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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Verdade seja dita

Christiane Brito, em São Paulo
Christiane Brito, em São Paulo
Jornalista, escritora e eterna militante pelos direitos humanos; criou a “Biografia do Idoso” contra o ageísmo.  É adepta do Hip-Hop (Rap) como legítima e uma das mais belas expressões culturais da resistência dos povos.

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A realidade envolve-se no véu da hipocrisia em tempos de exceção à regra, caso do Brasil atual. Pode-se desvendá-la nos discursos ou fatos observáveis, mas é preciso boa vontade para buscar algo além da aparência.

 

Galileu Galilei (1564-1642) sacramentou que “a verdade é filha do tempo e não da autoridade”. Em séculos, no que se referia a Galileu, a afirmativa comprovou-se verdadeira, mas ninguém no Brasil pode esperar tanto tempo pela Justiça.

Oposicionistas do governo Dilma Rousseff estão acelerando tudo, no que parece um óbvio atropelamento das leis, para que saia o impeachment, já que a presidente não quer renunciar (“eu sugeri que fizesse”, diz polidamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso).

Fernando Henrique Cardoso deu uma entrevista dia 19 ao jornal O Estado de S. Paulo, na qual declara que o impeachment da presidente Dilma Roussef é “a única saída” da atual crise que o Brasil enfrenta.

Diz que o PMDB, mantida a ordem, assumirá o poder  – “a história faz o líder”, justificou, quando o repórter questionou a competência do vice, Michel Temer  –  ao lado do PSDB, que está pronto para colaborar conforme for solicitado, “não irá se impor”.

Sobre o fato de o deputado Eduardo Cunha ser réu e presidir à Comissão de impeachment, “não há problema” porque a legitimidade do ato virá do jurídico e das ruas (o povo se manifestou no dia 13 e quer PT fora do governo, alega, sem menção ao ato do dia 18, nem em termos comparativos, como se não existisse).

Por fim, lamenta que o seu “velho” camarada, o ex-presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva), tenha enterrado a biografia com as declarações recentes (reveladas nos grampos).

“Usaram palavras de baixo calão”, reage Cardoso como o gentleman que é. “E Lula não assume nada”, critica, para, a seguir, deixar de ser um gentleman e garantir que não sabe do que o acusam no caso Mírian Dutra (ex-amante com a qual tem um filho ilegítimo).

Satisfeito, conclui a entrevista afirmando que “as instituições atuais estão mais sólidas do que nos tempos do impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1992). E não há chance de retrocesso nas instituições”.

Tarso Genro, ex- Governador e ex-Ministro da Justiça, ao contrário, diz que as instituições estão cambaleantes: A crise atual é gravíssima, pois combina um momento de instabilidade grave na economia, funcionamento cambaleante das instituições, com a debilitação da autoridade dos partidos.”

sergio moroA contestação de renomados juristas às ações do Juiz Sérgio Moro à frente da Operação Lava-Jato comprovam a vulnerabilidade institucional que o país atravessa.

Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo,  afirma que não há interpretação da Constituição que permita a um juiz de primeiro grau tornar público material sem qualquer decisão do STF.

O advogado Cezar Roberto Bitencourt, professor de Direito Penal da PUC do Rio Grande do Sul, também afirma a ilegalidade da divulgação dos grampos. “No momento em que o telefone interceptado conecta-se com autoridade que tem foro privilegiado, o juiz não pode dar-lhe publicidade”, completou.

A OAB-RJ declarou que o procedimento do juiz Sérgio Moro (grampeando e divulgando as conversas da presidente) é um ato típico de Estados Policiais.

Para a seccional, “é fundamental que o Poder Judiciário, sobretudo no atual cenário de forte acirramento de ânimos, aja estritamente de acordo com a Constituição e não se deixe contaminar por paixões ideológicas. A serenidade deve prevalecer sobre a paixão política, de modo que as instituições sejam preservadas. A democracia foi reconquistada no país após muita luta, e não pode ser colocada em risco por ações voluntaristas de quem quer que seja. Os fins não justificam os meios”.

A OAB do Distrito Federal, por sua vez, considerou inaceitável o conteúdo dos diálogos entre Lula e Dilma e repudiou os ataques do ex-ministro da Casa Civil Jaques Wagner a Cláudio Lamachia. Segundo o presidente da seccional, Juliano Costa Couto, “as conversas mantidas pelo ex-presidente da República e atual ministro da Casa Civil, Luiz Inácio Lula da Silva, com diversas autoridades, inclusive com a presidenta Dilma Rousseff revelam tratativas nada republicanas, as quais não têm mais lugar na moderna sociedade brasileira”. Segundo nota divulgada pela seccional, Couto considera que a “democracia é colocada em xeque quando há a utilização do poder do Estado para a defesa de interesses privados”.

Mas a OAB Nacional tem outra visão dos atos de Moro. Divulgou publicamente o apoio ao impeachment de Dilma.

Para o jornalista Ayrton Centeno, a decisão do Conselho Federal da OAB é coerente com o passado. Ele recorda:

Em 1964, o Conselho Federal da OAB saudou a deposição de João Goulart e o fim abrupto do governo constitucionalmente eleito. Em êxtase, alegrou-se com o golpe. Quem afirma isto não é o reles escriba mas…a OAB. Abre aspas: “Dessa forma, a Ordem recebeu com satisfação a notícia do golpe, ratificando as declarações do presidente Povina Cavalcanti, que louvaram a derrocada das forças subversivas”. É o que está registrado, com todos os verbos e adjetivos, no próprio site do Conselho Federal.”.

 

Tarso Genro, em longo e esclarecedor artigo, aborda a questão de modo mais amplo, busca a compreensão da ótica dos que apoiam Moro, desvendando a gênese desse pensamento imediatista anticorrupção:

“Ao contrário do que pensam algumas cabeças bem intencionadas, este processo, como está sendo levado, ao contrário de combater a corrupção, muda apenas os reitores do processo corruptivo. Ao violar regras de direito básicas dos investigados, inclusive com a possibilidade de causar a anulação de sentenças futuras –“justas” ou “injustas”- ele propicia, desde logo, o reforço de uma coalizão dos mais espertos e oportunistas, que passam a defender soluções de força, em regimes nos quais as corrupções nunca são investigadas. Querem fazer crer a uma parte da sociedade, que, se “eliminássemos os políticos”, teríamos um paraíso de moralidade, quando, na verdade, nesta hipótese teríamos o monopólio do crime por um poder autoritário e, se hoje temos opacidade, amanhã teríamos a intransparência absoluta.”

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