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Segunda-feira, Abril 15, 2024

Unilateralismo e sanções

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

O mês de Setembro de 2018 e a 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas ficaram assinalados pela iniciativa de Donald Trump para justificar uma derrogação especial do princípio clássico do pensamento económico de comércio livre pelas sanções que a sua administração começo a aplicar a muitos competidores (ou opositores) dos Estados Unidos.

Não só a Rússia, acostumada agora a ser condenada ao ostracismo pela maioria dos países da OTAN pelo seu envolvimento na guerra de Donbass e na anexação da Crimeia, pelo supostamente manipulado referendo, ou em retaliação pelo caso Skripal, mas o Irão, a Venezuela, a China e a Turquia, têm vindo a enfrentar dificuldades comerciais, de graus variáveis, decorrentes de sanções políticas decididas pela actual administração dos EUA.

E não serão essas sanções uma forma disfarçada de proteccionismo? Por mais legítimas que politicamente possam parecer (o que se afigura pouco provável face ao direito internacional), elas justificar-se-ão apenas pelas dificuldades actuais e previsíveis da economia dos EUA em resultado da ascensão dos países emergentes?

O retrocesso da globalização

Há mais de um século que o Reino Unido e depois os Estados Unidos (com a EU numa posição subalterna) lideraram o processo de apropriação dos lucros do comércio internacional, colocando seus bens e serviços excedentes em mercados estrangeiros sem muita consideração pela adequação do valor da sua moeda ao estado da respectiva economia real e tudo fazendo para continuar a manter a situação de vantagem em áreas que se tornaram quase monopólios naturais – aquelas situações em que a concorrência é impossível ou ineficiente, como a aviação civil (dominada pela Boeing e pela Airbus), a telemática ou o equipamento militar –, sem considerar sequer as flutuações do dólar, a principal moeda de pagamentos internacionais.

Contudo, os recentes desenvolvimentos tecnológicos e o gradual domínio dessas tecnologias pelos países emergentes deixam já antever as dificuldades que se avizinham para os países do velho modelo de industrialização cujas moedas não parecem capazes de seguir o declínio imposto pela concorrência dos países emergentes nos mercados internacionais de bens e serviços (incluindo equipamento militar). Pior ainda quando os países emergentes, liderados pela China, começaram a deter grandes quantidades de títulos do Tesouro americano ou de títulos em dólares de muitas empresas de vários países que ambicionam assumir o controle, ou quando a economia americana também é ameaçada por uma inflação do volume de dólares em circulação. Esta situação não se terá degradado ainda mais porque tanto o poder da economia dos EUA, originado em sectores com uma situação de quase monopólio natural como a opção (tantas vezes imposta) de muitos países adquirirem o equipamento militar que fabricam, como o seu domínio sobre os reguladores financeiros e comerciais multilaterais (FMI, Banco Mundial) jogam a seu favor

A questão cada vez mais premente é a de saber até quando é que o dólar continuará a servir de protecção contra o declínio do poder americano e a resposta não é apenas de natureza económica, pois desde sua ascensão ao papel de moeda internacional de pagamentos que o dólar tem, como é bem sabido, um poder político exorbitante, facto claramente demonstrado por medidas enquadradas nas sanções económicas que os EUA estão a tomar contra países como o Irão e a Rússia na forma de congelamento das reservas em dólares desses países ou de proibir que países terceiros negociem com eles nessa moeda.

Lembrando que a perda do papel cambial dos pagamentos internacionais da libra esterlina a par com a decisão política de manter a qualquer custo a sua paridade em ouro durante a fase de ascensão industrial dos EUA, da Alemanha e do Japão, iniciada nos finais do século XIX, pode ser facilmente identificada entre as consequências da Primeira Guerra Mundial e da Grande Depressão da década de 1930 e levou ao abandono do padrão ouro pela Grã-Bretanha em 1931.

Em resultado desses factos e tendo em vista o crescimento da quota de mercado internacional de bens e serviços e de capitais de países da Europa ocidental e do Japão na sequência dos programas de reconstrução implementados no pós-guerra, dos quais o Plano Marshall é apenas o mais conhecido, a administração norte-americana liderada por Richard Nixon ver-se-ia obrigada, em 1971, a suspender a conversão do dólar em ouro; apesar de cada vez mais ameaçados, os EUA continuaram a ter nos mercados dos países emergentes a oportunidade para escoar os seus produtos, até que a competição introduzida pelo euro nas áreas de influência dos principais países da Europa Ocidental (Alemanha, França, Itália), da libra esterlina na esfera de influência do Reino Unido e a própria entrada de países emergentes no mercado global (os próprios EUA estão transformados num enorme mercado para os bens e serviços chineses e indianos, para não falar dos outros países emergentes) começou a restringir drasticamente os mercados externos norte-americanos, cada vez mais limitados aos equipamentos militares, e o risco do dólar vir a perder parte do seu poder nas transacções internacionais ameaça toda a arquitectura do sistema financeiro.

Mas a desenfreada competição financeira não é a única responsável pelo actual estado das principais economias, pois a transferência industrial do centro para a periferia, iniciada pelas indústrias mais poluentes e onde os ganhos potenciados pela redução dos custos salariais eram maiores, e a desindustrialização que foi alastrando (basta recordar que em apenas uma geração a poderosa Cintura Industrial norte-americana se viu transformada na actual Cintura da Ferrugem) também teve um papel de relevo, hoje particularmente evidente no plano político com a emergência dos movimentos populistas e proteccionistas.


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