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Sexta-feira, Abril 26, 2024

Língua de Camões em Timor-Leste: Quo Vadis?

M. Azancot de Menezes
M. Azancot de Menezes
PhD em Educação / Universidade de Lisboa. Timor-Leste

Professor/Formador de Professores Mestre em Educação – Especialização em Supervisão e Orientação Pedagógica (Univ.Lisboa) - Sec Geral do PS Timor

O autor, logo na introdução do seu estudo, referia, e passo a citar, «Ao chegar ao aeroporto de Díli, Timor-Leste, as placas de propaganda indicam uma complexa situação linguística: o anúncio de uma instituição financeira indonésia, o banco Mandiri, está em língua indonésia; curiosamente a propaganda do banco Australian and New Zealand (ANZ) está em português, a língua oficial; o de uma organização não governamental (ONG) norte-americana, Buy Local que actua no país, está em inglês, com a tradução para a língua oficial, o tétum».

No segundo parágrafo, Carneiro, desenvolvendo o seu pensamento em jeito de prosa, afirma: «ao percorrer a cidade, a diversidade de línguas utilizadas não só nas placas e sinalizações, mas também nos diversos contextos de interacção surpreende ainda mais: pessoas falando em tétum nas ruas, nas feiras e nas casas; professores portugueses e brasileiros ensinando e interagindo em língua portuguesa nas universidades e em cursos de formação de professores; trabalhadores internacionais dos mais diversos países conversando em inglês nos restaurantes, nas agências internacionais e nas sedes de ONG´s; comerciantes de diferentes nacionalidades, mas principalmente indonésios e chineses, utilizando a língua indonésia e o inglês, dentre estes últimos ainda se vê alguns que utilizam o hakka ou o yue, línguas vindas do sul da China que estão presentes no país desde tempos remotos».

Às citações mencionadas na introdução desta reflexão, independentemente de continuarem no seu todo a representar a realidade actual ou não, poderemos acrescentar outras, algumas caricatas. A carta de condução e o bilhete de identidade são entregues aos cidadãos em língua portuguesa e inglesa. O cartão de eleitor, tal como deviam estar todos os documentos, está em português e tétum, as duas línguas oficiais.

No entanto, vários formulários das universidades e outras instituições estão escritos em língua indonésia. Nos hospitais os médicos cubanos falam em espanhol. Outros profissionais de saúde comunicam em língua indonésia, tétum e alguns em português.

No espaço da classe política, caso do Parlamento Nacional, apesar dos documentos que por lá circulam estarem escritos em língua portuguesa e em tétum, os deputados discutem e abordam os diversos temas na língua tétum e alguns até em língua indonésia mas, raramente em português, devido à incapacidade de muitos deputados dominarem a língua portuguesa.

Nas reuniões governamentais repete-se o mesmo, pois, de forma rotineira, discute-se em tétum, e quando é necessário elaborar um discurso com a introdução de vocabulário inexistente em tétum, utiliza-se a língua indonésia ou a língua portuguesa, esta última quase sempre com qualidade questionável.

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Todas estas constatações que servem de mote para esta reflexão sobre a “língua de Camões em Timor-Leste” são algo provocatórias, mas não deixam por isso de ser uma realidade actual, complexa, dirão alguns, mas os problemas desta natureza, mesmo difíceis, podem ter soluções adequadas, desde que haja vontade política e o envolvimento de protagonistas tecnicamente competentes.

Em jeito de preâmbulo, referi-me a um cenário geral vivido em Díli, mas para melhor discutirmos a “língua de Camões em Timor-Leste”, é um imperativo abordarmos com algum detalhe o «campo da educação», muito maltratado, apesar de ser um campo específico e estratégico para o desenvolvimento sustentável do País.

Estou a utilizar de forma premeditada a expressão «campo» e a lembrar-me do grande sociólogo Pierre Bourdieu (1939-2002), uma referência fundamental para abordagens sociais, e que tem sido importante para transmitirmos aos socialistas timorenses e aos simpatizantes do Partido a ideia de que nenhum poder político pode escamotear o facto do nosso sucesso educativo depender muito das condições sociais, económicas e culturais dos jovens e das suas famílias, que vivem na miséria.

Na perspectiva deste grande autor francês, cada «campo» possui regras do jogo e desafios específicos, sendo um «microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço nacional global» (Lahire, 2002, citado por Catani, 2011). Partindo deste pressuposto que se aplica a Timor-Leste e a qualquer outro País, facilmente somos a concluir que os interesses sociais são sempre específicos de cada «campo» e não se reduzem aos interesses estritamente económicos. Como já defendia Lahire (2002), «um campo possui uma autonomia relativa», porque as lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (económicas, sociais, políticas…) externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das relações de força internas.

No campo da educação, constata-se que a maior parte dos professores que temos no País não dominam a língua portuguesa porque foram formados no período da ocupação indonésia, principalmente nos anos 80, altura em que a Indonésia teve uma política mais agressiva no processo de aniquilamento do português e da imposição da língua utilizada pelo país invasor, nomeadamente através da utilização de professores indonésios provenientes de várias ilhas indonésias.

Por outro lado, a partir da década de 90, muitos timorenses ingressaram em universidades indonésias, e na única universidade existente em Timor-Leste no tempo da ocupação, o ensino era ministrado integralmente em língua indonésia, para além de que a segunda língua ensinada nas escolas era o inglês, com excepção do Externato de São José onde os padres Leão da Costa, Domingos Morato da Cunha, Martins, Felgueiras e o Enfermeiro António Maria (falecido), ministravam o ensino em língua portuguesa, sem nenhum apoio de Portugal.

Perante este panorama, tendo em consideração que depois da ocupação indonésia o português foi interditado e o tétum era considerado pelo invasor como língua sem valor social, servia apenas para comunicação, a partir de 2000, com a opção pela adopção das duas línguas oficiais, tétum e português, o Estado timorense deparou-se com resmas de problemas e desafios que exigiam respostas com capacidade e competência para a implementação de políticas educativas e culturais correctas, e que respondessem com eficácia às necessidades do país, recorrendo, sem pejo e preconceitos, ao aproveitamento de sinergias locais e internacionais, (bem) seleccionadas, para fugir ao lobby anglófono que de forma muito subtil vai penetrando nas super-estruturas do País através dos assessores internacionais de países de língua inglesa e portuguesa.

A ausência de recursos humanos capazes no domínio da educação, assim como o não aproveitamento dos quadros existentes, na maior partes das vezes por razões subjectivas e medíocres, demonstrou a total incapacidade do País em resolver questões estratégicas no campo da educação.

Muitos dos políticos que assumiram cargos de relevo na área da educação, temos que assumir com modéstia estas verdades, em alguns casos por incompetência, em outros por cedência aos interesses de países não interessados na implantação da língua portuguesa em Timor-Leste, não foram capazes de traçar linhas mestras estratégicas de actuação suficientemente robustas para responder com eficácia às necessidades reais do País.

Esta incapacidade estrutural e conjuntural foi e (ainda) é visível na ausência de políticas educacionais capazes. Sabendo nós que o ensino superior qualificado cumpre um papel de importância estratégica para o desenvolvimento de qualquer País, num quadro em que se assiste à proliferação do ensino superior em Timor-Leste, importa pois questionar qual é a qualidade do ensino superior timorense, e discutir o que se faz, o que não se faz e o que se devia fazer no domínio da formação de professores de língua portuguesa.

(…)

Língua de Camões em Timor-Leste: Quo Vadis?, publicado no nº III – Edição Abril /2016 do Jornal «A Voz Socialista»

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