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Sexta-feira, Junho 27, 2025
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Carlito Maia completaria 100 anos

Hoje, 19 de fevereiro, Carlito Maia completaria 100 anos. É dia de festa no céu. Este brilhante homem de comunicação, trabalhou 18 anos na Rede Globo, foi um dos fundadores do PT, entre as várias campanhas para o partido criou o Lulalá, OPTei e Sem medo de ser feliz. Tive o prazer enorme de conhecê-lo quando fui fazer seu perfil para o Dipo na Publicidade no anos 90. A partir de então passei a receber textos xerocados que iam de Bertrand Russel a Henfil passando por Otto Lara Rezende, e outros autores de todos os cantos, e junto um buquê de flores- textos estes que anônimos como eu e famosos recebiam. Foi ele quem me incentivou a escrever crônicas para o Jornal da Tarde, durante 1993 e 1995. Essa moçada que se acha antenada com redes sociais, mal sabem o quanto agitava Carlito Maia navegando em todas as praias, da política às artes plásticas, música, literatura, dramaturgia, na da ficava de fora e ele reconhecia os talentos e os promovia. Era o Sr. Cidadania. Muito antes de se falar em questões de gênero, etnia, Carlito sempre defendeu as minorias.

Para quem não o conheceu, recomendo o seu livro de crônicas “Vale o Escrito”, Editora Globo; o livro “Carlito Maia, A irreverência equilibrista”, de Erazê Martinho, da Boitempo Editorial e “O Clarão, O romance do amigo”, de Betty Milan, da Cultura Editores Associados. Tomo o Prólogo da Autobiografia de Bertrand Russel, que Carlito me enviou, para sintetizar a vida dele: “Três paixões, simples mas avassaladoras, me dominaram a vida: o desejo de amor, a busca do saber e a insuportável piedade pelo sofrimento humano”. Sem saber, Carlito tornou-se uma bússola na minha formação como cidadã, em busca de um norte de dignidade. VIVA CARLITO!!!


Texto em português do Brasil

Revisitando ‘Filhos da Terra’, de António Manuel Hespanha (1945-2019)

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Numa altura em que em Portugal se volta a discutir, a propósito das eleições legislativas portuguesas, a questão da imigração de outros continentes para a Europa e para Portugal, julgo oportuno reproduzir aqui um artigo que em 27 de Março de 2019, portanto há quase cinco anos, escrevi sobre um dos últimos trabalhos publicados por António Manuel Hespanha, “Filhos da Terra” de António Manuel Hespanha, um dos grandes nomes da lusofonia, que viria a falecer em Julho desse mesmo ano. Para mim, um livro luminoso e inspirador quando se trata de discutir questões relativas ao contacto ente os povos.

Filhos da Terra – Identidades mestiças nos confins da expansão portuguesa, de António Manuel Hespanha, Lisboa: Tinta-da-China, 2019, abre novas perspectivas para considerar o impacto da expansão portuguesa ao tratar a formação e sobrevivência de comunidades mestiças (ainda que só remotamente identificáveis como portuguesas fora dos limites do “império formal” ), definidas não só em termos de identificação de um ascendente português, mas também, como refere o autor, em termos religiosos, étnicos e culturais. Estes “portugueses”, e António Hespanha cuida de utilizar sempre as aspas, evitando-nos a ilusão de os vermos como habitantes típicos do Portugal actual, terão um ou outro traço identificador que difere conforme as situações: pode ser um chapéu na cabeça, com o qual são representados, pode ser uma especial habilidade em tarefas militares, pode ser a assunção de uma postura de mando ou de intermediação, conforme a origem da comunidade. Claro que poderão ter também traços que os ligam a outras comunidades e dispor apenas de uma ideia muito difusa sobre a sua origem.

Ao ler este trabalho de António Hespanha tentei convocar as noções que me foram incutidas pelo ensino do Estado Novo sobre os tempos da expansão portuguesa e sobre os episódios que conduziram à sua retração.

António Manuel Hespanha (1945-2019) (Tinta da China)

Se bem me lembro, tudo tinha começado a correr mal no período filipino: o Brasil e Angola tinham sido recuperados, Ceuta, Ormuz, Malaca e Ceilão tinham-se perdido para sempre, mas da informação veiculada não resultava evidente o que se passara, em particular que alguns insucessos tinham ocorrido já depois da Restauração (em Ceuta, segundo creio, o governador optou por Espanha, Ormuz foi tomada pelos nossos aliados ingleses, Malaca e Ceilão arrebatadas pelos Holandeses), nem que a população portuguesa de Ormuz se tinha transferido para Mascate (Omã) e a de Malaca para Macassar (Celebes) soluções que não duraram. A propósito da subsistência de um crioulo português em Malaca, Hespanha critica a iniciativa infeliz verificada já no Século XX de aí tentar ensinar o português padrão. Os livros de História registam a entrega de Tanger e Bombaim à Inglaterra, a título de dote de D. Catarina de Bragança, mas não falam das Terras do Norte, de Chaul e Baçaim.

Mas para além do que integrou o império formal e se perdeu, quantas comunidades nas áreas de que já não nos recordamos, na Pérsia, na Índia – Indico ocidental e Índico oriental (só há pouco ouvi falar de S. Tomé de Meliapor), nas costas do golfo de Bengala, na actual Birmânia, no Sião, no Cambodja, no Vietname (sobretudo na Cochim – China, o nome será nosso e visa distinguir a região da de Cochim – Índia, e no Anam, tendo-nos sido o Tonquim mais hostil), em Java, nas Molucas e mais adiante no Mar de Timor. Hoje em dia esqueceu-se que cedemos / vendemos Solor, mas António Hespanha não deixa de se referir aos “portugueses” que por lá se manifestavam.

Mais acima as comunidades cristãs secretas no Japão, e as nossas interfaces na China, tais como Liampó (de que fala a Peregrinação) e Macau (que Hespanha explica não considerar incluída no império formal).

Em África já tinha ouvido falar dos “grumetes” da Guiné, nas descrições de René Pelissier, e dos laços com as populações do Casamansa, bem como dos “ambaquistas” de Angola, mas não tinha ideia de que uma parte das populações que resistiram à ocupação efectiva de Moçambique também já tinha sofrido a influência portuguesa.

Na América Latina, para além do Brasil, de onde Hespanha exclui os índios das missões, organizados contra os portugueses e contra os bandeirantes, terão existido outras comunidades na América Espanhola, falando-se um “papiamento” em Curaçau, Bonaire e Aruba.

Chamou-me a atenção que a existência destes alguns destes pequenos núcleos deixa de poder ser seguida a partir da segunda metade, ou pelo menos do fim, do século XIX, talvez por força do reforço do colonialismo europeu.

Possivelmente só um historiador das instituições como António Hespanha poderia abalançar-se a avaliar estes vestígios de História que decorreu à margem das instituições políticas portuguesas, com a imprescindível discussão de diversas questões teóricas e metodológicas.

E o facto é que o livro, com 36 páginas de “Notas” e 30 de “Bibliografia citada” se lê com muita facilidade e agrado.

Deixo algumas reflexões que, esclareço, não me foram directamente sugeridas pelo livro

  • a questão da nacionalidade dos nascidos em Portugal e dos que aqui se radiquem lá vai sendo regulada;
  • importa não perder o contacto com as comunidades de emigrantes, históricos ou recentes, espalhados um pouco por todo o Mundo;
  • a dupla nacionalidade em igualdade de direitos, que já existe com o Brasil e que Mário Soares em tempos propôs sem sucesso instituir em relação a Cabo Verde, talvez pudesse vir a ser alargada a outros países da CPLP;
  • foi adoptada uma política legislativa que visa recuperar o contacto com as comunidades integradas por judeus expulsos na nossa era de maior expansão;
  • por que não facilitar a atribuição de nacionalidade portuguesa também nestes casos que estiveram nos confins do Império sem nunca dele terem chegado a fazer parte?

Impostos altos ou fraca produtividade?

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Pedra de toque muitas vezes invocada pelos partidos de direita neste período de pré-campanha eleitoral é a questão do elevado peso da carga fiscal, argumento que parece confirmado nas últimas estatísticas publicadas pela OCDE para 2022 que revelam um rácio entre receitas fiscais e PIB de 36,4%, acima da média da OCDE que é de 34%, e com tendência claramente crescente no último triénio, período em que registou valores de 35,2% e 35,3%…

…que traduzem um crescimento da ordem dos 3,4% no triénio, valor pouco significativo quando comparado com o crescimento, superior a 20%, do PIB no mesmo período.

Estando a receita fiscal directamente dependente da riqueza criada em cada economia, valor invariavelmente medido pelo indicador PIB, e estando o crescimento deste normalmente associada a melhorias na produtividade, estranha-se que o crescimento desta seja significativamente inferior ao do PIB e nem a eventual substituição deste indicador pelo VAB (Valor Acrescentado Bruto, definido como o valor criado no processo produtivo durante o período de referência e que é obtido pela diferença entre a produção e os consumos intermédios, muitas vezes considerado mais ajustado à realidade por não incluir outras transferências) resulta em conclusão diferente.

Esta questão, do conhecimento geral dos especialistas, continua sem explicação rigorosa, salvo a observação empírica de que o aumento do nível de emprego não tem sido acompanhado pelo da produção, o que leva a colocar a hipótese da existência de outras explicações para o fenómeno, como a que recentemente apresentou o Conselho Nacional de Produtividade francês mostrando que o desvio de capitais para os paraísos fiscais pesa sobre a produtividade.

Esta explicação deve ser entendida na lógica de que a produtividade do capital e a qualidade da combinação capital-trabalho têm efeitos sobre a produtividade global dos factores, algo normalmente esquecido por quem apenas se foca nos ganhos, ou nas perdas, da produtividade do trabalho e assim, intencionalmente escamoteia que a dinâmica do PIB é de facto o resultado destas componentes e não apenas de uma delas.

