Quase no início do movimento francês de contestação social dos “coletes amarelos”, um grupo de intelectuais franceses avançou uma explicação para o fenómeno que vê na existência do euro, a causa primária.
Quase no início do movimento francês de contestação social dos “coletes amarelos”, um grupo de intelectuais franceses entre os quais pontificam Emmanuel Todd (sociólogo e ensaísta, que de defensor do euro e da constituição europeia parece hoje mais propenso a considerar a UE como um “complot elitista”) e Jacques Sapir (economista, especialista na economia russa, e defensor da “desglobalização”), avançou uma explicação para o fenómeno que vê na existência do euro, a causa primária dos “coletes amarelos”, apontando como principal justificação o empobrecimento originado pelas «…políticas executadas para tentar salvar, custe o que custar, a moeda única europeia», especialmente pelas «… políticas orçamentais de alta dos impostos e de baixa dos investimentos públicos, exigidas por toda a parte pela Comissão de Bruxelas».
Embora baseada em argumentos entendíveis e subscrevendo integralmente a crítica ao modelo da “desvalorização interna” – método imposto pelos neoliberais apólogos da correcção das contas externas mediante uma diminuição drástica dos rendimentos e um estrangulamento da procura interna e que os autores pouco ou nada expressaram quando da sua aplicação coerciva às economias da Europa do Sul –, parece manifestamente exagerado reduzir os problemas franceses e europeus à existência da moeda-única.
Não existe prova definitiva que tenha sido a criação duma moeda-única que originou o colapso das exportações francesas nem o enfraquecimento do seu aparelho industrial, ou de qualquer outro estado-membro – isso poderá ter sido o resultado das opções de deslocalização e de desinvestimento decidido em função dos interesses do capital transnacional, grande accionista das empresas que outrora foram de capitais nacionais, quiçá da perda de competitividade natural de antigos sectores de ponta como a indústria automóvel francesa – nem aquela pode ser apontada como responsável pela definição das taxas de conversão (essa foi uma decisão política que poderá ter sido tomada sem as devidas cautelas) que terão reduzido a competitividade da economia francesa e feito subir «… os preços e os custos salariais franceses em relação ao da maior parte dos países estrangeiros» e, ao contrário do que afirmam os autores, carece de demonstração que as política de “desvalorização interna” sejam indispensáveis à manutenção do euro.
O que parece cada vez mais claro é que a moeda-única, nos termos em que foi concebida e concretizada, longe de constituir o elo de união e de fortalecimento do projecto Europeu está a revelar-se como aquilo que sempre foi: um instrumento para a concretização de um projecto de alteração ao modelo de distribuição de rendimentos e favorável à concentração da riqueza!
Que fazer agora? Recriar moedas nacionais, como se defende no texto referido, mediante a preparação de uma «… transição harmoniosa para um pós-euro, se possível discutindo com nossos parceiros a organização de uma desmontagem concertada, mas se não for possível tomando a iniciativa de modo unilateral depois de ter estabelecido as medidas conservatórias apropriadas», mas sem explicar qualquer uma delas?
E que dizer da ideia de associara o processo de criação da nova moeda «… as vantagens de uma “desvalorização monetária” do franco novo, acompanhada de uma política económica coerente, dominando a inflação…», senão que isso é praticamente o mesmo que a “desvalorização interna” que anteriormente criticaram e que, repito, nada tem a ver com o euro, ou que a ideia que a «… perda inelutável do poder de compra, resultante do encarecimento de certas importações, seria apenas modesta e passageira, sendo muito rapidamente compensada pela retoma da produção nacional…» não passa de uma pobre maquilhagem da situação de estagnação económica de todos conhecida e sem outra fundamentação que não a da “boa vontade” dos investidores em regressarem à economia francesa…
Outra hipótese, que os autores não contemplaram, é a de uma reformulação dos termos de funcionamento da moeda-única, especialmente naqueles que mais perniciosos se têm revelado para as economias e para os cidadãos, que poderiam ser assim definidos:
- Recuperação do controlo público da emissão de moeda;
- Conversão do BCE em financiador de primeira instância da dívida pública dos Estados-membros;
- Financiamento dos Estados-membros a taxas iguais, se não inferiores, às da banca europeia;
- Harmonização fiscal no interior da Zona Euro;
e ainda o fortalecimento da coesão política (mediante o aprofundamento dos processos democráticos e a redução/eliminação das estruturas burocráticas não eleitas nem sujeitas a controlo democrático) e económica.