Ao ler o livro Poemas & Prósias, de Antônio Carlos Queiroz, o ACQ, vêm à mente reflexões importantes sobre o sentido da vida e a necessidade da poesia e da arte para que ela possa ser melhor vivida. Mesmo que os trocadilhos sejam pobres.
Com uma capa, de Mariosan, na qual chama a atenção a gata preta, o convite à leitura se sobressai. Primeiro para entender o sentido – ou não – da capa. Depois se embebecer com os poemas com muita delicadeza, bom humor e conteúdo.
Afinal quem lê poesia em plena era cibernética? Qualquer pessoa que tenha sentimentos de humanidade. Pessoas que saibam contemplar o céu, as estrelas, o sol, o cotidiano, a lua, o ir e vir para o trabalho e do trabalho para casa, enfim tudo o que nos remonta à vida deste planeta que não tem nada de plano. Afinal,
“Os poetas desejam criar mundos novos sem se importar com a interpretação”
Qual o sentido de tantas palavras ditas e não ditas – nas entrelinhas – dos grandes poetas de todos os tempos? Sim, escrever poemas não é para qualquer um. Como disse Umberto Eco: “todos os poetas escrevem poesia ruim. Os maus poetas publicam, os bons poetas jogam no lixo” (consta no livro).
ACQ, um jornalista poeta (ou é o contrário?), remete-nos ao raciocínio sobre o sentido de tantas palavras, como no colégio (atual ensino médio) um professor de Biologia, velhinho simpático, do qual infelizmente a memória perdeu o nome, contou um segredo: as “palavras significam” e por isso devem ser conscientemente usadas.
E nos poemas do ACQ, as tantas palavras que se conheciam e se conhecem tocam nossas mentes e nossos corações, como somente os bons poetas conseguem, para vislumbrar uma luz no fim, no meio e no começo do túnel desta louca viagem que é a vida.
Porque “o sol nasce para todos”. E, por isso, “somos parentes!” Afinal somos todos parentes na evolução da vida.
“E sobre a Ética do Spinoza a luta contra o capitalismo os filmes do Fellini os quartetos do Beethoven os poemas do Drummond a edição genética os textos do chatGPT as teorias da matéria escura os chiliques de Betelgeuse e o colapso do Sol”
Com poemas inventivos, cada palavra bem colocada e o sentido dado, somos levados tanto ao deleite quanto a pensamentos. Como na canção de Lupicínio Rodrigues, “o pensamento parece uma coisa à toa, mas como a gente voa quando começa a pensar”.
E os poemas e as prósias de ACQ nos fazem voar nos pensamentos e sonhos e ir além. Para onde o sentido da vida não se dê pelo que se tem, mas pelo que se é ou deseja ser. O sentido presente nas entrelinhas das artes.
E segue a toada com as “esperas do passado com sabor de oportunidade perdida”, porque, sim, como diz Belchior, “na vida é muito pior” e, então, “A PM me deu novo nome, também proparoxítono. Até ontem eu era Fátima, agora sou Estatística”, em poesia do ACQ. Porque “se você é preto, pobre ou puto, cuidado cos guardas da esquina”. E bota cuidado nisso, como mostram todas as estatísticas, policiais ou não. Enfim, a luz está em nossos olhos, que brilham com a leitura deste livro de poesias do tempo da delicadeza com o acúmulo de tantas coisas já vividas e vistas na:
“Luz nos olhos da gata cautelosa – cauteluz – Rútila cor de água
No brilho da retina engatilha o bote a sílica felina”
Nas semanas que têm decorrido temos tido ecos de uma polémica protagonizada por um grupo de interesses – a Liga dos Bombeiros Portugueses – a propósito de posições assumidas por um dirigente da Administração Pública – o Presidente da AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I.P. – a qual se apresenta publicamente com a seguinte missão.
A nossa missão é fazer o planeamento, coordenação estratégica e avaliação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais.
Especificando ainda:
O que fazemos? Integração de políticas públicas com efeitos; Na acumulação Na acumulação de combustível vegetal;. No comportamento da população;. Na atividade dos agentes do SGIFR. – Avaliação e monitorização de prevenção e supressão – Gestão do conhecimento – Promoção da especialização e profissionalização dos agentes do SGIFR.
Exige a Liga nada mais nada menos que a demissão do presidente da AGIF.
Os conflitos mais recentes de que tenho memória opuseram os bombeiros à Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e tiveram origem no enquadramento operacional da intervenção dos bombeiros que punham em causa a alteração da organização distrital. A Liga, então dirigida por Jaime Marta Soares, revelou-se como de costume extremamente vocal. Pensou-se que a sucessão deste por António Nunes, que se tornou particularmente conhecido durante o seu período como dirigente máximo da ASAE inauguraria um novo estilo de intervenção pública da Liga.
O não ser assim exige que se tente olhar para as posições assumidas pelo Presidente da AGIF que prestava declarações a uma Comissão Parlamentar
Numa peça publicada no Diário de Notícias que recomendo pela clareza da apresentação e pela preocupação de recolher contributos de várias origens, ainda que não prestados directamente ao jornal(i), escreve-se:
As palavras que desencadearam esta “guerra” foram proferidas por Tiago Oliveira no passado dia 27 de julho, numa audição parlamentar na comissão de Agricultura e Pescas, a propósito do relatório de atividades do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais de 2022.
Contrariando o princípio de que quantas mais aeronaves melhor, disse que “não são necessários tantos meios aéreos” para o combate aos incêndios florestais e pediu aos deputados para que “saiam da discussão do meio aéreo”. E, revelando ainda alguns sinais do seu trabalho anterior para a AFOCELCA, desvalorizou a “questão do eucalipto”.
“O discurso político de culpabilizar o eucalipto, na minha opinião, está completamente errado, o discurso político de dizer que isto se resolve com mais meios aéreos também está errado, porque sabemos que os meios aéreos não resolvem, encarecem. O fogo resolve-se no chão com as enxadas”, frisou.
Mas o que provocou a ira de António Nunes, presidente da LBP, e dos autarcas, foi o que disse a seguir, quando questionou também o facto dos “corpos de bombeiros receberem em função da área ardida”, considerando o “objetivo perverso”.
O presidente da AGIF sublinhou também que “há municípios a gastar meio milhão de euros, uma barbaridade de dinheiro nos bombeiros, quando não gastam dinheiro a gerir a floresta”.
Tiago Oliveira admitiu que ainda existem “incómodos” no país. “Há um conjunto de resistências de natureza política, de distribuição de poder, de não cumprimento de procedimento de poderes, de dinheiros não verificados que têm de ser escalpelizados”, disse.
Na mesma linha, três académicos que têm dedicado atenção ao fenómeno dos fogos florestais, sendo que pelo menos um deles participou na Comissão Independente criada após as tragédias de 2017, vieram reforçar em artigo inserido no Público de 3-08-2023(ii) que o sistema de financiamento das Associações Humanitárias de Bombeiros previsto na Lei nº 94/2015, de 13 de Agosto(iii), premeia o aumento de área queimada.
“Portanto, a importância do risco de incêndio florestal, dependente da área queimada e do número de ignições, assume especial protagonismo.
Como disse o presidente da AGIF, e na linha do recente relatório do Tribunal de Contas intitulado “Auditoria ao financiamento pelos municípios de corpos e associações de bombeiros”, este incentivo é perverso, porque premeia a ocorrência do fenómeno que se pretende evitar. Claro que um maior número de fogos e a ocorrência de maiores áreas queimadas implicam maiores gastos por parte dos bombeiros, que precisam de ser ressarcidos, mas aquilo que devia ser premiado era a redução da área média anual queimada, ao longo de um período suficientemente longo para constituir uma tendência sólida. Essa redução só poderá resultar de um trabalho de gestão integrada do fogo rural, que articule devidamente as ações de prevenção e de supressão do fogo, com boa coordenação entre o ICNF, a ANEPC, a Guarda Nacional Republicana (GNR), as autarquias e as organizações do setor florestal, tal como preconizado no Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais 20-30 e no Plano Nacional de Ação da AGIF.
Qual a objecção de António Nunes às declarações de Tiago Oliveira, presidente da AGIF nomeado em 2018 no quadro de uma profunda alteração de estratégia determinada pelos desastres de 2017. Recorrendo ainda à peça do DN temos:
Em declarações ao “Polígrafo”, António Nunes (que não respondeu ao DN) refutou perentoriamente que houvesse bombeiros financiados à conta da área ardida, defendendo que “não há nada na lei, em nenhuma lei, e os bombeiros só recebem aquilo que está na lei ou nos protocolos”.
Portanto, afirmou, “não há nenhuma contratualização com ninguém que vá receber por área ardida”. Quanto à forma como é distribuído o financiamento aos corpos de bombeiros, “é feito pelo índice de risco, mas quando há um incêndio de grandes dimensões são mobilizados os bombeiros de todo o país, que não recebem mais por isso”.
“A fórmula é o índice de risco de onde os corpos de bombeiros pertencem, mas cada corpo de bombeiros nunca pode receber mais de 10% do que no ano anterior”, indicou o presidente da LBP. Esse critério está disposto no ponto 6 do financiamento permanente disposto na Lei n.º 94/2015 em que se lê que “da aplicação do disposto no presente artigo não pode resultar, em cada ano económico, uma variação negativa do financiamento superior a 5 % ou uma variação positiva do financiamento superior a 10% a atribuir a cada AHB por reporte ao montante atribuído no ano precedente”.
Nunes salientou que “mesmo que o concelho ardesse todo, os bombeiros não receberiam mais do que aqueles 10% no ano seguinte” e que, por isso, estão “indignados”. “As pessoas depois pensam que deixamos arder para recebermos mais dinheiro e isso não é verdade”, frisa.
Quem tem razão?
Sabemos que em matéria de indicadores de gestão é perigoso construir medidas simplistas em matéria de justiça e de segurança, por exemplo para medir efeitos de prevenção da criminalidade. Ou em matéria de cuidados de saúde medir a eficiência dos cuidados pelo número de altas concedidas, como se terá estado a fazer com as empresas intermediárias na contratação de médicos.
Certamente ninguém pensa que os bombeiros deixarão arder por ser uma forma de serem mais facilmente ressarcidos. Em todo o caso terão de ser analisados episódios em que, como terá acontecido em Odemira, se deixa arder um empreendimento de alojamento local “por não haver ordens”(iv).