Na realidade a explicação deverá residir em ambos os lados do rácio; no numerador, porque há muito que a opção por políticas fiscais favoráveis aos interesses dos mais ricos tem vindo a desgastar os resultados da receita fiscal de forma sistemática e constante, enquanto no denominador se sentem os efeitos de décadas de políticas de deslocalização industrial que aumentam os resultados e os ganhos dos acionistas, mas degradam os desempenhos das economias domésticas – recorde-se que uma economia menos industrial é uma economia onde há menos produtividade, porque esta é obtida principalmente na indústria e não, por exemplo, em serviços pessoais, creches e ERPIs – e da qualidade de vida das populações.

Perante tantos problemas ligados à fraca eficiência produtiva das empresas nas economias ocidentais – onde o da queda da produtividade estar a servir para bloquear o crescimento dos salários não é o menor deles – e tão poucas as tentativas efectivas para os resolver, parecem ainda mais insanas e desajustadas as políticas orientadas para a redução da protecção social quando precisamente se anteveem tempos de maiores carências e necessidades que, agravando as condições de vida de grandes segmentos das populações, actuarão negativamente sobre os respectivos produtos nacionais e ampliarão os efeitos depressivos.

Desafios da operacionalização da internacionalização do currículo na lusofonia

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A internacionalização do ensino superior tem como principal fundamento o valor universal do conhecimento e da formação. A sua concretização, em grande medida, é visível nas diversas formas de cooperação entre Instituições de Ensino Superior (IES), nomeadamente, através da mobilidade académica.

Como vivemos numa sociedade global, todas as IES, no seu ambiente interno, estão sujeitas a diversas influências culturais, sociais, económicas, científicas e tecnológicas, ou seja, o espaço interno das IES depende da interacção de múltiplas dimensões, internas e externas.

Uma das dimensões muito importantes inerentes a este processo dinâmico pluridimensional remete para o currículo. A internacionalização do ensino superior, portanto, arrasta consigo a internacionalização do currículo (IoC) no sentido em que o currículo, como defendem Wit e Leask (2015), passa a ser encarado como um veículo pelo qual elementos epistemológicos e da práxis podem ser incorporados na vida dos estudantes assegurando que, ao se formarem, estarão prontos para fazer diferença no mundo.

Nesta linha de raciocínio, sabendo nós que os conceitos sofrem evoluções, salvo melhor opinião, esta reflexão pode impelir o debate para o processo de operacionalização da internacionalização do currículo no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

A argumentação em defesa da internacionalização do currículo numa dinâmica lusófona parece-me pacífica, pois, para além da fundamentação descrita, devemos tomar em consideração que em qualquer país há mudanças ao nível do currículo, devido à regulação transnacional, por intermédio das orientações produzidas em fóruns internacionais, e por força da regulação nacional, através de normativos produzidos pelos governos, com recomendações ou orientações de carácter vinculativo que podem implicar alterações nos conteúdos programáticos, inclusão ou anulação de unidades curriculares, mudança do número de créditos, reformulação de projectos curriculares ou de ensino, entre outros aspectos inerentes à inovação curricular.

Nos nossos países é permitida a acreditação conjunta de cursos superiores, num processo que pode envolver, no mesmo país, mais do que uma instituição de ensino superior na oferta de um ou mais cursos com diplomação conjunta.

Como a dupla diplomação ou conjunta é uma das tipologias da OCDE propostas para currículos internacionalizados, os membros da RACS podem trabalhar, em contexto lusófono, formas inovadoras de operacionalização da internacionalização do currículo, porventura, a acreditação conjunta de cursos de ciências da saúde ministrados no espaço lusófono.

Artigo publicado na RACS: BOLETIM RACS N3 2024 (racslusofonia.org)

Contributos da RACS para o apoio ao ensino e à investigação na CPLP

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A Rede Académica das Ciências da Saúde da Lusofonia (RACS) está a preparar o 1º Encontro das Bibliotecas da RACS. Prevê-se a participação de gestores e académicos de oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

A Rede de Bibliotecas da RACS, conhecida por  IndexRACS, irá organizar este encontro sobre bibliotecas da CPLP, em formato online, no dia 21 de Maio de 2024, sob o lema “As Bibliotecas da RACS: contributos para o apoio ao ensino e à investigação. Formação de utilizadores, como se faz, o que se faz?”

Na opinião do Conselho Estratégico da RACS:

As Bibliotecas que integram a IndexRACS representam vários domínios de ensino e investigação no âmbito da saúde e, a par com esta heterogeneidade, a RACS combina ainda factores de diversidade cultural, distância geográfica, e tem como ponto comum a língua portuguesa”.

Portanto,

“Com este contexto, a partilha de experiências e vivências profissionais são um recurso valioso na divulgação de conhecimento”.

(RACS, 2024)

Conselho Estratégico da IndexRACS

A Comissão Coordenadora do Conselho Estratégico da IndexRACS integra cinco membros eleitos de Angola, Cabo Verde e Portugal:

  • Mafalda Lopes (Coordenadora) – Escola Superior de Enfermagem do Porto (Portugal);
  • Paula Saraiva (Vice – Coordenadora) Egas Moniz School of Health & Science (Portugal);
  • Heloneida Cruz Pinto (Vice – Coordenadora) – Universidade do Mindelo (Cabo Verde);
  • Andrea Medeiros (Suplente) CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (Portugal);
  • Rodrina Bento (Suplente) – Faculdade de Medicina da Universidade Katyavala Bwila (Angola).

A ideia que predomina é a de que as Instituições de Ensino Superior (IES) de alguns dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) precisam de reforçar os seus recursos humanos, materiais e outros, portanto, este 1º Encontro irá juntar parceiros da CPLP para responder a esses desafios.

“As bibliotecas do ensino superior têm a responsabilidade de facilitar a aprendizagem, de promover o acesso à informação especializada, de partilhar conhecimento e disponibilizar recursos informativos essenciais para o sucesso da atividade escolar, pedagógica e científica, contribuindo assim para o desenvolvimento e inovação das entidades a que pertencem”.

Este encontro tem como objetivo dar a conhecer os contextos, as actividades e as pessoas que diariamente contribuem para o desenvolvimento de atividades de investigação e dão apoio e suporte para o desempenho de estudantes e docentes através das suas acções profissionais.

(RACS, 2024)

Há 54 bibliotecas da CPLP membros da IndexRACS

De acordo com informações disponibilizadas pela RACS há 54 IES e entidades de saúde cujas bibliotecas são membros da IndexRACS:

Angola 

 

Brasil

 

Cabo Verde 

 

Guiné-Bissau 

 

Moçambique

 

Portugal 

Tomé e Príncipe

  • Universidade Pública de São Tomé e Príncipe

 

 Timor-Leste 


por Luís dos Santos, Angola

Desemprego: o tema esquecido nos debates eleitorais

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O desemprego em Portugal é a maior causa da pobreza, no entanto o desemprego, que está a aumentar, tem sido o grande esquecido nos debates eleitorais

Neste estudo, utilizando dados oficiais, mostro que se verificou uma oscilação importante no emprego ao longo do ano de 2023, variando de trimestre para trimestre, o que gera insegurança, e que o desemprego oficial divulgado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (317659 inscritos nos centros de emprego em dez.2023) e pelo INE com base num inquérito trimestral (354600 no 4º trim.2023), que depois a maioria dos os órgãos de comunicação social divulgam também sem contraditório, não corresponde ao verdadeiro desemprego existente no país, sendo muito inferior ao realmente existente (o desemprego efetivo, em dez.2023, era pelo menos 459000, e para além destes ainda existem 178000 que vivem numa situação de pré-desemprego).

Também mostro utilizando dados da Segurança Social que o apoio aos desempregados continua a ser muito insuficiente no nosso país (em dez.2023, apenas 39 em cada 100 desempregados recebem subsídio de desemprego) o que determina que quase metade dos desempregados vivam na pobreza segundo o próprio INE. Apesar desta situação atingir centenas de milhares de portugueses e respetivas famílias não tem merecido atenção nos debates eleitorais

 

Estudo

O desemprego em Portugal é a maior causa da pobreza, no entanto o desemprego, que está a aumentar, tem sido o grande esquecido nos debates eleitorais

Segundo os últimos dados disponibilizados pelo INE, que são os de 2022, estavam no limiar da pobreza 10% dos empregados, 15,4% dos reformados e 46,4% (os homens 48,5%) dos desempregados. E um grupo designado por “Outros inativos” 31,2% estavam na mesma situação. Apesar do desemprego ser a causa principal da pobreza no nosso país, não tem merecido praticamente qualquer atenção nos debates eleitorais. É como não existisse desemprego no país, como não fosse o principal problema que enfrentam centenas de milhares de portugueses e famílias. Por isso, não é demais trazer novamente para o espaço público a situação de centenas de milhares de portugueses que enfrentam uma situação muito difícil ( a maioria está totalmente desprotegida na pobreza).

 

A INSTABILIDADE DO EMPREGO NO NOSSO PAÍS EM 2023: os altos e baixos do emprego trimestrais

O gráfico 1, construído com dados divulgados pelo INE em jan.2024 mostra a variação trimestral do emprego durante o ano de 2023, relativamente às principais categorias profissionais.

A análise dos dados INE constantes do gráfico permite tirar algumas conclusões importantes sobre a situação de insegurança atual dos trabalhadores empregados no nosso país visível nos altos e baixos do emprego das diferentes categorias profissionais ao longo do ano de 2023, segundo o próprio INE. Assim, em relação aos “especialistas de atividades intelectuais e científicas”, o número de trabalhadores aumentou entre o 4º Tim.2022 e 2º Trim.2023, mas a partir deste último trimestre observa-se uma diminuição continua, de tal forma que no fim de 2023 o seu número é inferior ao do 4º Trim.2022. A instabilidade trimestral, embora tendo como referências trimestres diferentes, regista-se também em relação às categorias profissionais “técnicos e profissões de nível intermedio” (o seu número aumenta até ao 3ºT2023 verificando-se no 4ºT uma redução abruta), aos trabalhadores de “serviços pessoais, de proteção e de segurança”, cujo número diminui entre o 3º e 4º trimestres de 2023. Em relação às restantes categorias também se verificam oscilações de trimestre para trimestre. E estes valores são os saldos líquidos de centenas de milhares de trabalhadores que perderam o emprego e dos que obtiveram emprego em cada trimestre. E isto porque as entradas e saídas o INE não divulga. Porquê?

