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João de Sousa

Quinta-feira, Março 28, 2024

Humor e pensamento de Cascudo

Uma pequena mostra do bom humor e do pensamento de Cascudo

O charuto é quase uma extensão do meu rosto. Este é um dos meus vícios, é vício confessável, exibido. Um bom charuto é um prazer cotidiano, mágica fumaça consoladora.


Faço questão de ser tratado por esse vocábulo que tanto amei: professor. Os jornais, na melhor ou na pior das intenções, me chamam folclorista. Folclorista é a puta que os pariu. Eu sou um professor. Até hoje minha casa é cheia de rapazes me perguntando, me consultando.


O vício da literatura grego-latina vacinou-me contra as ditaduras mentais contemporâneas.


As mulheres de Maria Boa (famoso prostíbulo de Natal) têm uma predileção pelo grego, em detrimento do latim. Usam a palavra “gala”, e não esperma. Gala é leite em grego.


O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas.


De 1920 a 1926, quantos tipos de rapazes e meninas ensinaram-me muito mais do que aprenderam comigo.


Quando eu viajar, mais cedo ou mais tarde, a Universidade vai acabar comprando dos meus herdeiros a minha biblioteca. Ninguém é tão burro para dispensar livros tão incríveis.


Eu chamo a minha biblioteca de A Babilônia.


Amizade é amor sem sexo.


Domingo, 21 de abril, 39o aniversário do meu casamento. Ao despertar, a noiva de 1929 desaparecera. Fora assistir à missa na capela do Hospital. De regresso, beijos, abraços, congratulações. Dália declara não estar arrependida e me confesso capaz de reincidência com a mesma vítima.


Eu não conheço Carlos Drummond pessoalmente, mas somos amigos íntimos. Ele ainda estava em Minas Gerais e já se correspondia comigo. O que acho é que Drummond é superior ao prêmio Nobel. Você vai entender essa minha independência de julgar. Quem concede o prêmio Nobel? Ninguém sabe o que é a Academia de Ciências de Estocolmo. Você não sabe o valor dos homens que a compõem. Não conhece nenhum livro, nenhuma frase, nada deles. Eu faço muita questão de conhecer a idoneidade do juiz para julgar a sentença.


 Eu o conheci em 1919, ele morreu em 21. Passando pela Faculdade de Medicina, ele foi nos visitar. Estava em campanha presidencial, competindo com Epitácio Pessoa. Alguém chegou esbaforido e avisou: “Rui Barbosa vem aí”. Não ficou um estudante na cadeira. Todo mundo arribou, inclusive os professores. A faculdade não existe mais, era na praia Vermelha, na Urca. De volta, tomamos a rua, de braços abertos, e ele teve que parar. Fez um pequeno discurso do automóvel, até hoje eu guardo um trecho na memória: “A política, senhores estudantes, é uma verminose brasileira. Inclina o carão severo e sinistro, aceita o falsete da voz insidiosa e burla as consciências, falando todos os idiomas da mentira”. Só Rui fazia isso. Efetivamente a mentira é poliglota. Só Rui dizia isso.


 É o cinema em casa, o mundo em casa. É o tapete mágico de Aladim, em que você viaja sem sair do lugar. Tem função deturpadora, e não orientadora ou elevadora. Mas para os velhos surdos, meio cegos e jumentos como eu, aos 83 anos, é a vida. Para quem não chega à janela, não lê jornais como eu, a televisão é minha vida, a minha viagem.


Não me interessei por nada no mundo. Daí a minha fidelidade mental ao meu trabalho. Sou um brasileiro feliz, diz Diógenes. Vivia minha vida e não a vida indicada pelos outros. Não fui o que quiseram, fui o que senti, a volição de ser. Hoje, sou um resto de idade, estou fora do ar, tenho dias eufóricos, compreendeu? O trabalho para mim não era maldição. Era como o trabalho gostoso de fazer um filho. Prazer.


Se eu pedisse, o meu pai compraria pra mim a Ursa Maior.


Exame oral. O estudante é Sylvio Piza Pedroza, que depois seria governador do Rio Grande do Norte. 

Cascudo pergunta:

– Como o rei de Portugal teve notícias do descobrimento da Ilha de Vera Cruz?

– Pedro Álvares Cabral passou um telegrama.

O aluno foi aprovado.


De 1920 a 1932 fui devorador de livros e Henrique Castriciano seguia o ritmo delirante porque não era capaz de disciplinar-me quem nunca tivera disciplina.


Fecha esta máquina fotográfica, meliante. Há 70 anos que sou perseguido por tua espécie. Agora, repórter eu já fui. Lembro-me que, quando íamos entrevistar, nossa liberdade era grande. Se o homem não dizia nada, a gente inventava. Em 1915, meu pai possuía um jornal. Nele comecei como repórter.


Temo as reportagens completas, as confissões pormenorizadas, obtidas pelos jornalistas.


Não se assombre, em Natal eu sou o único pecador profissional. Os outros são amadores.


Meu pai dizia que a rede fazia parte da família. A rede colabora no movimento dos sonhos.


A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo. Quando termino um trabalho, estou pago.


Sou um homem que não desanimou de viver e acho a vida cheia de encantos.


Eu sou apenas uma célula, uma pequenina célula que procura ser útil na fidelidade da função.


Sou um homem mais de fé do que de culto. Posso recusar a extrema-unção, vou me entender pessoalmente com Deus.


Termino com saudades meu trabalho, libertador das erosões destínicas e demais cortesãos da velhice.


Um jornalista de Luanda entrevista o futuro autor de A História da alimentação no Brasil e Made in Africa.

– Qual o motivo de sua presença na África?

– Vim ver o sol se pondo no mar.


Foi apresentado a um figurão da diplomacia, no Itamaraty.    

– Luís da Câmara Cascudo, Câmara Cascudo… parece que já ouvi falar no seu nome.

– O senhor é muito mais feliz do que eu. Estou absolutamente certo de que nunca ouvi falar no seu.


Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


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