Talvez se possa ajustar a redacção da Lei por forma a evitar que se interiorizem avaliações da performance que não reconheçam os ganhos de prevenção.
Quanto ao financiamento adicional pelos municípios coloca um problema cuja resolução não parece fácil até por haver associações humanitárias de bombeiros em situações de crise que não têm a ver com o combate a incêndios.
Mas esta diferença de sensibilidades não parece dever ser fundamento de um pedido de exoneração que atendendo ao período de exercício de funções já decorrido mais parece visar uma não-recondução.
Que aliás não teria fundamento no objecto estatutário da AGIF que tem como missão AVALIAR o sistema.
Que diz o Governo?
Segundo o DN, ainda na peça que venho a citar, o Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, terá dito:
“Pude ouvir as explicações do sr. engenheiro Tiago Oliveira, da AGIF, e ele próprio lembrou que não quis ofender nem os autarcas, nem os bombeiros. O que ele quis dizer, todos temos a consciência, é que é necessário investir mais na prevenção do que no combate”. Quando ao pedido de demissão por parte da LBP disse não ter “nada a acrescentar em relação aquilo que já disse“.
A Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, afina pelo mesmo diapasão. Segundo texto divulgado pela Lusa, afirmou em 13 de Agosto que Tiago Oliveira, tem “enorme respeito” pela classe.
“Há uma coisa que eu conheço que é o enorme respeito que o Tiago, como todos nós que estamos na política, temos com os nossos bombeiros”, afirmou a governante, à margem de uma visita aos concelhos de Odemira (Beja) e Aljezur (Faro.”
Salientando que, muitas vezes, a forma como os políticos se expressam “pode não ser a mais feliz”, a ministra disse hoje que a declaração do presidente da AGIF “não traduz de todo o sentimento de profundo reconhecimento que o Governo e a população têm relativamente ao trabalho dos bombeiros”.
“Não devemos alimentar aquilo que não é o sentimento do Governo e muito menos do presidente da AGIF, que é extremamente profissional”, sublinhou, insistindo que conhece “o enorme respeito” que Tiago Oliveira “tem por todos aqueles que fazem parte deste ecossistema de prevenção e de combate aos incêndios”.
Admitindo que ainda é possível fazer melhorias, Ana Abrunhosa salientou que existe “um mundo de diferença” entre o período “antes da AGIF e depois da AGIF” no que diz respeito à prevenção e ao combate aos incêndios.
Curiosa esta referência de Ana Abrunhosa, ela própria uma relativa neófita no Governo, aos que estão na política, para onde copta Tiago Oliveira, ressalvando que como políticos, se podem exprimir de forma que não seja a mais feliz.
A ideia de defender Tiago Oliveira como titular de um alto cargo público, escolhido numa base técnica, e responsável pela avaliação do sistema, com inteira independência, está aqui ausente.
Sintoma inequívoco da debilidade de uma Administração Pública em que até as Agências e as Autoridades estão sujeitas a pressões impiedosas de grupos de interesses.
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Falta referir que André Ventura após contacto com os Bombeiros Voluntários de Camarate se associou publicamente ao pedido de demissão de Tiago Oliveira, o que gerou de imediato uma reacção negativa daquela corporação contra o aproveitamento.
Não sei se Ventura ainda se dá como salazarista. Por mim, começo a ficar convencido de que necessitamos de um Salazar que o ponha na ordem.
Notas
(i) DN de 13-8-2023. Peça assinada por Valentina Marcelino. “Tiago Oliveira. Um “sobrevivente” que escapou a um incêndio e que prometeu contrariar o sistema”.
(ii) “O financiamento dos bombeiros depende da área queimada”, artigo subscrito por José Miguel Cardoso Pereira, Paulo Fernandes e Joaquim Sande Silva, professores e investigadores de Engenharia Florestal respectivamente no Instituto Superior de Agronomia, na UTAD e na Escola Superior Agrária de Coimbra
(iii) Lei 94/2015, de 13 de Agosto (Regras do financiamento das associações humanitárias de bombeiros, no continente, enquanto entidades detentoras de corpos de bombeiros (primeira alteração à Lei n.º 32/2007, de 13 de agosto, que aprova o regime jurídico das associações humanitárias de bombeiros)).
(iv) Só depois deste episódio o Governo começou a falar em compensar os empresários do turismo. rural.
O novo filme blockbuster Oppenheimer trouxe de volta as memórias da primeira bomba nuclear jogada em Hiroshima, Japão. Ele levantou questões complexas sobre a natureza da sociedade que permitiu tais bombas serem desenvolvidas, usou-as, e estocou arsenais que podem destruir o mundo por muitas vezes.
A infame era McCarthy e a caçada por vermelhos em todos os lugares tem relação com a patologia de uma sociedade que suprimiu sua culpa sobre o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki e a substituiu por uma crença em seu excepcionalismo?
O que explica a transformação de Robert Oppenheimer, que emergiu como um “herói” do projeto Manhattan que construiu a bomba atômica, para um vilão, e então para uma figura esquecida da história?
Eu me lembro do meu primeiro encontro com a culpa americana sobre as duas bombas atômicas jogadas no Japão. Eu estava participando de uma conferência sobre controles de computador distribuídos, em Monterrey, Califórnia, em 1985, e nossos anfitriões eram o Lawrence Livermore Laboratories.
Esse foi o laboratório de armas que tinha desenvolvido a bomba de hidrogênio. Durante o jantar, a esposa de um dos cientistas nucleares perguntou ao professor japonês na mesa se os japoneses entendiam porquê os americanos tiveram que jogar a bomba no Japão.
Ela perguntou se eles compreendiam que isso salvou a vida de um milhão de soldados americanos? E as de muito mais japoneses?
Qual era o propósito dela? Ela estava procurando por absolvição para a culpa que todos os americanos carregam? Ou ela estava procurando confirmação para o que tinha sido dito a ela, e que ela acreditava ser verdade? Essa crença era mesmo compartilhada pelas vítimas da bomba?
Não apenas no nível da guerra, onde essa nova arma mudou os parâmetros completamente. Mas também no modo no qual a bomba provocou o reconhecimento na sociedade que a ciência não era mais preocupação só dos cientistas, mas de todos nós.
Para os cientistas, também foi o momento no qual eles não podiam mais ter qualquer dúvida sobre se o que eles faziam nos laboratórios tinha consequências no mundo real, incluindo a possível destruição da própria humanidade. Isso também trouxe que essa era uma nova era, a era da grande ciência que precisava de muitos dólares.
Estranhamente, dois dos principais nomes de cientistas no centro do movimento antibomba nuclear após a guerra também tinham um papel importante em iniciar o Projeto Manhattan.
Leo Szilard, um cientista húngaro que tinha se tornado um refugiado, primeiro na Inglaterra, e então nos Estados Unidos, procurou a ajuda de Albert Einstein para peticionar o Presidente Franklin Roosevelt para os Estados Unidos construírem a bomba. Ele tinha medo que se a Alemanha nazista construísse primeiro, Hitler conquistaria o mundo. Szilard se juntou ao Projeto Manhattan, embora ele não estivesse locado em Los Alamos, mas nos Laboratórios Metalúrgicos da Universidade de Chicago. Szilard fez campanha dentro do Projeto Manhattan para uma demonstração da bomba antes de seu uso no Japão.
Einstein também tentou alcançar Roosevelt com seu apelo contra o uso da bomba. Mas, antes que ele pudesse fazer isso, Roosevelt morreu, para ser substituído pelo Vice-Presidente Harry Truman. Truman pensou que a bomba daria aos Estados Unidos um monopólio nuclear, e então ajudaria a subjugar a União Soviética no período pós-guerra.
Einstein e Oppenheimer em 1950. Foto: Domínio Público
Voltando ao Projeto Manhattan. É a escala do projeto que era impressionante, mesmo para os padrões de hoje. Em seu pico, ele empregou 125.000 pessoas diretamente, e se nós incluirmos as muitas outras indústrias que direta ou indiretamente produziram peças ou equipamentos para a bomba, o número chegaria perto de meio milhão.
Os custos também eram enormes, $2 bilhões em 1945 (cerca de $30-50 bilhões hoje). Os cientistas envolvidos eram um grupo de elite que incluía Hans Bethe, Enrico Fermi, Nils Bohr, James Franck, Oppenheimer, Edward Teller (o vilão da história mais tarde), Richard Feynman, Harold Urey, Klaus Fuchs (que compartilhou segredos atômicos com os soviéticos), e muitos outros nomes brilhantes. Mais de duas dúzias de vencedores do Prêmio Nobel estavam associados com o Projeto Manhattan em várias capacidades.
Mas a ciência era apenas uma pequena parte do projeto. O Projeto Manhattan queria construir dois tipos de bombas: uma usando isótopo de urânio-235 e a outra plutônio.
Como nós separamos material físsil, U-235, de U-238? Como nós concentramos plutônio usando difusão gasosa? Como fazer ambos em escala industrial? Como nós configuramos a reação em cadeia para criar a fissão, trazendo material físsil subcrítico junto para criar uma massa crítica?
Tudo isso exige metalúrgicos, químicos, engenheiros, especialistas em explosivos, e a fabricação de plantas completamente novas e equipamento espalhado em centenas de lugares. Tudo isso tinha que ser feito em velocidade recorde. Isso foi um “experimento” sendo feito, não em escala laboratorial, mas em escala industrial. Isso explica o enorme orçamento e o tamanho do poder humano envolvido.
O governo dos Estados Unidos convenceu seus cidadãos de que o lançamento da bomba atômica em Hiroshima, e três dias depois o de Nagasaki, levou a rendição do Japão. Baseado em arquivos e outras evidências, fica claro que mais que as bombas nucleares, a União Soviética declarando guerra ao Japão foi o que levou a sua rendição.
Eles também mostraram que o número de “um milhão de vidas americanas salvas” devido a Hiroshima e Nagasaki, como eles evitaram uma invasão ao Japão, não tinha base. Foi um número criado inteiramente para propósitos de propaganda.
Enquanto foi dado ao povo dos Estados Unidos esses números como cálculos sérios, o que foi completamente censurado foram as verdadeiras fotos das vítimas das duas bombas.
A única foto disponível do bombardeamento de Hiroshima – a nuvem de cogumelo – foi uma tirada pelo artilheiro de Enola Gay. Mesmo quando poucas fotos de Hiroshima e Nagasaki foram divulgadas meses após os bombardeamentos nucleares, elas eram apenas de prédios estilhaçados, nenhuma de seres humanos verdadeiros.
