos mordem”. Se entendermos estes “picam” e “mordem” como uma marca que se deixa em alguém, este livro da Céu está incluído naqueles que nos ensinam e fazem refletir, naqueles que, além disso, nos incentivam a agir e, por isso, naqueles que todos devemos ler.

Deixo-vos com uma imagem, para vos dizer, o que todos sabem, que há que usar o “coração”, nem que seja simplesmente no empedrado de uma calçada.

Centro de Ciência Viva, Estremoz
9 de Junho de 2018

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