 

OS NUMEROS OFICIAIS DO DESEMPREGO CONTINUAM A ENGANAR A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE A SUA DIMENSÃO

Existe em Portugal duas entidades oficiais que divulgam dados sobre o desemprego. São elas o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) que tem os “centros de emprego”, e o INE. Mas nenhumas delas divulga dados rigorosos sobre a dimensão do desemprego pelas seguintes razões. O primeiro – o IEFP – apenas considera os desempregados que se inscrevem nos centros de emprego. E há muitos desempregados que não o fazem porque já concluíram que os centros de emprego conseguem emprego para muitos poucos empregados e empregos com salários muito baixos, próximos do salário minino ou mesmo apenas empregos em que os patrões querem pagar só o salário mínimo nacional. A segunda entidade que divulga dados sobre o desemprego é o INE, com base num inquérito por amostragem que faz trimestralmente, mas no número de desempregados que divulga não considera os desempregados que no mês em que o fez inquérito não procuraram emprego. Por isso, os dados que divulga não correspondem ao verdadeiro número de desempregados. Todos os desempregados que não procuraram emprego é como não existissem para o INE. O quadro 1, mostra na linguagem fria dos dados oficiais a falta de consistência dos dados sobre o desemprego divulgados mensalmente pelo IEFP e depois publicitados pela comunicação social sem contraditório.

Quadro 1 – Desempregados inscritos nos Centro de emprego que desapareceram dos seus ficheiros

Se somarmos ao número de desempregados inscrito no Centros de emprego em 1/1/2023 (307005) àqueles que se inscreveram nos Centros de emprego nos 12 meses de 2023 (561895) obtemos 868900. Se retiramos a este total aqueles que os Centros de emprego arranjaram trabalho (91832) restam 776968. Mas o IEFP divulgou que em 31.12.2023 apenas existiam inscritos nos Centros de emprego 317659. E é este o número que a comunicação social divulga sem contraditório como fosse o desemprego verdadeiro. A pergunta que se coloca e que não é esclarecida é a seguinte: O que aconteceu aos 459309 desempregados que desapareceram dos ficheiros dos Centros de emprego? A falta de consistência dos dados do IEFP é evidente. Vejamos agora os dados do INE.

Quadro 2 – O desemprego oficial, o desemprego real, e a dimensão subutilização do Trabalho em Portugal

No último trimestre de 2023 o número oficial de desempregados divulgado pelo INE foi de 354,6 mil (no 4º trim.2022 eram 344,2 mil). No entanto se somarmos a este número oficial de desempregados – 354,6 mil – os desempregados que o próprio INE diz que não considerou pelo simples facto de não terem procurado emprego no período em que o INE fez o inquérito – 104,4 mil – o total de desempregados efetivos já sobe para 459 mil desempregados em Portugal no fim de 2023. Para além destes ainda existiam 146,5 mil que faziam “biscates” para sobreviver pois não conseguiam encontrar um emprego a tempo completo e 31,3 mil que já procuravam emprego, mas que ainda não estavam disponíveis para começar a trabalhar (muitos deles deviam estar em processos de despedimento ou a procurar um novo emprego pelo facto do emprego em que estavam o salario ser muito baixo – 10% dos empregados estão no limiar da pobreza segundo o próprio INE – ou tinham condições de trabalho não aceitáveis). Ao todo, para empregar os termos do próprio INE, existiam 636,8 mil trabalhadores subutilizados que podiam criar riqueza, mas que não fazem por estarem impossibilitados porque não conseguem encontrar trabalho.

 

O APOIO AOS DESEMPREGADOS É MUITO INSUFICIENTE E BAIXO CONDENANDO A MAIORIA À POBREZA

O gráfico 2 mostra de uma forma clara que o apoio aos desempregados no país continua a ser manifestamente insuficientes vivendo 46,5% deles na pobreza segundo o próprio INE.

Em dez.2023, apenas 39,5% dos desempregados (do desemprego real) recebiam subsídio de desemprego. Em dez.2023 o subsídio medio mensal era apenas de 585€, próximo do limiar da pobreza. Com este reduzido apoio a pobreza alastra-se no país. Os desempregados mereciam uma atenção maior nos debates eleitorais pois é uma camada da população muito desprotegida e esquecida.


Em São Paulo, as aulas começam em meio ao maior desrespeito da história à educação pública

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Estamos em fevereiro de 2024 e a educação pública do estado de São Paulo nunca esteve tão mal gerida como no governo de Tarcísio de Freitas. A bagunça já começou na posse do empresário Renato Feder na Secretaria da Educação, em janeiro do ano passado.

Os problemas vêm se avolumando. Tentou-se acabar com os livros didáticos distribuídos pelo governo federal, inseriram aplicativo espião nos celulares de estudantes e professoras e professores, liquidaram com o plano de carreira, não estruturam as escolas adequadamente, pioraram as condições de trabalho com mais assédio e perseguição e os salários continuam os mesmos, aquele mostrado pelo comediante Chico Anysio no programa “Escolinha do Professor Raimundo”, mínimo do mínimo.

O secretário Feder mostra todo o seu despreparo já na atribuição de aulas. Total desrespeito às professoras e professores. Sabemos que a atribuição de aulas sempre foi problemática no estado, mas veio piorando com o passar dos anos de gestões autoritárias e com visão privatista.

Mas neste ano, a gestão se superou na falta de respeito aos profissionais, principalmente da Categoria O – os chamados contratos temporários, que de temporários não têm nada – sobrou desrespeito e humilhações.

Nem mesmo a realização do concurso público, depois de 10 anos, trouxe alívio aos profissionais porque o resultado das provas foi utilizado como critério para atribuição dos Categoria O e não para contratação efetiva dos profissionais, nem mesmo das 15 mil vagas asseguradas pelo governo do estado mais rico da nação. Governo que visa cortar verbas da educação pública na contramão da história e da necessidade da maioria da população.

Nós lutamos para a efetivação de todos os classificados no concurso até suprir todas as vagas necessárias no ensino oficial do estado, que são de pelo menos 100 mil efetivações de profissionais devidamente aprovados no concurso como determina a Lei 14.817, sancionada pelo presidente Lula em 16 de janeiro de 2024. Em seu artigo 4º, inciso 1º a lei diz que o “ingresso na carreira” será “exclusivamente por concurso de provas e títulos, que aferirá o preparo dos candidatos com relação a conhecimentos pedagógicos gerais e a conhecimentos da área específica de atuação profissional, sempre considerada a garantia da qualidade da ação educativa”.


Texto em português do Brasil

Por um Ministério Público gentil e proactivo?

A ideia de que um Primeiro-Ministro se demitiu por estar a ser investigado pelo Ministério Público, conexa com a de que este, politicamente motivado e sem controlo democrático, teria sido instrumental para por fim a um governo de maioria absoluta e determinar de forma anti-natural o encerramento de um ciclo político, terá tendência a enraizar-se na nossa memória colectiva.

Julgo que convém revisitar alguns dos supostos factos em que assenta essa ideia, e simultaneamente discutir se fará sentido defender que, em matéria de combate à corrupção e infracções conexas, o Ministério Público tenha maiores cuidados com a sua actuação, isto é que seja mais “gentil, e que em determinadas circunstâncias procure prevenir o desenvolvimento de uma conduta criminosa ou atalhar os seus efeitos, antes de se produzam maiores danos, ou seja favorecendo uma actuação “proactiva” em lugar de meramente punitiva.

Esta preocupação proactiva pode já ser manifestada dentro do processo penal. Foi-o quando o Ministério Público tendo recebido a informação de que estaria a ser preparada um furto de munições numa unidade militar pediu para colocar sob escuta as comunicações do presumível agente, tendo-lhe sido recusada autorização por um “juiz das liberdades”. Para gáudio universal ficámos a partir daí envolvidos no famoso processo de Tancos. Mas estou a pensar na utilização de instrumentos, fora do processo penal, que peçam a determinados agentes políticos que desenvolvam uma actuação ou dela se abstenham

É de ter em conta o que foi divulgado a propósito de:

  • os processos colocados contra um conjunto de secretários de Estado de António Costa que aceitaram convites da Galp para uma deslocação aos jogos do Europeu;
  • o processo que envolve os alegados desvios de aplicação de verbas atribuídas no tempo de Rui Rio ao grupo parlamentar do PSD;
  • o processo que envolve o antigo presidente PSD da Câmara de Espinho, que exerceu o cargo com Luís Montenegro a presidir à Assembleia Municipal, e o seu sucessor PS;
  • o processo que envolve o ainda Presidente do Governo PSD demitido da Região Autónoma da Madeira e o seu anterior Vice-Presidente, que havia transitado para a Presidência da Câmara Municipal do Funchal, de que entretanto se demitiu;
  • os processos relativos à chamada operação Influencer, entretanto divididos: lítio, hidrogénio verde, centro de dados de Sines, e o aberto no Supremo Tribunal de Justiça.

Vale a pena chamar a atenção para a legislação aplicável, por força quer do Código Penal quer da Lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, aprovada em 1987 e desde aí sucessivamente enriquecida, mas de onde também foram excluídos os titulares de Altos Cargos Públicos(i).

O leitor mais calejado em leitura de peças jornalísticas sobre corrupção e infrações conexas estará no essencial familiarizado com a terminologia, mas talvez não tenha uma ideia muito precisa do que é, por exemplo a “participação económica em negócio“. No presente artigo pretendo contudo chamar a atenção para uma previsão da Lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos de que se tem falado alguma coisa nos últimos anos:

Artigo 16.º
Recebimento ou oferta indevidos de vantagem
1 – O titular de cargo político que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 – Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a titular de cargo político, ou a terceiro por indicação ou conhecimento deste, vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
3 – O titular de cargo político que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a outro titular de cargo político, a titular de alto cargo público ou a funcionário, ou a terceiro com conhecimento destes, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com as penas previstas no número anterior.
4 – Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.