Os Estados Unidos, aquecendo-se no brilho de sua vitória, não queriam que os bons tempos fossem estragados pelas visões do horror de sua bomba nuclear. Os Estados Unidos dispensaram pessoas morrendo de uma doença misteriosa, que eles sabiam que era mal de radiação, como propaganda pelos japoneses. Para citar o General Leslie Groves, que liderou o Projeto Manhattan, esses eram “Contos de Tóquio”.
Levou sete anos para que o número de seres humanos mortos no desastre fosse visível, e apenas depois que os Estados Unidos cessaram sua ocupação do Japão. Mesmo isso foi apenas poucas fotos, quando o Japão ainda estava cooperando com os Estados Unidos em silenciar o horror da bomba nuclear.
O relato visual completo do que aconteceu em Hiroshima teve que esperar até os anos de 1960: As fotos das pessoas vaporizadas deixando apenas uma imagem na pedra na qual elas estavam sentadas, sobreviventes com as peles penduradas em seus corpos, pessoas morrendo de doença de radiação.
A outra parte da bomba nuclear foi o papel dos cientistas. Eles se tornaram os heróis que tinham encurtado a guerra e salvado um milhão de vidas dos Estados Unidos.
Em sua criação de mitos, a bomba nuclear foi convertida de um grande esforço em escala industrial, para uma fórmula secreta descoberta por poucos físicos, que deu aos Estados Unidos enorme poder na era pós-guerra.
Isso foi o que fez Oppenheimer um herói para o povo dos Estados Unidos. Ele simbolizou a comunidade científica e seus poderes divinos. Isso também o fez um alvo para pessoas como Teller, que mais tarde em combinado com outros para derrubar Oppenheimer.
Mas se Oppenheimer foi um herói apenas poucos anos antes, como eles foram bem-sucedidos em puxa-lo para baixo?
É difícil para alguns observadores internacionais imaginar que os Estados Unidos tinham um movimento de esquerda forte antes da Segunda Guerra Mundial. Além da presença de comunistas nos movimentos dos trabalhadores, o mundo da intelligentsia – literatura, cinema, academia e cientistas – também foi caracterizado por uma forte presença comunista.
A ideia de que a ciência e a tecnologia podem ser planejadas, como J. D. Bernal argumentou na Grã-Bretanha, e devem ser usadas para o bem público foi o que muitos cientistas de esquerda tinham abraçado. Por isso os físicos, naquela época na dianteira da vanguarda nas ciências – relatividade, mecânica quântica – também estavam na vanguarda dos debates sociais e políticos dentro da comunidade científica, e da discussão sobre o papel da ciência entre a população mais ampla.
É no mundo da ciência que uma visão de mundo crítica colidiu com a emergência do novo mundo, no meio dos anos de 1940, em que o estado americano estava se apresentando como “a nação excepcional” e a única hegemonia global.
Qualquer enfraquecimento dessa hegemonia podia apenas acontecer porque algumas pessoas, traidoras dessa nação, entregaram “nossos” segredos nacionais. Qualquer desenvolvimento em qualquer outro lugar podia apenas ser resultado de roubo, e nada mais. Então a história foi.
A campanha para lançar suspeitas sobre cientistas também foi ajudada pela crença generalizada de que a bomba atômica foi produto de simplesmente poucas equações que cientistas tinham descoberto e podiam então ser facilmente vazadas para os inimigos.
Essa foi a gênese da era McCarthy, uma guerra contra as comunidades artísticas, acadêmicas e científicas dos Estados Unidos. Foi uma busca infundada por espiões embaixo de cada cama. O complexo militar industrial foi nascendo nos Estados Unidos e logo assumiu o estabelecimento científico. Quaisquer vozes críticas a esse desenvolvimento tinham que ser silenciadas.
Oppenheimer precisava ser punido como um exemplo para os outros. Os cientistas não deviam se configurar contra os deuses do complexo militar industrial e sua visão de dominação do mundo. A queda da graça de Oppenheimer serviu a outro propósito, embora. Ela foi uma lição para a comunidade científica de que se ela cruzasse o estado de segurança, ninguém era tão grande para não ser derrubado.
Mesmo embora os Rosenbergs – Julius e Ethel – tivessem sido executados, eles eram relativamente figuras menores. Julius não tinha vazado nenhum segredo atômico crucial; ele apenas manteve a União Soviética a par de desenvolvimentos gerais. Ethel, embora uma comunista, não tinha nada a ver com qualquer espionagem.
A única pessoa que tinha vazado segredos atômicos foi Klaus Fuchs, um membro do Partido Comunista da Alemanha que escapou dos nazistas fugindo para a Grã-Bretanha, trabalhou no projeto de bomba lá primeiro, e então como parte do Projeto Manhattan, com uma equipe britânica baseada nos Estados Unidos. Ele fez importantes contribuições para o mecanismo de disparo da bomba nuclear e as compartilhou com a União Soviética.
A contribuição de Fuchs provavelmente encurtou os esforços de desenvolvimento da bomba soviética, na melhor das hipóteses, em um ano. Não foi como se a URSS não teria feito a descoberta dentro de pouco tempo de qualquer modo. Como toda uma série de nações mostraram, uma vez que todos sabem que uma bomba físsil é possível, é fácil para os cientistas e tecnólogos duplica-la. Isso foi feito por países tão pequenos quanto a Coréia do Norte.
A maior tragédia de Oppenheimer não foi que ele foi vitimizado na era McCarthy e perdeu a sua autorização de segurança. Einstein nunca teve uma autorização de segurança, então essa necessidade não foi uma grande calamidade para ele, também. Foi a humilhação pública durante as audiências, quando ele desafiou a retirada de sua autorização de segurança, que o quebrou. Aos físicos, os garotos dourados da era atômica, tinha finalmente sido mostrado seu lugar no mundo emergente do complexo militar industrial.
Foto de identificação de Oppenheimer do Laboratório de Los Alamos. Foto: Laboratório de Los Alamos
Einstein, Szilard, Rotblatt, e outros tinham previsto esse mundo. Eles, diferente de Oppenheimer, tomaram o caminho de construir um movimento contra a bomba nuclear.
Os cientistas, tendo construído a bomba, tinham que agora agir como guardiões da consciência do mundo, contra uma bomba capaz de destruir toda a humanidade. Essa bomba ainda pendura uma espada de Dâmocles sobre todas as nossas cabeças.
por Prabir Purkayastha, Engenheiro e um cientista ativista. Ele é Presidente do Free Software Movement da Índia e editor do Newsclick | Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy
Fonte: People´s World
Não é novidade que a Folha de São Paulo busca se colocar como uma instituição “em defesa da democracia”. Mas episódios de cumplicidade entre o jornal e a ditadura também já são conhecidos publicamente. É preciso jogar luz não apenas neste histórico de colaboracionismo e na mudança de posição, como também em qual democracia o jornal defende. E pensar em para qual modelo de sociedade caminhamos.
O assunto sobre a relação da Folha com a ditadura militar voltou à tona após pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que investigam a relação de colaboracionismo entre empresas e a ditadura, apontarem o jornal entre uma dessas empresas.
No dia 7 de agosto, tive a honra de participar, com a Beatriz e o Ivan Seixas, jornalista que sofreu na pele os horrores da ditadura e que hoje luta por justiça e reparação, de um debate promovido pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, com o nome: “Colaboracionismo e Ditadura; Responsabilização e o caso Folha”.
No último domingo, 20 de agosto, a Folha publicou no jornal impresso outro artigo que reafirma sua defesa da democracia, chamado “O pioneirismo da Folha nas Diretas”. Cabe, portanto, prosseguir neste debate.
Impeachment da Dilma Rousseff deflagrou novo período de retrocesso
Como sabemos, não só a Folha, mas a Globo, o Estadão, a grande imprensa em geral, defenderam o impeachment da Dilma Rousseff, que foi uma nova forma de golpe, deflagrando um novo período de retrocesso a exemplo da ditadura militar, mas com novos métodos, com a imposição de reformas liberais de forma apressada e sem um debate social. Reformas que prejudicaram muito os movimentos socias, o movimento sindical e, principalmente, os trabalhadores devido a ampla retirada de direitos.
Isso mostra que a atual e supostamente enfática defesa da democracia manifestada pela imprensa é relativa uma vez que se refere a um período histórico que já está superado, o regime militar de 1964, e não a governos recentes, como o de Dilma Rousseff, ou instituições democráticas, como a representação sindical.
Dominação dos EUA continuou mesmo após redemocratização
Mais do que isso, se refere a um modelo superado apenas na forma. Na forma de impor um regime à força. Mas que, no quadro maior, mesmo após a redemocratização de 1985, manteve o mesmo tipo de dominação econômica e cultural atrelada aos Estados Unidos, que sustentou o golpe militar e a implementação do regime, conforme mostra farta documentação.
Em 1985 a ditadura militar brasileira já não cabia em um mundo que começava a exigir um modelo mais aberto, liberal e, sobretudo, com um estado menor. E a redemocratização, embora tenha trazido liberdade política, veio concomitantemente com um forte modelo de terceirização e de desemprego que levou a um empobrecimento da classe trabalhadora, enfraquecimento do movimento sindical e dos partidos e movimentos de esquerda.
Esse contexto não contrasta com a ditadura, mas faz parte do seu projeto. E o perfil colonizado de grande parte da nossa imprensa, que hoje se levanta para falar que é a favor da democracia, que condena a ditadura, que se desculpa por ter apoiado a ditadura, mostra bem essa relação.
Grande imprensa fecha com Bolsonaro com relação a direitos trabalhistas
Hoje a mesma imprensa que apoiou o golpe de 64 e que apoiou o impeachment da Dilma, continua com um discurso contra os direitos trabalhistas e políticas sociais, reproduzindo, inclusive, narrativas bolsonaristas declaradamente contrárias aos trabalhadores. Ou seja, se por um lado condenam o perfil autoritário e violento, que é a expressão mais crua do regime militar, e que foi reverenciado por Jair Bolsonaro quando presidente, por outro, concordam tanto com o regime de 64, quanto com o bolsonarismo no que diz respeito à retirada de direitos trabalhistas e políticas sociais.
Isso ficou muito evidente nesta segunda-feira, 21/08/2023, quando a jornalista Miriam Leitão, que foi vítima da violência da ditadura, disse para a rádio CBN que uma democracia “não precisa de sindicatos” porque, segundo ela, “os sindicatos não são representativos”.
