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Sábado, Abril 20, 2024

“Contos das minhas terras”, de Júlio Silva

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Algumas anotações para o Prefácio ao livro: “Contos das minhas terras” – As diversas formas de resolver os milandos, de Júlio Silva

Basta ler, escutar, sentir e conseguimos ver.
DMG

Somos todos filhos da mesma história.”
DMG

As palavras nascem da terra que cheiramos ao primeiro sopro.
DMG

Pediu-me o multifacetado e perspicaz autor moçambicano Júlio Silva que prefaciasse o seu valioso livro de contos, património  a acarinhar e preservar.Com muita honra e prazer o faço contando obviamente que satisfaça as suas expectativas e a confiança em mim depositada.

 

A entrada para o conhecimento do Moçambique profundo faz-se desde sempre pela cultura e as tradições dos seus povos, com a vasta riqueza dos seus patrimónios material e imaterial ancestral.

Neste país, a oralidade exerce desde sempre uma influência maior sobre a escrita. Portanto, há especificidades claras  a preservar; já se sedimentou com o arco do tempo e campeia uma forma peculiar de pensar, contar, cantar e escrever os mitos, as lendas e os contos da terra.

Este  contista e pesquisador nato procura através destes sete contos resgatar alguma sabedoria ancestral para identificar e disseminar as diversas formas de resolver os milandos da família moçambicana. Foi palmilhando o vasto território moçambicano para as entranhas do inóspito e misterioso interior onde repousa a rara sabedoria antiga dos sobas, que Júlio se reencontrou com a história das histórias, com a lenda das lendas, com o conto dos contos, com a poesia da história. Os títulos confirmam-no e não nos desmentem: “O menino chamado Moça- Ali- Bique”, “Fuga de Inhassunge”, “O mar e seus deuses”, “Descendência forçada”, entre outros.

A Zambézia acabou revisitada no seu enorme manancial , votado muitas vezes ao esquecimento. Este embaixador cultural  da cidade de Quelimane, exímio contador de histórias, foi resgatá-la; bons olhos o vejam, revejam, tenham  e protejam!

Com sabemos, um conto é uma criação ficcional que recria um universo de seres, de mitos, de lendas, de fantasias ou acontecimentos. Como todos os tipos de texto de ficção, o conto apresenta-nos um narrador (o contista ou contador), personagens imaginários ou reais, pontos de vista e ainda enredos diversificados.

Normalmente o  conto clássico define-se sempre pela sua pequena extensão, uma característica peculiar; bem mais curto que um romance ou novela, o conto tem uma estrutura fechada, rígida, desenvolve uma história e tem apenas um clímax; não há conflitos secundários no desenvolvimento da trama, fazendo com que seja breve. O conto moçambicano é anterior à acção  colonizadora , pois quando a colonização portuguesa não estava consumada e nem era predominante, havia um domínio total da tradição oral.

A poesia, a melodia, o encantamento e o canto do conto já existiam mesmo antes da explosão da poesia propriamente dita; de resto, a poesia já vivia  e sobrevivia no conto.

Vários   prestigiados contistas moçambicanos se destacaram e destacam ainda hoje em Moçambique onde o género é muito prolífico e próspero, nomeadamente Mia Couto, Suleimane Cassamo, Nélson Saúte, Paulina Chiziane, Carlos Paradona Rufino Roque, Ungulani Ba Ka Khosa, Luís Bernardo Honwana, Calane da Silva, Aldino Muianga, Ascêncio de Freitas, Orlando Mendes e o grande poeta José Craveirinha(infelizmente já desaparecido). Este fenómeno de desenvolvimento da ficção narrativa marcadamente moçambicana   ocorre desde a  segunda metade do século XX, nos anos 40 ,antes da independência nacional.

Este género em Moçambique continua do meu ponto de vista na fase oral (que é a primeira fase de duas ) cujo início não é possível precisar, pois o conto tem origem num tempo em que nem sequer existia a escrita (código escrito), as histórias eram narradas oralmente ao redor das fogueiras ancestrais dos povos africanos, geralmente à noite. Por isso, o fantástico, o mágico e o suspense  que sempre o caracterizou.

A primeira fase escrita é provavelmente aquela em que o povo egípcio antigo registou “O Livro Mágico” cerca de 4000 a.C.; retomando a evolução do código escrito, passamos para a Bíblia Sagrada (lembremo-nos da sublime história de Caim e Abel “2000 a.C.” tem a precisão estrutural de um conto; o Antigo e o Novo Testamento trazem muitas outras histórias da “história” com a estrutura de um conto.

No século VI a.C.  surgem a “Ilíada” e a “Odisseia” de Homero e na Índia antiga o “Pantchatantra”, grandes obras universais de referência; segue-se a longa segunda fase até aos séculos XIX  e XX com grandes prodígios do conto nos quatro cantos do mundo até à  actualidade. O conto moçambicano obriga-nos permanentemente a navegar pelo mundo, não fosse Moçambique um país virado para o mar.

Como dizia o poeta e romancista moçambicano Orlando Mendes, sobre a prolífica literatura moçambicana, localiza-se o tardio esforço de verdadeira colonização cultural portuguesa  na mesma época da eclosão e explosão do conto “escrito” que é sem dúvida a mais antiga forma de expressão e sabedoria dos moçambicanos.

Muito mais haveria a dizer, sobretudo porque o conto moçambicano é fonte inesgotável da alma deste povo, mas mais importante do que isso será agora  os leitores  devorarem de forma voraz os contos trazidos por este operário da  palavra.

Bayete  então contista Júlio Silva! Karingana wa Karingana!… Karingana!!!

 

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