Salvo erro, o primeiro escolho penal surgido no caminho dos governos de António Costa foi a aceitação por parte de alguns dos seus secretários de Estado de passagens, estadias e bilhetes para assistirem a um Europeu de que a Galp era uma das empresas patrocinadoras, oferta com que foram também contemplados alguns presidentes de câmara e, julgo, muitas outras entidades. Constituídos arguidos, e apesar de António Costa, com inteira propriedade constitucional, ter explicado publicamente que poderiam continuar em funções e prepararem a sua defesa, os visados preferiram demitir-se, o que, pelo menos no caso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Fernando Rocha Andrade, foi uma perda sensível para o Governo(ii), acabando o processo numa fase posterior por ser suspenso mediante acordo, sem remessa a julgamento. A comunicação social deu-se entretanto conta de que Mário Centeno também poderia ser “incriminado” por ter assistido a um desafio de futebol por convite, e Costa fez aprovar uma resolução do conselho de ministros definindo um limite de valor abaixo do qual poderiam ser aceites prendas por membros do Governo ao abrigo do nº 4 do famoso artigo atrás reproduzido. Transcrevo seguidamente o artigo aplicável da Constituição.

Artigo 196.º

Efetivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo

1. Nenhum membro do Governo pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito.

2. Movido procedimento criminal contra algum membro do Governo, e acusado este definitivamente, a Assembleia da República decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido no número anterior.

Francamente, não me parece que os membros do Governo em causa, aliás brindados por sugestão de um administrador da GALP – Carlos Costa Pina – que tinha sido membro de um Governo do Partido Socialista e que os devia conhecer a todos, ficassem nas mãos da empresa por aceitarem esta prenda, mas é certo que, rigorosamente falando, andou bem outro membro do Governo – Jorge Seguro Sanches – que a não aceitou.

Disse-se na altura – e a evolução na redacção do diploma (1987, 2001, 2010) comprova-o – que a punição autónoma do recebimento indevido de vantagem, que antes aparecia ligada à punição da corrupção, teve em conta a dificuldade de provar a existência de corrupção. Ó Ministério Público, numa situação em que não havia, quero crer, a menor suspeita de corrupção, não quis ser “gentil” e tinha por si a letra da lei. Mas são desenvolvimentos deste tipo – e não apenas a existência de mega processos – que vão tornando a problemática da punição da corrupção cada vez mais complexa.

Esta questão do recebimento ou oferta indevida de vantagem esteve também presente em alguns aspectos da Operação Influencer:

  • o actual Presidente da Câmara de Sines(iii) terá convencido a empresa que estará a construir um centro de dados a dar pequenos apoios a colectividades ou grupos desportivos locais; será isto dar “ou prometer a titular de cargo político, ou a terceiro por indicação ou conhecimento deste, vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida”?; julgava eu ser uma preocupação louvável em sede de poder local;
  • idem, terá pedido para a empresa ligada ao centro de dados convencer o Partido Socialista a recandidata-lo nas próximas eleições? será isto um exemplo de vantagem indevida?
  • quanto ao conhecido João Galamba, meteu-se isto, ao que parece, para poder comer sem pagar; passa de economista a papa-jantares…

De novo o Ministério Público se revela pouco gentil. Convenho em que não tinha de o ser. No entanto viola um elementar direito à privacidade a divulgação de que foi encontrada nas buscas em casa de Galamba uma pequena dose de droga que se contém dentro dos limites legalmente autorizados a um consumidor.

Os dois casos em que parecem configurar-se situações de corrupção – o do Município de Espinho e o da Região Autónoma da Madeira – mereciam uma análise mais detalhada, que possivelmente terá de aguardar a formulação das acusações. Miguel Albuquerque cujo Governo foi demitido por decreto do Representante da República sem que tenha sido exonerado do cargo de Presidente do Governo Regional continua membro do Conselho de Estado e a gozar de imunidade. O seu antigo Vice-Presidente do Governo Regional, também indiciado por corrupção, demitiu-se da presidência da câmara do Funchal. No Município de Espinho o Presidente da Câmara PSD Pinto Moreira terá gerido as situações que agora lhe foram imputadas com total à vontade e sem que o seu Presidente da Assembleia Municipal Luís Montenegro tenha, que se saiba, alguma vez alertado para qualquer anomalia. O Presidente socialista que lhe sucedeu terá querido suceder-lhe em “tudo”, e está neste momento, depois de se demitir, ainda em prisão preventiva, enquanto que Pinto Moreira, deputado e até Presidente da Comissão de Revisão Constitucional, e que tardou em renunciar ao mandato, não sendo objecto de medida idêntica, terá ficado mais à vontade para, se o quiser, condicionar inquéritos sobre o passado.

O que se passou com as buscas a sedes do PSD (e ao domicílio de Rui Rio) e com o assalto ao Palácio de Inverno, perdão, à Residência Oficial do Primeiro-Ministro, em 7 de Novembro último, parece enquadrar-se num modus faciendi assim sintetizável:

  • as operações do Ministério Público contra alvos sensíveis iniciam-se com a intercepção de comunicações e quando se torna necessário recorrer a buscas estas efectuam-se de forma sincronizada, por forma a que não possa ser passada palavra para ocultar ou destruir documentos, procedendo-se posteriormente à constituição de arguidos / detenção de alguns destes e seguindo-se a formulação de acusações;
  • quando decorrem as buscas / detenções, verifica-se por vezes a emissão de comunicados pelo Ministério Público de forma a transmitir à opinião pública os contornos das operações, e, uma vez ou outra, clarificar que certas entidades não são objecto de suspeitas.

Aquando das buscas que incidiram sobre o PSD falou-se de mudar a lei para despenalizar a conduta sob suspeita e da necessidade de salvaguardar os arquivos partidários de devassas Imunidade penal dos partidos?. Julgo que será mais adequado reforçar a obrigação de prestação de informação por parte dos Partidos Políticos, com entrega dos documentos que forem solicitados, mesmo que em detrimento das garantias contra a auto-incriminação concedidas à generalidade dos cidadãos, e a efectivação de responsabilidades financeiras, quando a elas haja lugar. Fazer a polícia invadir as sedes dos partidos é desprestigiante para estes, para não dizer que o é para o próprio sistema político, e os fins em vista poderiam ser alcançados por outros meios.

As buscas de 7 de Novembro à Residência Oficial do Primeiro-Ministro constituíram um evento ainda mais desprestigiante para o sistema político, não deixando de pôr em causa a chefia do Governo, tanto mais que coincidiram com a detenção do então chefe do gabinete do primeiro-ministro e do “melhor amigo”(iv) deste. Os 75 800 euros escondidos por este no seu gabinete não corresponderiam, parece, a subornos esportulados pelos seus visitantes, mas o efeito não podia deixar de ser desastroso. Aparentemente estaria apenas em causa a tentativa de influenciar o conteúdo de um decreto-lei sobre licenciamento, inclusive industrial, de forma a viabilizar a construção de um centro de dados em Sines.

No entanto, conhecendo-se o espírito desburocratizador de João Tiago Silveira que desencadeou, aquando da sua passagem pelo Governo, um esforço de modernização que se veio a traduzir num generalizado recurso à informática nos processos judiciais e de registos, e terá sido o autor material do projecto de diploma(v), não se poderia dizer que pudesse ter protagonizado uma distorção na sua lógica com o intuito de favorecer terceiros. Nem que o Primeiro-Ministro tivesse favorecido, com o mesmo propósito, uma solução contrária ao Direito. De qualquer modo, tendo a Procuradora-Geral da República o direito de suscitar a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de diplomas do Governo, pareceria recomendável que comunicasse ao Primeiro-Ministro e/ou ao Presidente da República que no seu entendimento o decreto-lei em causa não deveria ser aprovado pelo Governo ou promulgado pelo Presidente da República. Se tentativa de crime havia, por que não procurar impedir a sua consumação? Um Ministério Público proactivo tê-lo-ia feito.

Quanto ao famoso parágrafo do comunicado de imprensa da Procuradoria-Geral da República que terá levado António Costa a demitir-se, tendo a ver a questão da seguinte forma: uma vez que nalgumas das conversas escutadas os suspeitos de tráfico de influências invocavam posições tomadas pelo primeiro-ministro, seria sempre de ouvir este, no entanto a não indicação, à partida de que excluía que António Costa fosse suspeito, as declarações feitas dias antes pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e possivelmente o conhecimento do funcionamento das pessoas do “meio” adquirido desde o processo Casa Pia, tê-lo-ão convencido de que estava destinado a ser queimado e derretido ao longo dos anos seguintes. Mesmo assim, julgo que, tal como recomendara aos seus Secretários de Estado envolvidos no “Galpgate”, se deveria ter mantido em funções.

Há contudo outra forma de encarar o que se passou: a convicção de que a área do ambiente e das alterações climáticas será essencial em termos de determinação de investimentos, designadamente no sector da energia, com parcerias privilegiadas com outros países, levou António Costa a acompanhar directamente as movimentações no domínio da energia, procurando mobilizar os grandes operadores nacionais, já sem carácter público. A nomeação de João Galamba para Secretário de Estado da Energia teria sido instrumental, e a circunstância de ter continuado a acompanhar alguns dossiers quando passou a Ministro das Infraestruturas, também. Daí o ser escutado desde há quatro anos pelo Ministério Público, numa eloquente manifestação de galambofilia. A tentativa de Marcelo Rebelo de Sousa de o fazer demitir e a resistência de António Costa, tudo estaria ligado. O comunicado de imprensa de Lucília Gago e a rápida aceitação da demissão por Marcelo Rebelo de Sousa, com vista a precipitar eleições, também. Um pouco de teoria de conspiração para o meu gosto, mas não posso exclui-la completamente.

Afinal de contas já tive a experiência de, noutro ciclo político, ser convidado para uma reunião na Residência Oficial por um habitante desta que pretendeu transmitir-me uma suposta vontade do Primeiro-Ministro…

 

Notas

(i) E que no meu entender deveria ter abrangido também os dirigentes máximos das Instituições de Ensino Superior.

(ii) Pelo que pude seguir da actuação deste jovem doutor em Direito e do seu trabalho parlamentar posterior. Por deplorável coincidência ele e outro dos visados vieram a falecer prematuramente.

(iii) Que não conheço e de cuja acção como autarca nunca ouvi falar.

(iv) António Costa dixit.

(v) Que veio a ser publicado, depois do “escândalo” numa versão já reduzida, amputado do licenciamento industrial.

Sete pontos sobre o golpe

Na avalanche de informações sobre os planos golpistas, quero destacar sete pontos.