É óbvio que se trata de uma fake news, uma vez que o que o movimento sindical reivindica hoje é uma sustentação para sindicatos representativos quando negociam salários e convenções coletivas. Ela fala em “modernizar” as relações de trabalho. Mas esse “modernizar” nada mais é que retirar direitos para facilitar a vida do empregador e obrigar o trabalhador a se sujeitar a condições indignas para se manter no mercado.
Vivemos o mundo idealizado pelos EUA no Pós-guerra
Esta situação que vivemos, de desvalorização do trabalhador e dos sindicatos, é o modelo que foi idealizado pelo governo americano no Pós-guerra, implementado à base da repressão, violência e censura durante as ditaduras na América Latina, e acentuado com o advento do Consenso de Washington, em 1990, e o fim da União Soviética, em 1991, que era um contrapeso para o capitalismo selvagem e, sobretudo, uma referência para a esquerda (tanto que influenciou a socialdemocracia na Europa).
No horizonte deste modelo, se ele seguir seu curso, a própria imprensa que o defende está em risco. E, neste ponto, acrescento ao debate um tema que levantei no programa do dia 7 de agosto, transmitido pelo Barão de Itararé: a emergência das redes sociais como a grande evolução no que diz respeito a colaboracionismo.
O perigo das redes sociais
Quando falamos sobre imprensa, colaboracionismo, e empresas de comunicação trabalhando para um projeto político, não podemos deixar de mencionar o poder das redes sociais.
Desde a segunda década deste século o jornalista e ativista Julian Assange tem exposto claramente o sistema de controle político que as empresas que dominam a internet possuem. No prefácio à edição brasileira de seu livro “Quando o Google encontrou o Wikileaks” , por exemplo, Assange diz que “O Google exemplifica os terríveis perigos da internet corporativa. Desde muito cedo, seus fundadores perceberam que o processamento de informações em grande escala os colocaria no centro de tudo”; e que: “Os brasileiros devem se conscientizar de que, quando usam os ‘serviços’ do Google, estão sendo aliciados para entrar em um relacionamento com uma mega corporação estrangeira global muitos milhões de vezes mais poderosa do que eles e sujeita a poucos mecanismos de prestação de contas”. Isso foi escrito em 2014. De lá para cá a situação piorou muito com o crescimento da Meta, dona do Facebook, e com a disseminação dos smartphones.
Assange conta no livro como as redes sociais manipularam as mega manifestações que varreram o Oriente Médio e o Norte da África, em uma série de eventos que se tornaram conhecidos como “Primavera Árabe”. E isso se repetiu no Brasil, em 2013, na Ucrânia, em 2014, no Chile, em 2019 e em diversos outros lugares do mundo.
As redes socias, como novas empresas de comunicação, atravessam qualquer controle social, chegam ao público independentemente da mediação de empresas nacionais ou de governos, e conseguem sem esforço manipular eleições e movimentos políticos. Elas são, neste sentido, uma expressão perfeita do ultraliberalismo selvagem.
Valorizar a imprensa
Interessa à sociedade saber o que foi a ditadura militar, seus métodos violentos e autoritários, a prática extensiva de perseguição, repressão, censura e torturas. Interessa saber quais empresas privadas colaboraram com o regime e como elas se beneficiaram com isso. O povo brasileiro, em sua maioria, não conhece a fundo essa história e a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, é prova disso.
É também de interesse social que algumas empresas que apoiaram a ditadura, em todo o período ou em alguns momentos, tenham reconhecido o erro e revisto suas posições. Isso mostra que a sociedade não deve aceitar um passado de cumplicidade com um regime abusivo. Mostra que existem valores que devem prevalecer para o avanço do país.
Acima de tudo é importante ter o entendimento que os interesses políticos e econômicos por trás do regime militar de 1964, permaneceram mesmo após a abertura democrática de 1985 e que ainda sofremos com problemas advindos do acirramento do neoliberalismo.
A resistência a esse modelo contempla fortalecer as instituições e a soberania nacional. Neste sentido, as críticas que devem ser feitas à imprensa devem apontar para um jornalismo mais sério, confiável e democrático de fato. E não para sua destruição. Devemos valorizar a imprensa livre, sua história, seu papel e trabalhar para ampliá-la e melhorá-la de acordo com os interesses do povo brasileiro e com base naquilo que prevê a nossa Constituição.
Porque um país desenvolvido precisa de uma imprensa forte, livre, questionadora e que respeite o Estado de Direito.
Previ eu na edição desta coluna de dez de Julho, que a novela da Cocaína na Casa Branca iria ocupar o nosso Verão mediático, por uma razão essencial: não sendo possível esconder por mais tempo os negócios milionários protagonizados pelo clã Biden com as mais variadas potências internacionais, a única estratégia comunicacional possível para a Casa Branca é a de fazer de Hunter o centro das atenções e fazer crer que não se trata de crime organizado pelo clã com a cobertura empenhada da máquina do Estado, nomeadamente da chamada ‘comunidade de inteligência’ e do Ministério da Justiça.
A realidade acabou por ser algo diferente, com os responsáveis federais a produzir versões contraditórias sobre o local onde tinha sido encontrada a cocaína e sobre as deslocações de Hunter Biden na Casa Branca para, seguidamente, em meia dúzia de dias, fecharem o inquérito de forma abrupta e inconclusiva. Durante esses dias, nunca qualquer dos responsáveis políticos democratas teve a coragem de se demarcar do discurso hipócrita da moral conservadora com o qual o tema foi prosseguido: se os EUA estão minados pela droga (e como então disse, esse é o real problema), como seria possível manter a Casa Branca à margem dessa realidade?
Os estrategos da administração americana resolveram antes prosseguir a mesma estratégia através de um instrumento diverso, com a nomeação de uma Comissão Especial de Inquérito a Hunter Biden, nomeando como responsável do mesmo precisamente o funcionário que mais se notabilizou a encobrir os negócios de Hunter Biden nos últimos anos.
O problema não é o de saber se a comissão é ilegal (e o Professor Alan Dershowitz, assegura que é ilegal), ou mesmo o absurdo de inquirir sobre Hunter quando o Congresso provou que o negócio envolvia a família, e não apenas Hunter, ou mesmo investigar a frágil linha de defesa democrata do Presidente: dezenas de milhões de dólares foram pagos por múltiplas entidades estrangeiras à família Biden, com o intuito de influenciar a política dos EUA, mas Joe Biden, de nada sabia e os que fizeram pagamentos foram enganados.
Quem deveria ser investigado em primeiro lugar é quem mentiu e encobriu o escândalo durante anos a fio, a começar pelo Procurador Geral (que é no nosso sistema constitucional o Ministro da Justiça) que nomeou a comissão de inquérito, e foi de resto isso que afirmaram responsáveis da oposição política americana.
O empolamento da toxicomania do filho do Presidente serve para esconder o problema substancialmente mais grave que é o da transformação da actividade política em negócio de corrupção internacional. Mas mais grave ainda que isso é ver as instituições estatais supostamente independentes a cobrir de forma prolongada e sistemática essa situação.
As consequências deste estado de coisas são enormes para todos nós.
Três detonações abriram ontem uma cratera sob os pés de Bolsonaro e selaram seu destino como futuro presidiário: as acusações do hacker Walter Delgatti na CPMI do 8 de janeiro, a anunciada confissão Mauro Cid, que cumpriu ordens do ex-chefe para vender joias e lhe entregar o dinheiro, e a autorização do ministro Alexandre de Morais para a quebra dos sigilos bancário e fiscal dele e de Michelle.
Na derrocada, Bolsonaro arrasta para o fosso os militares que embarcaram com ele na aventura golpista contra a democracia, buscando desmoralizar o sistema eleitoral e solapar a vontade popular para mantê-lo poder. Tiveram motivações ideológicas, certamente mas quiseram também conservar as boquinhas e privilégios obtidas no governo dele.
Com a confissão de Cid, Bolsonaro pode tornar-se réu, e ser preso, primeiro no caso das joias. Que mais faltará? Com a quebra dos sigilos e a devassa dos celulares do advogado Wassef, uma profusão de provas surgirá.
Mas, para o futuro da democracia no Brasil, será imprescindível e imperativa a condenação de Bolsonaro por ter planejado um golpe de Estado valendo-se da mentira, da manipulação de consciências e finalmente da abolição violenta do Estado de Direito, pois isso é que foi tentado em 8 de janeiro e nos eventos de dezembro.
Este desfecho já não é tão iminente como o do caso das joias, apesar da gravidade das acusações que lhe foram feitas ontem por Delgatti. Algumas das coisas que ele disse na CPMI são verdades já demonstradas. Outras terão que ser provadas no âmbito do inquérito comandado por Alexandre de Morais.
É certo que Delgatti foi atraído para a colaboração com o bolsonarismo pela deputada Carla Zambelli, é certo que dela recebeu dinheiro e que esteve no Palácio da Alvorada com Bolsonaro, existindo registro fotográfico de sua saída. O próprio Bolsonaro, bem como seu filho Flávio, admitiram ontem que o hacker foi encaminhado ao Ministério da Defesa, segundo eles para assessorar a equipe militar que acompanhava o processo eleitoral, diga-se de passagem, procurando o tempo todo colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.
Outras acusações de Delgatti escoram-se apenas em sua palavra, embora tenham uma coerência gritante com os métodos e o processo mental de Bolsonaro e dos seus. São elas a de que Bolsonaro pediu-lhe para assumir a autoria de um grampo contra Alexandre de Morais, já realizado por colaborador estrangeiro. Talvez Bolsonaro tenha dito isso pensando na gravação que seria tentada pelo senador Marco do Val, talvez por fanfarronice, e talvez não tenha havido isso. Trabalho para a Polícia Federal, que ao ouvir o hacker novamente hoje, começará perguntando porque ele disse na CPI coisas que omitiu no depoimento da véspera.
Da mesma forma, falta ainda a prova de que Bolsonaro tenha lhe proposto a criação de um código fonte falso para uma urna de origem não esclarecida, nele inserindo um comando malicioso que faria um voto em um candidato ser computado para outro. Um de Bolsonaro sendo contado para Lula. Que urna seria essa? Delgatti falou na OAB, que ontem mesmo disse não possuir urna eletrônica alguma. Ele sugeriu que haveria um teatro no 7 de setembro, com uma demonstração pública da vulnerabilidade da urna. Mas como terminou isso? Desistiram do plano ou Delgatti não foi capaz de entregar a encomenda? São perguntas que os membros da CPI não fizeram.
