Poema inédito de Beatriz Aquino
Acalentam-se em mim lembranças recentes.
Acalentam-se em mim lembranças recentes.
Gestos de um passado próximo.
Pessoas sorrindo sem medo.
Domingos sem mácula.
Memórias daqueles dias em que éramos todos crianças e brincávamos com os rostos à mostra.
Dias em que não conhecíamos a hesitação no toque.Hoje o outro é fera. Em seus pulmões, talvez uma arma letal.
De tanto lutarmos para sermos únicos nos tornamos sós.
Entrincheirados nos detritos que produzimos.
Reféns de um passado de abusos.
Soterrados na tão perseguida modernidade.Cá estamos. Enfileirados pela mesma tragédia.
Eis a resposta para a ambição dos homens.
E vencemos.
Do nosso torto modo.O mundo moderno que sonhamos se tornou um grande chão de fábrica de estropiados.
Para sobreviver, arrastaremos nossos temerosos dias por ruas de aço escovado decoradas por sprinklers de álcool gel.
É preciso desinfetar a raça humana.
Nossas mãos estão sujas de culpa.
Todas estão.Lamento as crianças de hoje.
Crianças que nos mesmos parques de nossos despreocupados ontens, brincam de rosto coberto entre bancos enfaixados.“Jaz um crime nessa praça.”
“Há um perigo nessa grama.”
É a lembrança que terão.
Um dia tememos que os robôs tomassem controle. Que suas inteligências artificiais nos tornassem obsoletos. Nos amedrontavam seus rostos meio humanos meio andróides. Seus olhos inteligentes, porém vazios de emoções.
Pensávamos que iriam nos escravizar e nos jogar em um porão escuro.
Mas não.
Eles não precisaram nos exterminar já que estão por toda parte.
Hoje mesmo, pela manhã, enquanto eu me paramentava para sair, com máscara, luvas e antibactericida de bolso vi um no espelho.
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