1. O destino de Bolsonaro

A hora de Jair Bolsonaro chegou, embora não devamos esperar que ele seja preso em breve. Sua hora chegou porque já existem provas, e não apenas indícios, de sua participação central na tentativa de golpe. Que prova pode ser mais eloquente que um vídeo em que ele discute o golpe com seus auxiliares? O que dizer da descoberta, via delação de Mauro Cid, de que ele recebeu no dia 9 de julho de 2022 o general Theophilo de Oliveira, comandante do COTER (Comandando de Operações Terrestres), que lhe garantiu o emprego de seu batalhão na quartelada? Ou das mudanças que ele pediu no decreto do golpe, excluindo a prisão do ministro do STF Gilmar Mendes e a do senador Rodrigo Pacheco e deixando apenas a de Alexandre de Morais?

Bolsonaro teve o passaporte apreendido mas ninguém espere vê-lo sofrendo uma prisão preventiva ou temporária. Como ex-presidente, ele será em breve indiciado. Depois será denunciado, julgado e, esperamos todos, condenado. Tudo será feito com absoluto rigor, para que não pairem dúvidas que alimentem o vitimismo. Só depois de condenado ele será preso. E paremos de falar em Papuda. Como ex-presidente ele irá para uma unidade militar. Isso tudo ouvi de uma fonte do Judiciário.

2. Por que o golpe de Bolsonaro falhou?

Já sabemos muito sobre o que foi planejado mas o documento do ministro Alexandre Morais, autorizando a Operação Tempus Veritate, pouco revela sobre seu fracasso. Estou falando do golpe que seria dado antes das eleições ou antes da posse de Lula. O 8 de janeiro foi um esperneio aloprado, uma tentativa de realizar, já com Bolsonaro nos EUA e Lula empossado, o golpe que não conseguiram dar antes.

Pode parecer secundaria mas essa minha curiosidade tem sua razão de ser. O golpe falhou por que Bolsonaro desistiu, porque os comandantes militares o impediram ou por qual razão? Já sabemos que Alexandre de Morais deveria ser preso no dia 18 de dezembro. Não foi. No dia 22, a PF abortou o atentado a bomba planejado para ocorrer perto do aeroporto de Brasília. Seria ele a senha para a decretação do estado de sítio? O que houve entre os militares que pode ter impedido o golpe? Tudo isso ainda precisamos saber.

3. O crime dos que resistiram mas não denunciaram o golpe

Desde o ano passado o ministro da Defesa, José Múcio, repete o mantra de que a democracia foi salva pelos militares legalistas que resistiram ao golpe. Agora sabemos que, de fato, o então comandante do Exército, Freire Gomes, bem como o da Aeronáutica, Batista Júnior, não embarcaram na aventura, ao contrário do Almirante Garnier, que comandava a Marinha. Isso é um avanço em relação à tradição militara brasileira mas, inocente Freire Gomes não é: além de ter se calado, sabendo do golpe, tolerou o acampamento golpista à porta de seu QG em Brasília.

Vale recordar que Batista Júnior – aquele que Braga Neto xinga de traidor e manda que infernizem a vida dele e de sua família – teve conduta melhor. Foi ele que fez chegar a Alexandre o conselho para que antecipasse a diplomação de Lula, prevista para o dia 22 de dezembro de 2022, porque poderia haver ação golpista no final do mês. O ato foi antecipado para o dia 12, que foi um dia de terror em Brasília.

O que fará a Justiça em relação aos que se omitiram? E foram muitos. O golpe, pelo visto, era segredo de polichinelo na caserna.

4. A Abin Paralela e o FirstMile no golpe

A PF descobriu que o assessor de Bolsonaro Marcelo Câmara, membro do grupo de inteligência do golpe, monitorava os movimentos do ministro Alexandre de Morais. Afinal, quando o golpe estourasse, ele teria que ser preso. O documento autorizando a operação Tempus Veritate afirma: “ as circunstâncias identificadas evidenciam ações de vigilância e monitoramento em níveis avançados, o que pode significar a utilização de equipamentos tecnológicos fora do alcance legal das autoridades de controle. As ações identificadas de MARCELO CÂMARA revelam o uso de uma “Inteligência paralela” para municiar os planos do grupo. Nesse sentido, considerando o atual estado de liberdade do investigado, não há garantias de que o monitoramento ao ministro ALEXANDRE DE MORAES tenha realmente cessado, não se descartando a possibilidade, inclusive, de outras autoridades do Poder Judiciário estarem sendo monitoradas…”. Esta foi a justificativa para sua prisão. O trecho acima, entre aspas, parece sugerir que a Abin Paralela e o software israelense FirtsMile foram usados para monitorar o ministro.

5. A situação de Valdemar e do PL

Muita gente criticou ontem o senador Humberto Costa (PT-PE), considerando precipitado seu anúncio de que pedirá a cassação do registro do partido. Não acho. O documento autorizando a operação deixa muito claro que o PL foi utilizado para financiar algumas operações e que sua sede no Lago Sul funcionou como QG para alguns dos operadores. Que o partido teve papel ativo na articulação, ao apresentar ao TSE o pedido de exclusão dos votos de um grande número de urnas, com base em estudo que contratou, com recursos do fundo eleitoral, a um certo Instituto Voto Livre. Partido que serve a plano golpista não pode funcionar no sistema democrático.

Quanto a Valdemar, está preso por conta da arma ilegal e da pepita de ouro. É possível que seja liberado em breve, mas não estará livre das consequências de sua atuação no plano golpista.

6. O documento encontrado no gabinete do PL

Pouco se sabe sobre a origem de um documento apócrifo, com a vaga forma de uma exposição de motivos, justificando a decretação do Estado de Sítio, seguido de uma GLO. Segundo a Globonews, que o revelou, o papel tinha o timbre do PL e estava na sala usada por Bolsonaro, na sede do partido, após deixar a Presidência. Algo sugere que possa ter sido escrito pelo próprio, como o uso da expressão “dentro das quatro linhas” (da Constituição). Seu advogado negou a autoria, lembrando que o Estado de Sitio precisa ser aprovado pelo Congresso. Mas Bolsonaro não tinha o Centrão para isso? Seja quem for o autor, o documento é só mais um confeito neste bolo. Já sobram indícios e provas de que estivemos bem perto de uma quartelada, seguida de uma ditadura.

7. O conforto de dois golpistas

Muitos dos conspiradores foram para o degredo na planície dos sem-poder após a posse de Lula, tais como Heleno e Braga Neto, sem falar nos que foram presos, como Anderson Torres e Mauro Cid. Mas dois continuaram desfrutando de sombra e água fresca, como se nada tivessem feito.

Um foi o general Estevam Theóphilo de Oliveira, que continuou chefiando o Comando de Operações Terrestres até novembro do ano passado, e como tal, integrando o Alto Comando do Exército. Em 9 de dezembro de2022 ele acertou com Bolsonaro o uso de suas tropas na quartelada.

Outro é o coronel Bernardo Romão, que por sua atuação relevante, inclusive no 8 de janeiro, teve a prisão preventiva decretada. Em dezembro de 2022 ele conseguiu ser nomeado para um posto em Washington, onde passou os últimos meses ganhando em dólares. Quase escapou mas foi preso ontem à tarde.

Com ele, são três os militares presos: Os outros dois são o coronel e ex-assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara, e o major Rafael Martins, preso em Niterói.


Texto original em português do Brasil

Declínio do crescimento económico

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O declínio do crescimento económico do “Ocidente alargado”, o efeito “ricochete” das sanções nas economias europeias, e o agravamento da situação sócio-ecónomica em Portugal devido à atitude submissa do governo em relação às imposições da Comissão Europeia que está atrelada aos EUA

Neste estudo, utilizando as ultimas previsões económicas e sociais do FMI (jan.2024) e da Comissão Europeia (nov.2023), mostro o que estas entidades dizem que se pode esperar este ano, em particular os europeus e nomeadamente os portugueses a nível de crescimento económico, inflação e desemprego. E se tais previsões se revelarem verdadeiras as condições de vida nos países da U.E. não melhorarão. Um aspeto que causa surpresa aos que previam o colapso rápido e inevitável da economia russa devido às sanções é a previsão de crescimento económico da Rússia em 2024 (2,6%) ser superior em 188% à da Zona Euro (0,9%).

O efeito ricochete das sanções, que alertamos atempadamente, são agora já visíveis para todos e, nomeadamente para os europeus e, dentro destes, para os portugueses que as sentem as suas consequências de uma forma agravada devido aos baixos salários e às baixas pensões. E a guerra na Palestina está a agravar ainda mais a situação. E termino analisando a evolução da divida publica portuguesa entre 2015 e 2023, mostrando que a portuguesa sofreu um corte de 21,2 pontos percentuais do PIB, quando, no mesmo período,  na U.E. diminuiu em média 4,9 pontos percentuais do PIB e na Zona Euro 2,2 pontos. E isto só foi possível cortando, sem avaliar as consequências, o investimento público, esmagando salários e o poder de compra dos trabalhadores das Administrações Públicas e, utilizando a inflação, para aumentar enormemente as receitas de impostos. A insatisfação e contestação que tudo isto gerou criou as condições para a ascensão da extrema-direita que agora todos se queixam.

 

Estudo

O declínio do crescimento económico do “Ocidente alargado”, o efeito “ricochete” das sanções nas economias europeias, e o agravamento da situação sócio-ecónomica em Portugal devido à atitude submissa do governo em relação às imposições da Comissão Europeia que está atrelada aos EUA

O FMI divulgou em janeiro de 2024 o seu “Word Economic Upadate” com as previsões do crescimento económico para 2024 e 2025 dos países a nível mundial, e a Comissão Europeia tinha feito o mesmo no último trimestre de 2023 para os países da U.E. São precisamente os dados dessas duas entidades, que não podem ser acusadas de pretender denegrir o ocidente e de defender a China e a Rússia, que vamos utilizar neste estudo para que os leitores fiquem informados do que nos espera no futuro próximo de acordo com elas, que são da confiança dos governos ocidentais.