A CPI não decidirá a condenação ou a prisão de Bolsonaro, ainda que possa recomendar isso. Mas, agora, ela entrou numa nova dinâmica, devendo atuar como força propulsora do inquérito judicial.
Agora ela fará novas convocações, começando por militares como o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, como o general Heber Portela, que representava as Forças Armadas na comissão fiscalizadora externa do TSE. A ele cabia levar ao TSE os questionamentos dos militaraes, que segundo o próprio Bolsonaro, receberam “assessoria” de Delgatti, ontem chamado o tempo todo de criminoso pelos bolsonaristas (e por Moro, é claro). Mas não sabiam quem ele era quando buscaram a ajuda dele?
Aliás, o que anda pensando disso tudo o ministro da Defesa, José Múcio, que ontem se fechou em copas? Haverá agora um desfile de patentes na CPI. Não passaremos o golpe a limpo sem a exposição deles.
O artigo de opinião de Bruno Soares Gonçalves (Presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico), recentemente publicado no EXPRESSO e intitulado E, no fim, os alemães ganham sempre, deve ser visto como um alerta sobre a questão das energias renováveis e uma contribuição para o debate em torno do uso da energia nuclear.
Um alerta, por chamar a atenção para os riscos de dependência que resultarão da produção de soluções energéticas de baixo valor acrescentado que outros aproveitarão para a produção de bens de maior valor acrescentado, no que o autor designa como uma espécie de “colonialismo da cadeia de abastecimento”, e para a relativa ineficiência das energias alternativas, como a eólica e a solar, tantas vezes apresentadas como a solução perfeita; uma contribuição para o debate, por trazer a questão do nuclear e por denunciar a estranheza da estratégia da sua absoluta recusa adoptada pela Alemanha.
Já em Março deste ano o mesmo Bruno Soares Gonçalves tinha publicado o artigo O nuclear e a (des)União Europeia, desta vez no PUBLICO, onde abordou as diferenças entre a opção alemã e a francesa (menos dogmática na questão do nuclear), lembrando que os únicos países da UE em condições de cumprir o limite fixado pela Comissão Europeia para o dióxido de carbono na produção de hidrogénio (64 gramas de dióxido de carbono por kWh de electricidade produzida) são a França e a Suécia, aqueles onde grande parte da sua eletricidade é gerada a partir da energia nuclear e que se a aprovação do rótulo “verde” para o gás natural e a energia nuclear fez regressar a polémica, também poderá contribuir para recentrar o debate e recuperar uma opção nuclear que apresenta novos desenvolvimentos trazidos pelo recente sucesso da tecnologia da fusão nuclear.
Ouviram-se de imediato os habituais fundamentalismos contra o nuclear, com a evocação das catástrofes de Chernobyl (1986) e Fukushima (2011), e os perigos do uso daquela tecnologia, mas nunca ao facto daqueles acidentes se terem ficado a dever fundamentalmente a deficiências na manutenção e nos respectivos mecanismos de controle, nem a referência à possível e vantajosa substituição do tradicional processo de fissão pelo da fusão (mais seguro e gerador de menos resíduos); pior ainda, apresentam a par com a dúbia crítica de o hidrogénio produzido com base em energia nuclear se revelar uma solução cara, enquanto o mesmo é apresentado como um potencial criador de grande distorção do mercado de eletricidade e por isso prejudicial à transição energética verde.
Mas para esta transição verde é preciso ultrapassar o facto de a eletricidade não conseguir oferecer o poder térmico e a densidade energética indispensáveis na indústria pesada e nos transportes. A ideia actual para superar este obstáculo, é utilizar eletricidade renovável para fabricar hidrogénio e consumir directamente o hidrogénio assim purificado, ou fabricar a partir dele os novos combustíveis sintéticos que hão de servir os transportes (aviões e barcos) e indústrias pesadas, como a cimenteira e a siderúrgica.
Outra hipótese, que até pode ser explorada em paralelo, é a indústria do petróleo e do gás começar a “lavar” os seus combustíveis, retirando-lhos os poluentes e o CO2. Embora pouco recomendável do ponto de vista financeiro e energético, esta solução manterá a cadeia de valor do sector petrolífero e é tecnicamente exequível se para tal houver vontade e… dinheiros públicos que eliminem os riscos e mantenham os lucros.
Estas são as alternativas que se apresentam para a descarbonização total, mas constituem hipóteses de investimento muito caras porque, não só terão de modificar os processos tecnológicos, os equipamentos e as infraestruturas, como (cúmulo do anacronismo) gastar mais energia para a comercialização da nova energia.
Mas seja pela via do hidrogénio verde ou pela dos combustíveis “lavados”, ou pelas duas soluções em conjunto, os biliões necessários para estes investimentos serão uma despesa que todos iremos ser obrigados a suportar. Em nome do Planeta, para uns, ou em benefício dos lucros privados, para outros, mas seguramente com maiores custos acrescidos porque, como também escreveu Bruno Soares Gonçalves numa outra ocasião, não falamos do nuclear… mas devíamos!
No momento em que o Hip-Hop celebra 50 anos, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), aprova um feito inédito ao oferecer o “Título de Doutor Honoris Causa ao Sr. Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown”, conforme descrito no documento da instituição.
O parecer favorável traz uma contundente peça de defesa: “Trata-se de um indivíduo singular,” a aprovação ocorreu nesta quarta (16), durante o Conselho Universitário (CONSUNI) e enumera o papel fundamental de Mano Brown e seu posicionamento: “rapper, integrante e fundador do grupo Racionais MC’s, seu trabalho é voltado a um público jovem, ainda em idade de formação escolar uma parcela da população que, ao menos em tese, deveria possuir uma agenda diária que reservasse boa parte de seu tempo para frequentar uma escola,” pontua.
O processo 23746.007544/2023-89 (responsável documentar para o pedido de titulação) é minucioso ao detalhar os quase 300 mil habitantes do Capão Redondo, na Zona sul de São Paulo, onde o Estado disponibiliza 29 escolas públicas e a rede municipal, 51 unidades educacionais. O documento admite que por falta de um censo atualizado, não é possível enumerar a quantidade de jovens fora da escola. “Entretanto, pode-se afirmar que Mano Brown representa e dialoga com essa parcela da população,” um parecer assertivo.
A ação sustentada por um memorial que, já em seu título, justifica a proposta partir de uma universidade do estado da Bahia: “Mano Brown: ‘Fi de Baiano’ (…)”, faz menção a letra de rap com “poesia à altura de Castro Alves”, de suas raízes familiares que remontam ao Nordeste brasileiro, fruto do êxodo populacional, “De pai desconhecido, supostamente de origem italiana, sua mãe Dona Ana Soares, já falecida, é natural de Riachão do Jacuípe, 186 Km da capital dos baianos,” descreve o memorial.
O professor Richard Santos, Pró-reitor na universidade, comenta o ineditismo da proposta: “Esse reconhecimento é totalmente merecido por Mano Brown, ao mesmo tempo, não é exclusivo, é algo que diz respeito à importância do Hip-Hop, ao seu legado e as possibilidades que antes não tínhamos nem em nossos sonhos.”
Em seu podcast Mano a Mano ao receber como convidado Gilberto Gil, Brown, contou ter recém descoberto que seu avô materno é oriundo de quilombo da região do Rio Roncador, na Chapada Diamantina, “segundo dados de registros da igreja local, teria o nome de Teodoro Roncador, homem preto versado no trabalho com borracha e couro”. Enquanto o parecer observa um outro aspecto, igualmente peculiar:
“Quando a Universidade se propõe a conceder o título de Doutor Honoris Causa ao cidadão que provoca o questionamento da identidade através da apropriação da pedagogia da mídia, ela trata de abordar uma política na educação que é parte desta história humana.”
Histórias como as narradas em música por Mano Brown, histórias vividas até mesmo pelo corpo docente que aprovaram a condecoração, – Richard Santos, Doutor em Ciências Sociais, tendo ele próprio uma trajetória com origem no Hip-Hop, onde é mais conhecido como Big Richard –, revela o novo momento da universidade pública: “Ainda mais com uma Reitora, como Joana Angélica Guimarães, a primeira mulher negra a comandar uma Universidade Federal no Brasil, oriunda da periferia e assim posso afirmar que a UFSB é uma universidade insurgente, rompendo as barragens de peneiramento, como diria o Clóvis Moura”, destaca o rapper Doutor.
A aprovação aconteceu sob muita emoção, Mano Brown passa a ser reconhecido por “representar e dialogar com essa camada da população, que vê a escola com a desconfiança do soldado que chega ao campo de batalha pela primeira vez”, compara o documento.
Em outro trecho o parecer elaborado pelo Prof. Dr. Francisco Nascimento, Decano IHAC, enfrenta o seguinte questionamento: “por que preciso ir à escola?”, a dúvida recorrente à população em pobreza extrema, encontra diferentes respostas: “em busca de uma refeição”; “local seguro diante à violência”; “território neutro enquanto seus familiares trabalham”.
E é esse o epicentro de uma realidade rasgada onde ação pública por vezes fracassa, que Mano Brown dialoga e representa.
O documento, também lembra a função primária do local de estudos: “As crianças que são enviadas para a escola porque lá aprenderão a ler e a escrever, serão alfabetizadas, receberão uma educação a partir da qual se assegura um emprego no futuro ou quem sabe até, talvez, o ingresso em uma faculdade.”
Dessa forma, o título Honoris Causa, reconhecendo o notório saber de Mano Brown é mais que justo e necessário, se faz urgente.
Para este escritor do Hip-Hop: Mano Brown ser declarado Doutor Honoris Causa, é o mesmo que todos nós, membros dessa cultura, sermos igualmente homenageados. O Hip-Hop, finalmente é reconhecido pela contribuição única que oferece à educação e formação dos que vêm de baixo.
Texto em português do Brasil
por Toni C. com colaboração de Demetrios dos Santos Ferreira
Toni C. é escritor, roteirista do documentário AmarElo é Tudo Pra Ontem – Emicida, diretor do documentário É Tudo Nosso! O Hip-Hop Fazendo História. Autor dos livros: Sabotage – Um Bom Lugar, e do romance “O Hip-Hop Está Morto!”, organizador dos livros Hip-Hop a Lápis e Literatura do Oprimido, criador do coletivo LiteraRUA.
A intensa mobilização e resistência das professoras e professores paulistas da rede oficial de ensino obrigou o govenador Tarcísio de Freitas a recuar de sua pretensão de recusar o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC), para 2024.
É que na gestão do secretário da Educação do estado, Renato Feder, várias trapalhadas estão acontecendo e o secretário por interesses estranhos recusou o livro didático do MEC distribuído em todo o país há anos e quis colocar no lugar um powerpoint digital, sem consultar ninguém e sem que os estudantes disponham das ferramentas necessárias.
Ao passo que o PNLD apresenta os recursos didáticos, pedagógicos e literários adequados para cada faixa etária, com conteúdo comprovado. Além de que o livro impresso atinge todos os estudantes, sem excluir ninguém, enquanto o material digital chega para poucos, pois como se viu na pandemia, boa parte das crianças e jovens não tema cesso à internet de qualidade e nem computador em casa.
O PNLD existe desde 1937 e recebeu essa denominação em 1985 com o fim da ditadura fascista implantada em 1964.
As professoras e professores estiveram em Brasília no dia 9 em protesto contra essa decisão arbitrária e desastrada de Feder, como foi toda a sua gestão na Secretaria da Educação do Paraná, além da acusação de ilícitos através de sua empresa Multilaser, que aliás tem vários contratos com o governo de São Paulo.
E no dia 16, um grande ato ocorreu em São Paulo, na Praça da República, em frente à sede da Secretaria da Educação. Contra esse absurdo e o absurdo maior ainda de obrigar diretores e gestores escolares a vigiar as aulas das professoras e professores, tratando os docentes como inimigos, mostrando todo o seu fascismo.
Além das intensas movimentações do corpo docente do estado, contra todos esses absurdos, e as acusações de ilícitos sendo apuradas pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o empresário Feder não tem a mínima condição de seguir à frente dessa importante secretaria.
Os problemas se acumulam e a resposta do estado tem sido das piores, porque visa apenas a privatização e a mercantilização da educação pública, tanto que a 4ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu liminar barrando a proposta do governo estadual de recusar o PNLD como inconstitucional e de grande prejuízo aos estudantes.
Outro problema gravíssimo, em apuração trata-se da invasão de celulares de profissionais da educação e de estudantes, maioria com menos de 18 anos, com a instalação de um aplicativo sem a autorização dos usuários, esse ato criminoso conseguiu unir amplos setores da sociedade sobre a necessidade de mudanças de rumo na Secretaria da Educação do estado. Renato Feder não tem mais como continuar porque não se mostrou à altura do cargo e das necessidades da educação paulista.
Dhaka é hoje uma das maiores megalópoles do mundo (mais de 23.000.000 habitantes estimados em 2023) , e entre estas, é a mais densa, com mais de 30.000 habitantes por quilómetro quadrado, à imagem de resto do país que tem cento e setenta milhões de habitantes numa área comparável à da Grécia.
Quando aterrei pela primeira vez na cidade, há onze anos, era já a mais congestionada que já alguma vez conheci, e continua a sê-lo, apesar dos impressionantes investimentos feitos em múltiplos e enormes viadutos e em linhas de metro (o metro não existia então e os viadutos eram uma raridade) e do facto de a composição do tráfego ser hoje muito diferente, com o quase total desaparecimento dos veículos de tracção animal ou mesmo humana e a diminuição do número de riquexós, com a multiplicação dos veículos motores, muitos de grande cilindrada.
O Bangladesh desenvolveu-se nos últimos quinze anos a um ritmo vertiginoso, e conseguiu passar de caso perdido e de país condenado à miséria – profecia de um dos maiores inimigos da criação do país, Henri Kissinger – ao lugar cimeiro do subcontinente indiano na maioria dos indicadores humanos e socioeconómicos (só o pequeno arquipélago das Maldivas, com escassas centenas de milhares de habitantes e que não serve de termo de comparação o ultrapassa).
Biva Mosharraf. Autora do relatório sobre violência pré-eleitoral em discussão na conferência. À direita da Biva está o jornalista Saleem Samad, seguido do advogado Abrahan Lincoln
Posto isto, os problemas existem e são importantes, sendo que os verdadeiros amigos do país – e depois de muito trabalhar com o Bangladesh, tenho um enorme carinho e estima por este e incluo-me no seu número – não devem ser condescendentes com eles.
Mas tão pouco devem deixar de entender que os países cujo modelo político nesse mesmo subcontinente foi mais influenciada pela lógica de Henri Kissinger, feita de aliança ocidental ao integrismo islâmico: o Paquistão e o Afeganistão, são hoje indisfarçáveis desastres políticos e socioeconómicos.
Há cinquenta anos, havia pelo menos um argumento para que os EUA e o Ocidente apoiassem os regimes militares em aliança com a ideologia islamista: conter a União Soviética; hoje, nem sequer esse argumento existe, sendo a política ocidental desprovida de qualquer racionalidade.
A aplicação ao Bangladesh do modelo político paquistanês, abertamente reivindicada pela oposição política do Bangladesh, formada pelo partido descendente da ditadura militar com o fanatismo islâmico e implicitamente defendida pela aliança ocidental, é a receita incontornável para desviar o Bangladesh do caminho da abertura e desenvolvimento para o transformar num novo Paquistão ou mesmo Afeganistão.
Paulo Casaca no uso da palavra, na conferência realizada em Dhaka no dia 10 de agosto de 2023 intitulada ‘Democracia e direitos humanos no Bangladesh, a violência pré-eleitoral em perspectiva’, promovida pela ELCOP, ‘Empowerment through Law of the Common People’.
Só a intoxicação da opinião pública ocidental pela máquina de propaganda que veio parcialmente à luz com o ‘Qatargate’ aliada à lógica de transformar a estratégia política internacional numa forma de enriquecimento rápido, exposta no Bidengate, permite entender como o Ocidente apoia esta lógica suicida.
Como o compreendi há vinte anos no Iraque, já então era possível pôr a realidade de pernas para o ar através de poderosas estratégias de desinformação. Pela minha parte, tentarei contribuir para que o desastre iraquiano não se repita no Bangladesh.
A recente publicação dos resultados de um estudo promovido pela consultora Delloite (Gen Z and Millennial Survey 2023) que revela a crescente preocupação destas duas gerações (a geração Z é a dos nascidos entre 1995 e 2004 e a dos Millennials a dos nascidos entre 1982 e 1994) com o aumento geral do custo de vida é apenas outra vertente do mais vasto problema global da desigual distribuição da riqueza produzida.
Vivendo numa era onde 1% da população possui quase dois terços da riqueza dos restantes 99%, nem o mais empedernido defensor do neoliberalismo conseguirá negar a evidência do aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, nem a desumanidade que isso mesmo representa.
A habitual alegação de que este modelo de distribuição não impediu a redução da pobreza no Mundo, porque entre 1990 e 2015 se terá reduzido o número de pobres de quase 2 mil milhões para pouco mais de 700 milhões, carece de melhor observação, nomeadamente sobre o valor fixado como referência, de que são exemplo os 1,90 dólares diários como indicador de pobreza extrema, que ainda continuarão em uso na actual conjuntura de elevada e generalizada inflação e especialmente depois de dados da Oxfam International terem denunciado que a Covid-19 acentuou a pobreza, mas graças ao efeito perverso do modelo de distribuição registou-se em simultâneo um aumento da riqueza e da pobreza extremas, como o confirmou um relatório do Banco Mundial onde se revela que em 2020 a convergência global do rendimento sucumbiu à divergência, com os mais pobres a pagarem o preço mais alto da pandemia quando as perdas de rendimento atingiram uma média de 4% para os 40% mais pobres, o dobro das perdas dos 20% mais ricos em termos de distribuição de rendimento, levando assim a desigualdade global a aumentar pela primeira vez em décadas.
Observando apenas uma das regiões mais favorecidas, no caso concreto da Europa, a Covid-19 teve um impacto inegavelmente negativo nas condições de vida e rendimento da sua população, com o ano de 2020 a registar um aumento do risco de pobreza médio de 2,2%; dados do Eurostat confirmam que em 2021 21,7% da população da UE (95,4 milhões de pessoas) estava em risco de pobreza ou exclusão social, ou seja, pessoas em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa e que essa situação confirmava um ligeiro agravamento face a 2020, ano em que aquela situação atingia 94,8 milhões de pessoas, ou seja 21,6% da população.
Entre os estados-membros, as maiores taxas de risco de pobreza ou exclusão social foram registadas, na Roménia (34%), Bulgária (32%), Grécia e Espanha (26% cada), as menores na República Checa (12%), Eslovénia (13%) e Polónia (16%) com Portugal ocupar o 8º lugar naquela tabela, com 22,4%, acima dos 21,7% da média da UE. Relativamente ao ano anterior a descida da taxa foi de 2,4% e o maior aumento verificado neste grupo de países, subindo quatro lugares na hierarquia.
Este é o pouco animador cenário nacional – mesmo considerando que a situação melhorou em 2022, com o país a situar-se agora abaixo da média da UE (21,6%, menos uma décima que no ano anterior) ao registar uma taxa de 20,1% e a regressar ao 12º lugar de 2020 – onde, tal como no geral, continua por definir e aplicar uma estratégia adequada à efectiva minimização de um problema global e regularmente agravado por um modelo de criação e distribuição da riqueza absolutamente enviesado, que há décadas arrasta milhões de pessoas no limiar da pobreza.
Encontrava-me há algumas semanas a olhar para o Porto a partir do Jardim do Morro, em Gaia, experiência única que devo a uma amiga que me convidou a conhecer Gaia e a ver a cidade do Porto a partir da Serra do Pilar, quando, tendo-me apontado o Paço Episcopal, me vieram à memória os diversos livros que o escritor Arnaldo Gama (1828-1869) publicou no Século XIX sobre momentos específicos da história do Porto e das províncias do Norte e designadamente dois textos que envolviam bispos da cidade.
Retive “escritor”, mas este licenciado em Direito por Coimbra também aparece por vezes descrito como “advogado” e como “jornalista”. Era aliás comum, nos países europeus que algumas obras fossem inicialmente publicadas em revistas antes de virem a ser editadas como livros(i). O “colaborador literário” convertia-se não raro em redactor. Arnaldo Gama, filho de um advogado, não terá tido aliás muito tempo para se dedicar à advocacia no escritório do pai. Como jornalista foi redactor de vários jornais e fundou em 1867 o Jornal do Norte, de que foi proprietário(ii). Enquanto autor de romances históricos documentou-se sobre as épocas onde situava as suas tramas e inseria bem elaboradas Notas no final dos romances.