 

O DECLINIO DO CRESCIMENTO ECONÓMICO DO CHAMADO “OCIDENTE ALARGADO” E O REDUZIDO EFEITO DAS SANÇÕES NA ECONOMIA DA RÚSSIA E O EFEITO DE RICOCHETE NAS ECONOMIAS DA ZONA EURO

O quadro 1 com as previsões do FMI que, as que importam são de 2024, pois as de 2025, é um ano que ainda está distante por isso estão mais sujeitas a ajustamentos maiores como a experiência tem mostrado.

Quadro 1 – Previsões do FMI DE crescimento económico – mundial, de regiões e dos países mais importantes – 2023/2025

Como revelam os dados do quadro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o crescimento da economia mundial continue reduzido em 2024 (3,1% igual ao de 2023), embora diferente de região para região e entre países. O crescimento económico naquilo que o FMI domina como “Mercados emergentes e economias em desenvolvimento” em 2024 prevê que será de 4,1%, enquanto para as economias do agora designado “Ocidente alargado” (Estados Unidos, Japão, Canadá e Europa) a previsão de crescimento económico do FMI é apenas 1,5% em 2024. E no “Ocidente alargado” destaca a Zona Euro com um crescimento ainda mais negativo de apenas 0,9% em 2024. E a chamada “locomotiva” da U.E. que devia arrastar as outras economias – a Alemanha – a previsão do FMI para 2024 é ainda mais pessimista, pois é apenas 0,5%, depois de uma recessão técnica em 2023 (-0,3%). É evidente, que perante este crescimento medíocre previsto pelo FMI para 2024, os europeus e, nomeadamente os portugueses, não podem esperar uma melhoria nas suas condições de vida.

Um aspeto surpreendente nestas previsões do FMI é a taxa de crescimento económico em 2024 da Rússia (+2,6%),superior em 188,9% à da Zona Euro (0,9%). E isto quando a Comissão Europeia, os governos da U.E., os “experts” ocidentais, e defensores nacionais das sanções (em Portugal, governo e presidente da República as defenderam com o estranho argumento de que as importações/exportações da e para a Rússia eram mínimas por isso o efeito Na economia portuguesa seria praticamente nulo “esquecendo-se” que vivemos num mundo globalizado), anunciavam em alto e bom som, como fosse uma verdade indiscutível, o colapso rápido da economia da Rússia.

Na altura alertamos para o efeito “boomerang” (ricochete) sobre as economias europeias e sobre as condições de vida dos europeus das sanções. E elas estão à vista de todos: crescimento económico medíocre, aumento de custos da produção (ex.: pesticidas, agora importa-se cada vez mais do “amigo americano” que obtém grandes lucros, a nível de gás a dependência passou da Rússia para os EUA que agora está a criar dificuldades ao aumento das exportações), inflação, perda de poder de compra, aumento da pobreza. É um risco muito grande utilizar a economia como arma de guerra como alertamos e a experiência está a mostrar. Só para os incompetentes de Bruxelas é que é uma arma eficaz.

 

AS PREVISÕES DA COMISSÃO EUROPEIA PARA U.E., PARA OS PAISES MAIS IMPORTANTES E PARA PORTUGAL

As previsões da Comissão Europeia confirmam as do FMI em relação aos países da U.E. para 2024. O gráfico 1, com dados divulgados já em nov.2023 pela C.E., confirma um crescimento medíocre e o atoleiro em que se meteu a U.E., de financiar a guerra e a reconstrução da Ucrânia sem limites agora agravada pela “retirado do tapete pelo amigo americano que agora a deixou só”, devido à falta de visão estratégia e de firmeza dos governos para defender os interesses dos seus nacionais, incluindo o português que tem andado submissamente a reboque da Comissão.

As barras e os valores a castanho-claro referem-se a 2024 pois são aqueles que nos interessam para saber como as entidades oficiais preveem a evolução da situação económica e social este ano. Segundo a Comissão Europeia o crescimento económico em 2024 da U.E. será 1,3%, e nos parceiros comerciais mais importantes de Portugal ainda mais medíocre ( Alemanha de 0,8%, França 1,2% Espanha 1,7%) aumentando o PIB no nosso país apenas 1,3% em 2024.

A inflação média na U.E. 3,5% e, em Portugal, 3,2%; e a taxa de desemprego na U.E. 6% e, em Portugal, 6,5%. As previsões da Comissão Europeia para 2024 não são boas para os europeus e muito menos para o nosso país, pois com taxas de crescimento de 1,3% o país não consegue sair do atraso crescente em que se encontra mergulhado.

 

O ESTRANGULAMENTO DA ECONOMIA E A DESTRUIÇÃO DO TECIDO SOCIAL E DO ESTADO EM PORTUGAL CONSEQUÊNCIA DA REDUÇÃO À BRUTA DA DIVIDA PÚBLICA, SUPERIOR AO REGISTADO NOS PAÍSES DA U.E., NUM PERIODO MUITO CURTO

O quadro 2 (dados do Eurostat) mostra, mais que quaisquer palavras, a redução da divida pública em Portugal a um ritmo tão brutal que estrangulou a economia, destruiu o aparelho do Estado e próprio tecido social (mais pobreza).

Quadro 2 – A evolução da divida pública na U.E., na Zona Euro, nos principais países e em Portugal 2015/2023


Segundo o Eurostat, entre 2015 e 2023, a divida pública em Portugal diminuiu 21,2 pontos percentuais do PIB (passou de 128,7% para 107,5% do PIB, mas segundo os critérios de Maastricht, que não inclui a totalidade da divida do Estado, no fim de 2023 era de 98,7% do PIB segundo Medina embora para isso tenha utilizado a artimanha de obrigar o IGCP a adquirir cerca de 7000 milhões € de divida pública a privados com os fundos que entidades publicas – Segurança Social, ADSE, SFA, etc.- depositados obrigatoriamente no IGCP); repetindo, enquanto Portugal reduziu em 21,2 p.p., no mesmo período na U.E. diminuiu em média 4,9 pontos percentuais do PIB e na Zona Euro 2,2 pontos. Na França e a Espanha a divida pública até aumentou, respetivamente, 14,3 e 10 pontos percentuais do PIB.

Os outros países da U.E. tiveram o cuidado de reduzir a divida de forma equilibrada para não estrangular a economia, nem destruir o tecido social, aumentando a pobreza, nem o Estado, causando a degradação dos serviços públicos. Em Portugal os governos de Costa, à semelhança do governo de Passos Coelho/Portas, fizeram a redução da divida pública à bruta cortando, sem olhar às consequências, o investimento público, esmagando salários e poder de compra dos trabalhadores da Função Pública. Tudo isto degradou profundamente os serviços públicos pondo em risco o crescimento económico e o desenvolvimento do país.

Utilizou-se a inflação para aumentar enormemente as receitas de impostos sem se avaliar as consequências sociais. E deixa-se um país com uma economia frágil, que só não entrou em recessão à custa fundamentalmente ao turismo, uma atividade de baixos salários e baixa produtividade. Portugal é um país em que o salário médio está cada vez mais próximo do salário mínimo. Tudo isto causou a insatisfação e o aumento da contestação social (médicos, enfermeiros, professores, trabalhadores dos tribunais, forças de segurança, agricultores, etc.). E assim criaram-se as condições para a ascensão da extrema-direita que agora todos se queixam.


“O Lutador”, um filme com Mickey Rourke

A proposta de O Lutador não é falar a cultura e a prática da luta livre, como foi com a sequência de Rocky Balboa e com The Champ, o dramático campeão, que são obras que retratam o boxe de maneira romanceada.

O Lutador está mais para expressão da luta do dia a dia da vida, simbolizada através dos ringues. O filme conta a história de Randy “The Ram” Robinson, lutador profissional que fez muito sucesso durante os anos 1980 e, vinte anos depois, em decadência, se vê obrigado a participar de lutas encenadas para conseguir algum dinheiro. Seu corpo de cinquenta anos de idade já não aguenta e Randy sofre um ataque cardíaco, o que o impede definitivamente de lutar.

Além de seus colegas de trabalho, ele cultiva uma amizade com a stripper Cassidy. Devido ao diagnóstico médico passa a trabalhar em um balcão de frios de um supermercado. Neste esquema de total subordinação ele conclui que aquele não é o seu lugar e que, a despeito de seu frágil coração, deve voltar para os ringues.

O lutador, filme com o ator Mickey Rourke, sob direção de Darren Aronofsky

O filme mostra crua e ordinariamente como se dá a luta livre como profissão. Os lutadores são, em geral, pessoas pobres que se entendem bem, as feridas existem, mas não são como parecem na hora do ato. Elas se acumulam ao longo dos anos de trabalho, degenerando pouco a pouco o corpo daqueles que o executam. O filme mostra, principalmente, que a data da validade desta profissão é muito curta. Com o envelhecimento, os praticantes são naturalmente excluídos do mercado.

O uso do corpo como instrumento de trabalho é retratado na pele de Ram e da prostituta Cassidy. Dentro disto, surgem velhas questões da nossa sociedade mal resolvida: a valorização da aparência em detrimento da essência, da juventude em detrimento da maturidade e da experiência, o descarte, a decadência e a exclusão.

Força de trabalho

Tanto a prostituição como a luta livre são práticas que marcam o corpo físico e causam estigma social. Neste sentido são exemplos extremos de como aqueles que vendem a força de trabalho, no sistema capitalista, é consumido por esta estrutura. Desta forma, pode-se dizer que o corpo doente e machucado do dócil e amigável Randy, o qual ele expõe continuamente à agressão, simboliza o sacrifício do corpo e do espírito pelo trabalho.

Deslocados do contexto de apelo sensorial a força física de Randy e a sensualidade de Cassidy se traduzem em fragilização humana. São corpos tristes que se expõe e se vendem. Vale ressaltar que o ator Mikey Rourke, através da sua própria tragédia pessoal, conseguiu mostrar o drama do personagem Randy. Ele teve o mérito de transformar sua fragilidade em arte, dando pujança ao filme e força a sua capacidade de atuar.

O Lutador (The Wrestler)

EUA, 2008

Direção: Darren Aronofsky

Elenco: Mickey Rourke, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood


Texto em português do Brasil

Por uma polícia preventiva?