O Sargento-Mor de Vilar (episódios da invasão dos franceses em 1809), publicado em 1864, incide sobre acontecimentos do que ficou catalogado nos nossos livros escolares como segunda invasão francesa.
Na realidade a primeira invasão ficou posta em causa com o levantamento dos espanhóis que tinham ajudado na ocupação contra Napoleão, que tinha mandado prender o rei Carlos IV e o seu filho e sucessor Fernando VII e instalado no trono de Espanha o seu irmão José. No Porto o comandante espanhol mandou prender o governador militar francês general Quesnel e o poder passou a ser exercido por um organismo liderado por Dom António José de Castro, bispo do Porto e um dos governadores do Reino instituídos por Dom João VI aquando da sua retirada para o Brasil. Restabelecido após a vergonhosa Convenção de Sintra e a retirada das tropas de Junot uma aparência de governo nacional português com o apoio de tropas britânicas. No entanto as tropas francesas vão esmagando, província a província os insurgentes espanhóis e os ingleses seus apoiantes, na batalha da Corunha morre o general inglês Sir John Moore. Soult não tenta forçar a passagem do Rio Minho mas entra por Chaves.
Quem se lhe opõe? A organização militar que vigorou entre a Restauração e o liberalismo compreendia a) tropas de linha, que na altura estavam a ser reorganizadas – dado que Napoleão incorporara muitos dos seus efectivos na Legião Portuguesa e a encaminhou para França b) milícias c) ordenanças. As ordenanças das povoações rurais foram mobilizadas para combater os franceses, ou melhor “os hereges”. Nos coutos minhotos de Vilar e de Manhente o capitão – mor das respectivas ordenanças era o Reitor do convento de Vilar de Frades e o sargento – mor um proprietário rural que na sua juventude fugira ao ensino dos frades, fora combater para o exército e participara na campanha do Rossilhão(iii), chegando por via da tarimba a capitão. Esta gente, bem como as ordenanças de outros coutos, porta-se mal e Soult força os postos de Ruivães e Salamonde praticamente sem combate, em parte com medo dos cães que os franceses traziam consigo e que podiam “comer a gente”. Bernardim Freire de Andrade quer retirar para o Porto mas acaba, ele e outros oficiais, por ser assassinado por amotinados que o qualificam de jacobino e herege.
As tropas portuguesas batem-se bem no Carvalho do Este mas são derrotadas e Soult acaba, através de Santo Tirso, por marchar sobre o Porto, que consegue tomar e onde a fuga da população dá origem ao conhecido desastre da ponte das barcas. Dispersos, os efectivos portugueses que haviam estado envolvidos nos combates do Minho acabam por participar em retaliações contra alguns proprietários, designadamente fidalgos, tidos como jacobinos. Noutro livro(iv) Arnaldo Gama descreve logo no início uma emboscada a uma coluna francesa que tinha ido às Caldas de Vizela e é atacada no regresso. A operação, como será típico nas guerras de guerrilha na península ibérica na altura é comandada por um fidalgo, mas depois de derrotada a coluna e capturados alguns dos seus integrantes a liderança muda e os franceses capturados são atados a árvores e transformados em archotes vivos.
Os acontecimentos do Porto, em cuja defesa superintende o bispo, são narrados de vários ângulos, detalhando a disposição das baterias mas também a inépcia de muitos dos defensores, que por vezes fazem grandes descargas de fuzilaria contra forças inimigas que estão fora do alcance, e episódios de indisciplina que levam ao assassínio de oficiais portugueses que se encontravam detidos por suspeitas de jacobinismo.
Arnaldo Gama utiliza, entre outros, documentos que obteve particularmente, designadamente de amigos, e deve dizer-se que a História que reconstitui nas suas páginas tem mais peso que um ou outro episódio romanesco que surgem na obra. Note-se que os anos em que escreve são já de alguma acalmia em relação às lutas internas do liberalismo e em que os períodos de intensa oposição às ideias novas trazidas por este parecem estar ultrapassados.
A última dona de S. Nicolau (episódio da história do Porto no Século XV), publicado em 1864,passa-se no tempo de Dom Afonso V, mais precisamente em 1474, sendo bispo D. João de Azevedo. Do Porto diz Arnaldo Gama que era na altura “a primeira terra comercial portuguesa e uma das mais comerciais da Europa dessa época” e uma “cidade heroicamente ciosa, ciosa como nenhuma outra, dos seus fóros privilégios e liberdades”. Deixando de lado os aspectos romanescos, neste livro mais desenvolvidos, retive da sua leitura a) a organização autónoma da Judiaria, embora a comunidade judaica estivesse sujeita a restrições b) o funcionamento da bolsa do comércio do Porto, que funcionava como seguradora em certas situações e que teve de recusar a um mercador o indemnizá-lo pela perda dos seus navios Cadramoz e Fortepino, tomados no golfo de Biscaia por piratas andaluzes, recusa essa com base em a direcção da Bolsa ter desaconselhado a viagem c) o lançamento fora da cidade de Rui Pereira, senhor da Terra de Santa Maria, que ultrapassara os três dias de permanência no Porto consentidos pelos foros, privilégios e liberdades aos fidalgos alheios à cidade.
A verdadeira batalha que foi necessário ao povo mobilizado pela câmara para conseguir este resultado é descrita por Arnaldo Gama em numerosas páginas quase diria de sabor jornalístico em que um dos aspectos mais curiosos é a descrição da tentativa do bispo, que era amigo de Rui Pereira e se deslocara à casa em que este se alojava acompanhado por dois capelães, abandonando o lugar quando percebeu que o seu amigo ia resistir, sem mais curar das mulas em que tinham vindo. Com algum humor, o escritor dá conta:
Elas, as tristes, como estavam mais dianteiras e mais à mão, foram as primeiras vítimas daquele traiçoeiro atentado. Baquearam logo ao primeiro ímpeto da pancadaria. Era uma dor de coração ver como ficaram aqueles três bispais animaizinhos tão anafados de pêlo tão luzidio, assim repassados de virotes e machucados por aquela tormenta de pedregulho, como que o mui nobre senhor Rui Pereira tão lealmente correspondia à confiança com que os honrados burgueses do Porto haviam acolhido as promessas que pelo bispo lhe mandara fazer.
O Filho do Baldaia apesar de por lá aparecerem personagens de A Última Dona de S. Nicolau não é uma continuação deste último e não o tratarei desenvolvidamente aqui. Passa-se em França no tempo de Luís XI e Arnaldo Gama documenta-se suficientemente bem para produzir uma obra que suporta a comparação com Quentin Durward e Anne of Geierstein de Walter Scott(v).
Em rigor poderia ter começado estas notas com uma referência a Um Motim Há Cem Anos, publicado em 1861 que trata de um “levante” de comerciantes de vinhos do Porto que teve lugar em 1757 contra a instituição de uma Companhia Geral da Agricultura de Vinhos do Alto Douro apue seu filho tempo foi enviada uma alçada ao Porto que incriminou muitos dos participantes e propôs e fez executar numerosas condenações à morte. Arnaldo Gama que cria toda uma série de intrigas romanescas em torno dos personagens apresenta-nos os comprometidos no “levante” e de explica como vão sendo entregues aos executores. O romance deixa aliás entender que o Ministro terá sido iludido intencionalmente sobre a amplitude e a gravidade do movimento. O romance é precedido de uma Introdução cobrindo um diálogo sobre muitos aspectos da História da cidade do Porto entre o seu autor e um seu amigo, o “antiquário” Gonçalo Antunes que terá procurado contribuir para estabelecer a verdade histórica pela qual Arnaldo Gama se diz ter guiado.
Vale a pena referir ainda um livro que, sem ser um romance histórico, tem uma fortíssima componente de crítica social. Francisco Ribeiro um negociante do Porto é, por culpa alheia, atingido pela falência e consequente desprezo das suas relações que antes o adulavam, sendo que a sua saúde não sobrevive à crise. O seu filho Paulo dá-se dez anos para criar uma grande fortuna que lhe permita reembolsar os credores e esmaga-los por sua vez com o seu desprezo. Entre as actividades que lhe permitem enriquecer nesse prazo estão a de pirata e a de negreiro(vi). Voltando fabulosamente rico conclui que o que interessa à sociedade do Porto é a riqueza e não a moralidade da sua aquisição. Manda construir em Inglaterra um navio a que dá o nome de El-Rei Dinheiro. O texto parece ter sido concluído em vida do autor mas só foi publicado em 1876, isto é sete anos após a sua morte.
Arnaldo Gama que seu filho Augusto Gama diz ter sido muito apreciado na altura entre portugueses e brasileiros é hoje pouco conhecido:
morreu jovem (41 anos) enquanto o seu amigo Camilo Castelo Branco, teve 40 anos de actividade literária;
era um romântico, quando o romantismo começou a ser sucedido pelo realismo;
não era reeditado pelas editoras, que lhe preferiam novas eleições de Alexandre Dumas, o que fez subir o preço dos exemplares sobrantes dos seus livros;
foi poucas vezes reeditado – três edições de O Sargento Mor de Vilar, duas de A Última Dona de S. Nicolau, uma de O Segredo do Abade, duas ou três de O Balio de Leça(vii) – até à edição popular das suas obras ainda dinamizada por seu filho nos anos 1930;
apesar de algumas reedições nos anos 1960, terá sido feito o esforço de editar “obras completas” apenas em 1973, com a Lello & Irmão.
a seguir ao 25 de Abril registam-se algumas novas edições de livros de Arnaldo Gama, sendo as mais recentes de O Sargento-Mor de Vilar; seria interessante saber quantos exemplares se venderam de Paulo o Montanhês de que a INCM tirou 10 000 em 1981.
Arnaldo Gama
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Arnaldo Gama(viii) merecia ser mais valorizado, designadamente no Norte cujas memórias tentou preservar.
Notas
(i)Paulo, o Montanhês, um dos primeiros trabalhos de Arnaldo Gama, foi inicialmente publicado em 1953 na Revista Península. Apesar de ter sido publicado mais tarde com alterações, inclusive de título, foi esta versão que veio a ser recuperada em 1981 pela Imprensa Nacional Casa da Moeda com um estudo de Maria Leonor Machado de Sousa.
(ii) Segundo “Esboço biográfico” escrito por seu filho Augusto Gama para uma reedição de O Balio de Leça, romance histórico publicado postumamente por empenha da família e localizado na idade Média.
(iii) Em que Portugal participou sem vantagem nenhuma, fazendo a Espanha uma paz separada.
(v) Publicados na Romano Torres respectivamente como O Cavaleiro da Escócia e A Donzela do Nevoeiro..
(vi) Para além de referências ocasionais a outras actividades exercidas, como a de contrabandista em Sonora. Hoje talvez se incluísse o tráfico de droga nas actividades imorais que propiciam um rápido enriquecimento.
(vii) Sigo nesta parte o “Esboço Biográfico” de Augusto Gama. A Biblioteca Nacional mostra no mesmo período outras reedições.
A decapitação política através da invocação de motivos judiciais tornou-se endémica nos últimos anos. Todos nos lembramos dos processos a Lula que, assim que o vento virou, se converteram em processos contra Bolsonaro, como também nos lembraremos seguramente de Sócrates, que passou fulminantemente de bestial a besta.
No que será talvez o caso mais agudo desta tendência, tivemos o Paquistão, com o deposto Primeiro-Ministro Imran Khan (segundo ele, deposto pelos militares paquistaneses a pedido dos EUA) a ser alvo de 150 processos, incluindo por acusação de assassínio, mas tivemos também os processos contra os anteriores presidente e primeiro-ministro franceses (Sarkozy e Fillon) e temos agora o mais mediático Trump, contra quem surgem processos quase diariamente.
O problema principal não é tanto o de saber se são inocentes ou culpados, sendo que provavelmente serão inocentes de algumas coisas e culpados de outras, mas o de saber se se é culpado ou inocente perante a justiça mais em função das circunstâncias políticas do que por regras e procedimentos independentes, imparciais e equilibrados.
De forma ainda mais clara, o que é preocupante aqui é saber se, tal como acontece por regra em todos os regimes ditatoriais, o julgamento político é sempre indissociável do julgamento judicial, exemplificado pelo estalinismo em que todos os que politicamente caíam em desgraça eram necessariamente sentenciados judicialmente.
No caso do actual Presidente dos EUA a questão assume uma importância capital, mais do que pela importância política, económica ou militar do país, pelo facto de ter sido ele que trouxe até nós como pilar da sua construção política a independência do poder judicial.
Na presente saga do Bidengate – silenciada entre nós, mas que pode ser consultada por exemplo, a partir dos editoriais do New York Post como este – o que há de mais preocupante é tratar-se de uma história antiga (tem pelo menos dez anos e é investigada pelas instâncias judiciais há mais de sete) em que, como revelam os funcionários que vieram a público denunciar o escândalo, foram dadas ordens precisas para não se tocar na figura do actual presidente.
Quando a evidência da corrupção chegou a público, a CIA não teve pudor em inventar uma conspiração russa para dar como falso o que era verdade, como expliquei aqui no Tornado.
É verdade que cabe à acusação demonstrar a culpa do réu, mas quando a acusação está declaradamente a favor do réu e se recusa a autorizar a sua investigação, é ela que tem de prestar contas.
A história, tal como contada pela defesa de Biden, é que o filho do actual Presidente ganhou milhões em contratos com várias entidades estrangeiras sem qualquer contrapartida visível, apenas porque este os terá convencido que esses milhões os iriam favorecer aos olhos do seu pai. Este, apesar de ter interagido com estes empresários inúmeras vezes – de forma apenas circunstancial – também não teria imaginado que o seu nome era a única razão pela qual os ditos empresários se dispunham a pagar milhões ao seu filho.
Temos assim um Presidente e empresários tão ingénuos que se mostraram disponíveis para facilitar a transferência de milhões sem qualquer contrapartida real.
Mas, contrastando com toda esta candura que é exigida à opinião pública para acreditar nesta narrativa, o sistema de justiça resolveu proibir os seus funcionários de levar a investigação até ao fim e de mentir descaradamente quando, em função de um computador fortuitamente esquecido, a verdade veio ao de cima.
Nunca na história recente dos EUA se assistiu a um escândalo tão óbvio encoberto tanto pelo poder judicial como mesmo pelo ‘quarto poder’, sendo que, honra lhe seja feita, tem sido apenas o poder de controlo parlamentar do Congresso que não deixou que a farsa se consumasse.
E o problema é que se procedimentos como os da família Biden forem considerados como honestos, é toda a construção institucional do mundo livre que é posta em causa.
Diz, a classe politica do megafone, ter o País a juventude mais bem formada no plano académico de sempre, para quem é urgente criar condições gerais de vida que lhes permitam fixar-se no Pais para “aliviar” o peso dos encargos sociais para o contribuinte em geral que, através dos impostos e do seu consequente empobrecimento, lhes criaram condições para essa formação com custos individuais irrisórios tendo em conta o custo global de cada formação.
Países há onde a formação dos jovens é feita com empréstimo bancário a pagar num determinado período de tempo após a formação.
Em Portugal não é assim, um pouco à semelhança do SNS que presta determinados serviços gratuitamente de forma generalizada, independentemente do rendimento bruto do agregado familiar, inclusive a cidadãos estrangeiros que cá se deslocam porque nos Países de origem não conseguiram esse serviço de forma gratuita.
A formação em geral socorre-se dos direitos Constitucionais que é coisa que o trabalho prestado a terceiro não consegue.
Greves há-as a rodos no serviço publico e, à míngua, no serviço privado.
No primeiro caso o despedimento não é permitido. No segundo caso há sempre uma forma para garantir que, “a porta da rua é a serventia da casa”.
Ora, a geração que o Orçamento Geral do Estado financia, paga uma propina irrisória e, como é obvio, o custo da estadia. Sendo que, se prestam a pagar esses custos, mesmo residindo até meia centena de quilómetros do estabelecimento de ensino. Publico ou privado, tão só porque andar de transporte publico não foi educação transitada ou incutida pela escola e por inércia familiar. Um custo social engendrado por responsáveis pela arquitetura da mobilidade urbana e interurbana.
Ou seja, estamos perante uma conjuntura mental dos jovens, laxista; preguiçosa; oportunista; que, quando formada, não tem qualquer pingo de consideração pelos seus clientes nos preços a cobrar pelos serviços prestados, esquecendo que foram esses seus clientes que lhes pagaram o curso seja ele qual for.
Basta ter em linha de conta que um conselho médico em consultório custa acima dos 50€; um advogado idem; um terapeuta cobra 30€ por 45 minutos sem deslocação; num rol de autentico descalabro que a maioria dos cidadãos não consegue pagar e que, por isso, sofre as consequências do não recurso aos serviços de que necessitava.
É evidente que esta geração oportunista tem direitos. Mas também é obvio de que deveria ter deveres. Desde logo com períodos de prestação de serviços a preços acessíveis aos obreiros do seu sucesso que, depois desse sucesso, passam a ser o garante do nível de vida que ajuízam ter.
Ora, uma sociedade civilizada vive de equilíbrios.
A estória da livre concorrência já não resolve coisa nenhuma e o liberalismo trata do enterro dessa mesma civilização.
Impõe-se por isso, aos políticos do megafone, que parem para pensar; arrumem o megafone; e descortinem soluções politicas para a civilização do futuro onde o oportunismo não terá lugar por escassez dos recursos naturais; o equilíbrio ambiental; a reversão na biodiversidade; mas também a circunstância igualitária na formação social que impedirá sobreposições e obrigará a equilíbrios e distribuição equitativa.
Uma tarefa dantesca para uma geração oportunista que terá de deixar de o ser sob pena de se enredar numa teia propicia à sua própria extinção.
Desde os tempos imemoriais da introdução da agricultura e da sedentarização, passando pela invenção da imprensa ou da máquina a vapor e pela mais recente Internet, todos os avanços tecnológicos tiveram consequências socioeconómicas marcantes que deram lugar a profundas alterações na sociedade, pelo que será de esperar que o desenvolvimento e a expansão da Inteligência Artificial (IA) não represente uma excepção àquela norma.
É desde já previsível que entre os mais afectados por esta “novidade” se contem os licenciados (e entre estes os mais jovens, cujas condições de trabalho já estão longe de serem óptimas), que serão as primeiras vítimas de uma automatização do trabalho que agravará os vários tipos de desigualdade (rendimento, género e habilidades) e que deverá acelerar a decadência das conquistas sociais no Ocidente.
O Employment Outlook 2023, um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) aponta que em Portugal o impacto da IA no mercado de trabalho poderá ser tão relevante a ponto de a automação poder afetar 30% dos empregos, valor acima dos 27% da média dos países da OCDE.
A par com este, o igualmente recente estudo “A Moralidade da Inteligência Artificial em Portugal”, da NOVA Information Management School (NOVA IMS) conclui que a maioria dos portugueses (o universo observado foram 466 consumidores portugueses de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 18 e os 67 anos, residentes em Portugal e com acesso à internet) não encara a inteligência artificial como sendo moral, segura, justa ou leal. A notícia conclui ainda que os entrevistados admitem duvidar da sua inocência, solidariedade ou empatia.
Apesar das muitas dúvidas e reticências, a profunda mudança nas relações de trabalho que se avizinha deverá condicionar os próprios governos, podendo até deixá-los sem outra escolha senão a de considerar esta nova realidade nas suas políticas económicas, numa conjuntura de inflação elevada e quando se registam fortes quebras nos salários reais (como confirma o estudo da própria OCDE, que mostra que apenas 4 dos 37 países observados não registaram quebras e mais de 30% situaram-se acima da média)…
…pelo que não será displicente admitir que alguns governos possam começar a olhar com maior atenção para a ideia da implementação de um rendimento universal (também designado como rendimento básico incondicional e que não é mais que uma prestação pública, suficiente para uma vida digna e não sujeita a outros condicionalismos, atribuída a cada cidadão), com outro cuidado e atenção. O número de apoiantes deste conceito está a crescer regularmente e começa já a incluir algumas figuras influentes, especialmente desde a crise da Covid e o comprovado aumento da desigualdade que ela provocou, além de que a ideia é particularmente popular entre a geração mais jovem, pelo que o mero tacticismo eleitoral a poderá transformar num projecto importante nos próximos anos. Tão importante que já estão em curso testes em Inglaterra, que se seguem a outros realizados em Espanha e na Alemanha, mesmo depois do relativo insucesso atribuído a um ensaio realizado na Finlândia, que consistiu no pagamento mensal a um grupo de desempregados e que foi julgado desanimador por não ter aumentado a procura de emprego.
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