A marcação de uma manifestação contra a “islamização da Europa” voltou a pôr quase toda a gente que interveio nos dias subsequentes a perguntar se a dita poderia ser proibida e, em caso afirmativo, quem a poderia proibir. De novo se voltou a pôr em causa a lei que regula as manifestações, o Decreto-Lei nº 406/74, de 28 de Agosto (Garante e regulamenta o direito de reunião).

Já escrevi em 7 de Julho de 2021 no Jornal Tornado um artigo sobre Recordações dos Governos Civis onde chamo a atenção para que esse diploma é pré-constitucional, o que se vê por exemplo nos objectivos:

Artigo 1.º – 1. A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas. 2. Sem prejuízo do direito à crítica, serão interditas as reuniões que pelo seu objecto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas.(i)

e também na identificação das entidades a quem deve ser comunicada a intenção de realizar manifestações:

Art. 2.º – 1. As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito.

Por Fonte, Conteúdo restrito, https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=3488549

A este último respeito tive ocasião de explicar que se vivia então sob o regime do Código Administrativo em que o governador civil e o presidente da câmara municipal eram considerados magistrados administrativos, sendo o presidente da câmara nomeado pelo Governo enquanto que os vereadores das câmaras emanavam – por sufrágio indirecto – dos eleitores. Com a aprovação da Constituição de 1976 só o governador civil continuou a ser representante do Governo mas é curioso que não se tenha revisto neste ponto a lei – afinal de contas as comunicações com as capitais de distrito foram progressivamente melhorando – e ainda mais curioso que Miguel Macedo, Ministro da Administração Interna do Governo Passos Coelho/Portas tenha alcançado um grande êxito de poupança com a extinção dos 18 governos civis até aí subsistentes e tenha remetido para os presidentes de câmara das capitais de distrito as funções que estes exerciam em relação às manifestações.

cm-lisboa.pt

António Costa, antigo Ministro da Administração Interna e então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa foi contra e fê-lo saber, mas ele próprio enquanto Ministro, ao estruturar a Protecção Civil, tinha tentado “reunificar” os níveis governamental e autárquico. O seu sucessor, Fernando Medina, revelou, como se sabe, grandes qualidades políticas na gestão das manifestações à porta das embaixadas. Não deixa de ser curioso que tenha sido sucedido por Carlos Moedas, colega de Miguel Macedo no governo que remeteu a competência para interditar manifestações para os presidentes das câmaras municipais. Moedas está amarrado a uma retórica anti-racista mas o que sucederá se um dia destes a questão se puser numa câmara em que o Chega tenha conquistado a presidência.

No domínio do processamento das comunicações relativas à intenção de realização de manifestações a PSP tem tido um papel fundamental na manutenção da ordem pública e na prevenção de possíveis ofensas ao direito à vida e à integridade física dos participantes ou das pessoas com quem se cruzem. Para isso é preciso colher informações, o que assenta largamente numa tramitação burocrática, mas é sempre feito conscienciosamente(ii). A propósito da recente intenção de manifestação “contra a islamização da Europa” que ia ser conduzida de forma a intimidar imigrantes hindostânicos alegadamente muçulmanos através de uma marcha através do Martim Moniz e da Rua do Benformoso a PSP soube fundamentar a decisão de interdição com base nos riscos para ordem pública e para as pessoas. E por muito que o Correio da Manhã, desprezando o novo accionista Cristiano Ronaldo, tenha afirmado que a PSP iria vigiar no passado Sábado 3 de Fevereiro, os “extremistas” dos dois lados, a sua presença junto à concentração no Largo do Intendente, não afectou a mobilização para esta, enquanto que o ter “encapsulado” as dezenas de indivíduos que desceram do Largo Camões até à praça do Município funcionou como uma humilhação.

Duas manifestações completamente opostas tomam as ruas de Lisboa

Num pormenor contudo me parece ter havido falha: seria de ter interditado o transporte de tochas durante a manifestação, por muito que a interdição afectasse o amor próprio dos émulos do klan estado unidense – é que podem funcionar como armas.

Há consequências jurídicas a retirar do que se passou:

  •  por um lado haverá que analisar a recusa do pedido de intimação para protecção de liberdades direitos e garantias(iii) colocado por Mário Machado, que se licenciou em Direito, recorde-se, e pelo seu advogado, que funcionou nitidamente como um anti-climax;
  • por outro lado nada impede que se venha a pedir a dissolução do “1143” ao abrigo da lei que proíbe as organizações fascistas.

Curiosamente o diploma de 1974 em relação às manifestações tinha sido muito citado nos últimos meses para pedir a punição de manifestantes que cometeram o único crime em que me parece haver consenso em matéria de manifestações: o realizá-las sem participar previamente a sua convocação. É claro que de per si o corte de estradas – e toda e qualquer actuação equivalente – está também criminalizado, tanto quanto me lembro desde que se formou o primeiro Governo de António Guterres a seguir ao bloqueio da ponte 25 de Abril nos últimos tempos do ciclo de Cavaco Silva.

Como é conhecido, a PSP tem vindo a realizar detenções de todos e quaisquer manifestantes “climáticos” e até, num caso, de professores, que se deslocavam para junto de uma Câmara Municipal.

Faz-me lembrar no Felizmente Há Luar!:

  • Então vocês não sabem que estão proibidos os ajuntamentos?
  • Posso dormir com a minha mulher ou também formamos um ajuntamento?

E , num esforço adicional que talvez pudesse ser dispensado, tem detido “activistas climáticos” que ainda não fizeram nada mas poderiam estar a preparar uma manifestação.

O Automóvel Clube de Portugal, de que sou sócio, dedicou o seu número de Novembro de 2023 a esta problemática num artigo intitulado “Radicalismo ambiental: crime sem castigo”. No artigo transcrevem-se diversas afirmações de um advogado especializado em Direito Penal, tais como:

Não me parece possível que haja protestos ou reacções em defesa do melhor dos valores que possam servir para atacar o próprio sistema que nós queremos que promovam os tais valores, porque de outra forma estamos a defender aquilo que no século XX surgiu como a teoria do anarquismo, uma corrente que nunca resolveu problema absolutamente nenhum.

A seguir o artigo refere-se à figura jurídica da associação criminosa que justificaria acções preventivas das autoridades sobre o Climáximo e a Greve Climática Estudantil. E volta a dar a palavra ao mesmo advogado:

A partir do momento em que é detetada uma célula, um grupo, para praticar atos que não são permitidos pela lei penal, obviamente se deve atuar para que a bola de tinta não seja atirada contra um ministro, para que a 2 ª circular não seja cortada, para que uma obra de arte não seja destruída. É para isso que serve a polícia. As polícias não têm só uma função repressiva.

As justificações para uma actuação preventiva da polícia podem colocar-se, como se vê, em diversas áreas. E implicam uma actividade regular de obtenção de informações por parte das polícias. Que, mesmo que estas não disponham de serviços de informações próprios, a sociedade espera que elas tenham. Quem rouba catalisadores? Quem rouba cablagem de cobre? Quem passa droga junto de alunos das escolas? Etc, Etc… Independentemente da abertura de processos para averiguação de crimes concretos espera-se que as polícias, e não os sistemas de informações oficiais sujeitos a controlo parlamentar “referenciem” prováveis criminosos em certos tipos de crime.

Até que ponto é que é legítimo fazê-lo SEM LEI? Quem deve decidi-lo? Os próprios comandos policiais? Os Governos? O Ministério Público?

Já tive uma vez ocasião de me pronunciar sobre uma situação subsequente a uma manifestação realizada no tempo da Troika junto a São Bento em que os muitos manifestantes que, após o encerramento oficial da acção permaneceram junto do Palácio e não acataram a ordem de dispersão acabaram não só por sofrer uma carga policial muito violenta e em muitos casos, serem perseguidos quando estavam já à procura de transportes, em certos casos ser convocados ao DIAP para serem acusados de atirar objectos à polícia. Não tendo estado na manifestação, o depoimento de uma das activistas que tentaram incriminar e os próprios termos de um protesto do advogado António Garcia Pereira, vieram a convencer-me de que, com ou sem conhecimento do Ministro Miguel Macedo e da Inspecção-Geral da Administração Interna, parecia existir a nível de Lisboa um entendimento entre comandos da PSP e procuradores do Ministério Público para uma repressão selectiva.

Escrevi na altura:

Não creio que a PSP tenha cobertura legal, vocação, e até recursos adequados para fazer recolha e análise de informações na área política. Daí até à referenciação de todos os múltiplos movimentos cívicos que têm surgido e dos seus activistas como suspeitos, vai um pequeno passo que os últimos acontecimentos levam a crer que já foi transposto.

 O caso Paula Montez e as secretas desconhecidas

Pouco depois morria esse ensaio de “polícia preventiva”, justamente quando se pensava que iria obter um dos seus maiores sucessos. Umas centenas de manifestantes entraram num dos acessos à ponte 25 de Abril e foram capturados pela PSP que, parece-me que com alguma lógica, pensou que iriam cortar a ponte. No entanto a Procuradora – Geral da República recentemente nomeada, Joana Marques Vidal, emitiu através do seu Gabinete um comunicado a explicar que não iria proceder contra os detidos. Possivelmente ela e Miguel Macedo resolveram acertar agulhas e não voltaram a registar-se durante muito tempo episódios desta natureza.

Hoje em dia há outros protagonistas e os tempos estão perigosos. Se for detido por activismo e tiver esquecido o seu tractor em casa, tem sempre um recurso: cante o hino nacional.

 

Notas

(i) Confronte-se este artigo com o Artigo 45º da actual Constituição:
“ARTIGO 45.º
(Direito de reunião e de manifestação)

1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.”

(ii) Numa ocasião em que o Sindicato Nacional do Ensino Superior, de cuja Direcção fui membro, promoveu uma concentração junto do Palácio das Laranjeiras para exigir de Mariano Gago o cumprimento de princípios acordados em sede de concertação social, lá apareceram na sede uns guardas a pedir informações.

(iii) Tecnicamente não se tratou de um “recurso” do despacho de interdição do presidente da câmara.

Cuidado, frágil

Quinta-feira passada, pouco antes da meia noite, centro velho de um Porto não muito Alegre, agora sucessivas vezes atormentado por vendavais e enchentes que apagam o já pouco brilho que restou daquela outrora capital da democracia e da participação popular e arrastam em correntezas instantâneas para bueiros lúgubres a esperança que insiste, resiste.

Era uma noite aparentemente amena, longe da nada agradável alcunha de Forno Alegre em que os irredutíveis habitantes desprivilegiados e desafortunados precisavam enfrentar nos dias intermináveis de verão escaldante. Era uma noite como outras tantas para aqueles que por conta do vício, da loucura ou do desemprego – distintas facetas de um capitalismo cada dia mais monstruoso que vitimiza impiedosamente as gentes, seus sonhos e suas dores.

Suspiro, porém sem resignação.

A vida às vezes parece ser feita de pequenas idiossincrasias crivadas de hostil ironia. Na curva da esquina, no recuo da entrada de um prédio de meia idade arquitetônica (anos 1940, quando muito 1950) dormia um “Pedro de Tal”, jargão para designar os zés e joões ninguéns que povoam as marquises, viadutos, calçadas e outras prisões ao ar livre nas capitais.

Dormia um sono ferrenho talvez movido pelas doses e goles alucinantes e desesperados. Talvez fingisse o sono para que continuasse ignorado e esquecido, tamanha é a rutileza de sua existência, quase invisível não fosse inodora. E do altar das ironias, hipocrisias e crueldades desse sistema-mundo-monstro via-se que o papelão que o separava finamente da pedra mármore do degrau da escada de entrada do prédio antigo trazia a inscrição “cuidado frágil”, aqui no texto rebatizado de “cuidado, frágil” por obrigações gramaticais da ética e da humanidade, abalada e constrangida e revolta do escriba (NÃO COMPREENDI) e de quem o acompanhava e registrou a cena com estupefação.

“Cuidado, frágeis: fragilizados”, eis os homens e mulheres que seguem desde há tempos pingentes nas avenidas da capital. Oxalá, a consciência aviltada pela corrupção descarada, a exploração desalmada de territórios e vivências transmutadas em arranha-céus e cidadelas neomedievais das incorporadoras e pela privataria que só fez prejuízos e transtornos na vida das pessoas, também inclua a recusa a esse estado de coisas que nos alerta para o quão frágil é o limiar entre a civilização e a barbárie e daí à selvageria.


Texto em português do Brasil

Riscos e medos para 2024

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Num ano que vai registar uma pesada agenda eleitoral, que envolverá quase oitenta países e metade da população mundial, e onde se destacam eleições como a russa e a norte-americana (para não falar da populosa e intrincada Índia), é expectável que se viva, em grande parte, um cenário de imobilismo político onde poucas ou nenhumas decisões de fundo serão tomadas, inclusive em termos de relações internacionais e de diplomacia, implicando a difícil implementação de estratégias num contexto de tão grande incerteza política como o que se vive com os conflitos na Ucrânia e na Palestina, mesmo que para tal existam condições e se reconheçam necessidades.

Piorando este cenário e complicando consideravelmente as coisas é o facto da mais importante desta série de eleições, especificamente a eleição presidencial norte-americana, ocorrer em último lugar e próximo do final do ano, pelo que as mudanças políticas possíveis de realizar serão, portanto, feitas em cenário de incógnita sobre as orientações políticas, económicas e geoestratégicas que (para o melhor e para o pior) virão dos EUA.

Destacam-se assim, neste cenário, duas tendências. Por um lado, uma paralisia estratégica do hemisfério ocidental que entrará em modo de hibernação antes de produzir quaisquer novidades, sendo disso claro exemplo a situação de quase suspensão do apoio norte-americano à Ucrânia e a aparente tibieza e dualidade da diplomacia norte-americana face à crise no Médio Oriente; ao invés, a outra parte do mundo (BRICS e Sul Global) deverá aproveitar esta estagnação para avançar a sua estratégia, sem ter em conta uns EUA crescentemente desacreditados e um mundo ocidental ocupados com os seus próprios problemas, sendo que o menor dos quais não será o evidente fracasso da política de sanções económicas à Rússia (já vamos no 12º pacote) e o efeito de ricochete sentido especialmente nas economias europeias.

Esta dupla tendência deixa antecipar novos avanços por parte dos BRICS (previsão que em nada deverá ser afectada pela recente renúncia da Argentina à adesão ao grupo) que assim deverão ver reforçado o seu papel como actores geopolíticos, facilitadores de reconfigurações estruturais e criadores de novos métodos de governança global, a par com a expectativa de um crescente divórcio entre eleitos e eleitores nos países ocidentais, em resultado do imobilismo destes face à premência das questões e das necessidades dos primeiros.

Assim, 2024 deverá ser para o Ocidente um ano eminentemente político, onde a perspectiva de expressão democrática oferecida pelas eleições talvez já não consiga aplacar o descontentamento popular (tanto mais que a situação socio-económica inflacionista deverá permanecer e o crescimento económico deverá continuar a ser fraco, apesar das mais recentes previsões optimistas do FMI e da propalada imagem de uma “aterragem suave”), debilidade que tem vindo a ser explorada por uma extrema direita populista em fase de crescimento e que agrava a incerteza sobre os próximos resultados eleitorais, enquanto no resto do mundo (BRICS e Sul Global) o ano será eminentemente geopolítico, com as populações a alimentarem perspectivas positivas que as tornarão mais indulgentes com as reconhecidas falhas democráticas, tanto mais que o modelo democrático ocidental está a deixar de ser a quimera que já foi.

Resume-se que deveremos esperar um ano pleno de alertas geopolíticos destinados a agitar as águas, mas de forma bastante controlada, onde as reações mais exacerbadas do campo ocidental poderão assustar, mas, a crer neste despacho da Xinhua News (a agência noticiosa oficial chinesa) sobre o conflito israelo-palestiniano, dificilmente produzirão mais danos que medos.

Documentário nostálgico nos leva a redescobrir “We Are the World”

A ideia de criar uma obra que desse visibilidade à causa da fome na África, especialmente na Etiópia, foi do músico e ativista Harry Belafonte. Amigo de Martin Luther King, Belafonte, que foi um dos mais destacados ativistas dos EUA (ele faleceu em 2023), propôs para Lionel Richie criar uma versão americana da música-manifesto “Do They Know It’s Christmas Time“, idealizada pelo músico Bob Geldof e lançada em dezembro de 1984.

Do They Know It’s Christmas Time

Mais do que uma música, “Do They Know It’s Christmas Time” nasceu como um ato político para promover conscientização e, sobretudo, a arrecadação de doações para a população carente etíope. Artistas britânicos como David Bowie, a banda Duran Duran, U2, Boy George, George Michael, Sting, entre outros, participaram daquele projeto que até hoje é uma referência para causas humanitárias.

We Are the World

Logo em janeiro de 1985, Lionel Richie contactou o produtor Quincy Jones e o cantor Michael Jackson. Eles se encarregaram desde criar a música até a escolha e o contato com os cantores e cantoras que participariam da gravação. Quando finalmente a música “We Are the World” foi lançada, em março daquele ano, ela “viralizou” e rapidamente alcançou números superlativos. Liderou paradas, foi o compacto mais vendido, etc.

O documentário “The Greatest Night in Pop”, ou, em português, “A Noite que Mudou o Pop”, dirigido por Bao Nguyen, lançado na última segunda-feira (29), mostra toda a tramitação e as dificuldades operacionais para pôr em prática aquele sonho. É admirável poder assistir tantos músicos, que são velhos conhecidos, envolvidos naquele trabalho e descobrindo como se colocar naquele grande coral pop idealizado por Belafonte.

Eles teriam apenas uma oportunidade para gravar, na noite de 28 de janeiro de 1985. E deveriam ir por boa vontade, sem cachê, sem maquiador e sem ego. Muitos chegaram ao A&M Recording Studios de Hollywood, após outras agendas, como Lionel Richie, que acabara de apresentar a premiação do American Music Awards, e Bruce Springsteen, que foi para a gravação um dia depois de encerrar o último show da turnê “Born in the USA,” em Buffalo, do outro lado do país.

Sentimento aflorar na voz

Antes de começarem a gravar, Bob Geldof foi chamado para falar sobre a causa que reunia aqueles músicos. Recém-chegado da África, ele lembrou dos povos que viviam em uma situação de tanta miséria que não tinham “sequer água.” Falou da ocorrência de doenças como meningite, malária e febre tifoide e disse que “em alguns campos, são 15 sacos de farinha para mais de 27 mil pessoas.” “É por isso que estamos aqui,” finalizou.

A intenção, obviamente, era manter o foco daquela seleção estrelada na causa que dava sentido à música e, segundo Geldof, deixar o “sentimento aflorar na voz.”

Com o passar das horas, a exaustão tomava conta. Todo o cansaço, a persistência e, principalmente, a entrega de quem topou participar, imprimiram alma e honestidade à obra. A música surgiu, desta forma, sob grande inspiração.

A composição inusitada, desde a estridência quase infantil de Cindy Lauper, até a voz grave e contida de Huey Lewis, passando pelo peculiar estilo anasalado de Bob Dylan, pela voz brilhante de Michael Jackson e pela suavidade de Paul Simon, transmite diversidade. Uma diversidade que se mistura em uma só voz.

Guerra fria

Em 1985, quando “We Are the World” tomou conta das paradas, estávamos na Guerra Fria, e muitos viram com desconfiança, mesmo que ali tivessem personalidades como Bob Dylan e Paul Simon. Aquele vídeo, com vários artistas, era, antes de tudo, uma expressão dos EUA. Ou dos United States of America, USA, for África. E o mundo vivia a era da desconfiança.

Hoje temos a chance de ver com outros olhos, não é só pela distância do tempo, mas também pela tecnologia que, através de um documentário como “A Noite que Mudou o Pop,” permite ao público se familiarizar com o processo de produção de um projeto como aquele.

“We Are the World” não era, enfim, uma jogada da CIA. E é curioso, nostálgico e inspirador redescobrir o vídeo, principalmente depois de ver o filme.

Apesar do sucesso, “We Are the World” não conseguiu diminuir a fome na África. Mas assumiu um bom papel enquanto arte. O de elevar o pensamento, a consciência e usar suas ferramentas para intervir politicamente.


Texto em português do Brasil